sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Administração: mesmo no setor privado, voltada ao interesse público

Quando, em mil novecentos em oitenta e cinco, uma empresa japonesa de tamanho razoável se viu repentinamente ameaçada por uma proposta de aquisição hostil - a primeira da história recente do país - formulada por um grupo de assalto constituído por instituições americanas e britânicas, sua administração afirmou enfaticamente que os verdadeiros donos do negócio, e os únicos que poderiam possivelmente vendê-lo, não eram os acionistas, mas os empregados. Certamente, este foi um exagero considerável. Os verdadeiros donos das grandes empresas japonesas são os bancos. Mas é verdade que o direito dos empregados ao trabalho é a primeira e dominante reivindicação em grandes empresas do Japão, a não ser quando a empresa enfrenta uma crise tão séria que isto coloque sua própria sobrevivência em risco.

Para ouvidos ocidentais, a afirmativa da empresa japonesa soou extremamente estranho. Contudo, os Estados Unidos da América - e o ocidente, em geral - podem estar tão adiantados quanto o Japão no processo de tornar os empregados o interesse dominante em empreendimento de negócio, e não apenas naqueles de grande porte. É claro que, enquanto isto, o quinhão da receita que pertence aos empregados de uma empresa, independentemente de seu porte, ultrapassa o que seus donos poderiam imaginar em obter: varia de quatro vezes mais ( isto é sete por cento de lucro depois dos impostos contra vinte e cinco por cento em salários e bonificações ) a doze vezes mais ( isto é, cinco por cento de lucro contra sessenta por cento em salários e bonificações ). O fundo de pensão não apenas aumentou significativamente a parcela de receita que se destina ao fundo de garantia - ao ponto de, em anos ruins, o lucro ser totalmente destinado ao fundo,além de receitas adicionais - , mas também as leis americanas ( aplicadas a qualquer companhia americana ou não que tenham ações negociadas nas bolsas de valores mobiliários dos EUA ) agora também priorizam os fundos de pensão em detrimento dos acionistas e de seus direitos de propriedade no caso de liquidação da empresa. Isto vai muito além do que a legislação ou os costumes do Japão garantem aos empregados do país.

Acima de tudo, o ocidente, com os EUA à frente, está rapidamente convertendo o emprego do empregado individual em um novo direito de propriedade e, paradoxalmente, no mesmo momento em que a absoluta primazia dos direitos de curto prazo dos acionistas está se fazendo valer pela aquisição hostil.

O veículo para esta transformação nos EUA não é a legislação sindical e tampouco legislação que exige o pagamento de indenização por demissão em muitos países europeus. O veículo é a ação judicial. Primeiro, surgiram os processos alegando discriminação, seja na contratação de empregados, demissão, promoções, remunerações ou na determinação de tarefas - discriminação com base em etnia, gênero, faixa etária ou deficiência física. Contudo, cada vez com maior frequência, estas ações nem mesmo alegam discriminação, mas violação do devido processo legal. Alegam que o empregador deve tratar o emprego do empregado, inclusive as expectativas do indivíduo quanto a pagamento e promoção, como algo cujo desfrute e cujos frutos possam ser diminuídos ou cancelados somente com base em padrões objetivos e preestabelecidos e por meio de um processo estabelecido que inclua uma análise imparcial do direito a recurso. Contudo, estes são aspectos que caracterizam a propriedade na história da lei. Na verdade, são os únicos aspectos que um direito deve conter para se chamado de propriedade, segundo a tradição legal do ocidente.

E, como a maioria dos gerentes já observou, em praticamente todas as causas, o postulante vence e o empregador perde. Os motivos são preclusão, inversão do ônus da prova e " in dubita pro misero" e outros direitos do trabalhador independentemente do mérito da questão. Sem contar, é claro, as condenações meritórias. Tudo pode ser evitado quando a empresa resolve executar uma politica estratégica de gestão de pessoas de modo a evitar tanto a demissão quanto, caso ela ocorra, a empresa esteja com saúde financeira suficiente boa para não levar desvantagem em negociações trabalhistas que antecedem o momento da demissão. Sem falar num processo contínuo de capacitação que permite o aproveitamento do empregado em outras funções antes da decisão em demitir.

Contudo, ainda haverá casos em que a empresa terá de enfrentar a realidade de estar em desvantagem no momento de demitir e arcar com todos estes custos adicionais e lançá-los como prejuízo e não como custos necessários.

Só deve-se, pelo menos observar o teorema de Pareto, que prevê que as demissões que geram custos que significam investimento para a empresa se situem na faixa dos oitenta por cento das demissões e as demissões em que a empresa estará em desvantagem e terá de arcar com os custos adicionais desta desvantagem e tenha de lançá-los como prejuízo em vinte por cento dos casos. Observando este teorema, trata-se do risco inerente a qualquer sub-área da administração ( gestão de pessoas, gestão de finanças, gestão de marketing, gestão logística, gestão do suprimento e outras sub-áreas da administração ou a ela conexas ). Sem que a incursão nestes riscos caracterize má gestão, imperícia ou negligência do administrador, este estando amparado pelo princípio da primazia do possível.

Este resultado ( da possível perda do empregador num processo demissional ) era previsível, para não dizer inevitável. E é irreversível. Ademais, não é nem novidade nem radical. O que dá acesso aos recursos produtivos de uma sociedade - e, portanto, a subsistência, função social, status e se constitui em uma das principais, se não a principal, avenidas para a independência econômica, por mais modesta que ela seja - sempre se tornou, especialmente o emprego com mão de obra qualificada, como uma posição gerencial ou profissional.

Ainda é chamada de propriedade real a terra. até muito recentemente, era a terra, po si só, que dava à maioria da humanidade - noventa e cinco por cento ou mais - o que uma propriedade dá: acesso aos recursos produtivos da sociedade e controle sobre eles; acesso à subsistência ao status e à função social; e, finalmente, a chance de se obter propriedade ( em inglês, estate, que originalmente significava propriedade da terra ) e, com isto, independência econômica.

Nas sociedades desenvolvidas dos dias de hoje, contudo, a maioria - noventa por cento a noventa e cinco por cento da população - tem acesso aos recursos de produção e a seu controle, e também ao nível de subsistência e ao status e função social em função de sua função em organizações, ou seja, por meio de seu emprego. Para pessoas com alto grau de educação, o emprego é praticamente a única rota de acesso. Cerca de noventa e cinco por cento ou mais de todas as pessoas com diploma universitário passarão toda a vida de trabalho com empregadas de organizações. As organizações modernas são o primeiro lugar - e, até aqui, o único - onde é possível alocar um grande número de pessoas com boa educação para trabalhar de forma produtiva e pagar para aplicar seus conhecimentos.

Além disto, para a maioria dos americanos, o fundo de pensão de seu local de trabalho é o único acesso à propriedade, isto é, a um pouco de independência financeira. Quando o membro da família americana com a maior renda, operário ou empregado administrativo, tiver quarenta e cinco anos de idade, e solicitar seu fundo de garantia da família, este será provavelmente seu maior patrimônio, superando em muito, o valor de sua casa ou de seus outros bens pessoais, como automóveis.

Assim, o emprego tinha de se tornar um direito de propriedade - e as únicas questões são de que forma e com que velocidade.

Resolver coisas deste tipo por meio de ações judiciais pode ser tão americano quanto a torta de maçã ou tão brasileiro como a feijoada, mas dificilmente será tão palatável. Ainda existe uma chance de a administração tomar a iniciativa neste desenvolvimento e moldar os novos direitos de propriedade ao formato do emprego, de forma que eles sirvam tanto ao empregado quanto à empresa e à economia. É necessário manter a flexibilidade do emprego. é preciso tornar possível que uma empresa contrate novos empregados e aumente sua força de trabalho. E isto significa que é necessário evitar a corda que os europeus colocaram em volta do próprio pescoço: a indenização por demissão exigida pela legislação de tantos países torna tão caro demitir alguém sem justa causa que as empresas não contratam ninguém. E nem é necessário contratar se pode aproveitar alguém que já faz parte do quadro com melhoras contínuas de produtividade.  É a busca pela maximização da curva de aprendizagem. Ninguém que venha de fora será um ponto fora desta curva, exceto nos quantitativos previsto no teorema de Pareto. O motivo de a Bélgica e a Holanda terem taxas tão extraordinariamente altas de desemprego pode ser atribuído, em quase sua totalidade, à legislação de pagamento de indenização aos demitidos. Indenização considerada justa se o demitido é jogado na rua da amargura com habilidades e experiência em função que não existe mais ou injusta se o trabalhador é treinado em várias funções e sai da empresa com amplas possibilidades de ser reaproveitado no mercado de trabalho com diversos certificados de cursos de capacitação em mãos sem contar a experiência adquirida nas diversas funções existentes dentro e fora da empresa que o demitiu. Entretanto, qualquer que seja o modo pelo qual os novos direitos de propriedade inerentes a um emprego sejam estruturados, haverá diversos requisitos aos quais cada empregador, isto é, cada organização, terá de atender. Em primeiro lugar, deverá haver padrões de desempenho iguais e objetivos para todos os que estiverem fazendo determinado trabalho, independentemente de etnia, gênero ou faixa etária. Segundo, para satisfazer às exigências do processo legal, estes padrões de desempenho devem ser avaliados por alguém verdadeiramente isento. E, finalmente,o processo  legal exige o direito a recursos - algo, por sinal, que uma empresa tão autoritária quanto a IBM já tem há quase um século.

A evolução do emprego para direito à propriedade muda a posição do indivíduo dentro da organização. E mudará igualmente, ou até mais, a posição da organização na sociedade, uma vez que tornará claro aquilo que hoje ainda é nebuloso: instituições organizadas e administradas se tornam, cada vez mais, órgão de oportunidade, de conquistas e de realização para o indivíduo na sociedade de organizações.

Ainda ha muito trabalho importante a ser feito - muito mesmo - em áreas convencionalmente consideradas como administração, pelas escolas de administração, jornais de administração e até pelo próprios gerentes praticantes. Mas os principais desafios são os novos, aqueles que estão bem além do que geralmente é definido como campo da administração. Na verdade, haverá o questionamento de que tudo o que está sendo discutido nem poderia ser considerado administração, mas estaria mais afeto à teoria política e social e à legislação pública.

Precisamente. O sucesso da administração não alterou o trabalho de administração. Mas transformou profundamente o significado de administração. Seu sucesso tornou a administração uma função geral e onipresente, além de um órgão distinto da sociedade de organizações. Como tal, a administração, inevitavelmente, se tornou impregnada do interesse público. Elaborar o que isto significa para a teoria e a prática da administração se constituirá o problema da administração das próximas décadas. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-mesmo-no-setor-privado-voltada-ao-interesse-p%C3%BAblico .     

   


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