quinta-feira, 5 de maio de 2022

Direitos Humanos: a imprescritibilidade baseada em costumes

Assinada em Nova Iorque, em Vinte e seis de novembro de Mil novecentos e sessenta e oito, a Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade ( CICGCH ) entrou em vigor em Onze de novembro de Mil novecentos e setenta, Noventa dias após o depósito do décimo instrumento de ratificação. Possui em Dois mil e vinte, Cinquenta e cinco Estados Partes.


O objetivo da CICGCH, em apenas Onze Artigos, é evitar que regras prescricionais de direito interno impeçam a persecução e punição dos responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.


O Artigo Primeiro Prevê a imprescritibilidade, independentemente da data dos fatos, para:


1) crimes de guerra definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg ( ETMIN ) e na Convenção de Genebra para a Proteção das Vítimas de Guerra ( CGPVG ), de Mil novecentos e quarenta e nove;

2) os crimes contra a humanidade definidos no ETMIN bem como a evicção por ataque armado, a ocupação e atos inumanos resultantes de práticas de apartheid e o crime de genocídio definido na Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio ( CPRCG ) ( * vide nota de rodapé ) de Mil novecentos e quarenta e oito.


Já o Artigo Segundo estipula que tais crimes são imprescritíveis em relação a representantes do Estado e indivíduos que tenham participado na qualidade de autores, partícipes ou cúmplices, assim como aqueles que tenham, incitado, conspirado ou tolerado a sua perpetração.


Os Artigos Terceiro e Quarto preveem o dever dos Estados Partes de adotar medidas para adequar suas legislações para permitir a extradição para fins de persecução e punição dos responsáveis pela prática dos crimes de guerra e contra a humanidade, bem como para assegurar a sua imprescritibilidade no que diz respeito à pretensão punitiva e executória.


Ao final, os Artigos Quinto a Onze trazem disposições procedimentais da CICGCH, relativas a sua assinatura, ratificação, adesão, entrada em vigor, revisão e depósito.


A ausência de ratificação pelo Brasil desta CICGCH não altera o regime jurídico gravoso consuetudinário dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra. Há sólido costume internacional de imprescritibilidade destes crimes formado a partir da edição da Resolução número Noventa e cinco, de Mil novecentos e quarenta e seis, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ), que sucintamente afirmou os "princípios do direito internacional" reconhecidos nos julgamentos realizados pelo Tribunal de Nuremberg ( *2 vide nota de rodapé ). Em Mil novecentos e quarenta e sete, a Comissão de Direito Internacional ( CDI ) da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg, para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal ( DPI ). Em Mil novecentos e cinquenta, a CDI aprovou os seguintes sdete princípios, também chamados de "princípios de Nuremberg": 


Primeiro: Todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição;

Segundo: lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante;

Terceiro: as imunidades locais são  irrelevantes;

Quarto: a obediência às ordens superiores não são eximentes;

Quinto: todos os acusados têm direito ao devido processo legal ( * 3 vide nota de rodapé );

Sexto: são crimes internacionais os julgados em Nuremberg;

Sétimo: conluio para cometer tais atos é crime ( *4 vide nota de rodapé ).


A Resolução número Noventa e cinco e o trabalho feito pela CDI foram, posteriormente, endossados pela prática dos Estados e reconhecidos em precedentes internacionais como espelhos do costume internacional. Neste sentido, a Resolução número Três mil e setenta e quatro ( Trinta e oito ) de Mil novecentos  e setenta e três da Assembleia Geral da ONU consagrou a obrigação geral de eliminação de óbices internos ao combate internacional aos crimes de jus cogens ( * 5 vide nota de rodapé ), proclamando a necessidade de cooperação dos Estados para punir os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade ( *6 vide nota de rodapé ).


Na jurisprudência internacional, o Tribunal Penal Internacional ( TPI ) (*7 vide nota de rodapé ) para a ex-Iugoslávia reconheceu o caráter costumeiro dos "princípios de Nuremberg" no no julgamento do caso Tadic ( *8 vide nota de rodapé ). A Corte Interacional de Direitos Humanos ( DH ) possui, entre outros precedentes, os julgamentos dos casos La Cantuta ( *9 vide nota de rodapé ), Almonacid Arellano. Neste último julgamento, a Corte Internacional de DH determinou que a imprescritibilidade destes crimes não foi criada pela CICGCH, mas sim foi contatada por ela ( *10 vide nota de rodapé ).


Por fim, não é incomum que o Direito Internacional estão contidas, por exemplo, em tratados e também em costume internacional. Por isto, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ( CVDT ) estabeleceu que uma regra prevista em um tratado pode se tornar obrigatória para Estados não Partes caso seja uma regra consuetudinária de Direito Internacional ( Artigo Trinta e oito ).


Por exemplo, as normas internacionais de Direito Internacional Humanitário ( *11 vide nota de rodapé ) estão contidas, por exemplo na CGPVG, sendo ainda os princípios elementares de direito humanitário de natureza costumeira, vinculando todos os Estados. Nesta linha, a CIJ determinou que os princípios de direito humanitário são princípios elementares de humanidade, pelo que todos os Estados devem cumprir estas normas fundamentais, tenham ou não ratificado todos os tratados que as estabelecem, porque constituem princípios invioláveis do Direito Internacional Consuetudinário ( *12 vide nota de rodapé ).


Por isto, o Brasil deve cumprir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra, ainda que não tenha ratificado a CICGCH.


Em Dois mil e dezesseis, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) decidiu contra a imprescritibilidade dos crimes de jus cogens, por apertada maioria ( Seis votos favoráveis contra Cinco votos contrários ), na extradição, requerida pela Argentina, de acusado de sequestrar e assassinar militares políticos de esquerda entre Mil novecentos e setenta e três e Mil novecentos e setenta e cinco, o que corresponderia, em abstrato, aos crimes previstos nos Artigos Duzentos e oitenta e oito, Parágrafo Único, ( associação criminosa armada ), Cento e quarenta e oito ( extorsão mediante sequestro e cárcere privado ) e Cento e vinte e um ( homicídio ), todos do Código Penal ( CP ). Para a maioria, os crimes analisados estavam prescritos de acordo com a lei brasileira, tendo em vista que o Brasil não subscreveu a CICGCH, impedindo que seu conteúdo vinculasse o país ( Extradição número Mil trezentos e sessenta e dois / Argentina, relator para o acórdão Ministro Teori Zavascki, julgamento finalizado em Nove de novembro de Dois mil e dezesseis. Votaram pelo indeferimento da extradição os Ministros Teori, Celso de Mello, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; vencidos aos Ministros Edson ?Fachin - relator original - , Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber ).


Para o relator ( vencido ), Ministro Fachin, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa costumeira do direito internacional integrante do regime internacional dos DH.


Conforme consta no voto do Ministro Fachin: "Como se depreende das razões apresentadas pelo Ministério Público ( MP ), a imprescritibilidade estaria fundada em norma 'costumeira cogente'. Assim, para se reconhecer a imprescritibilidade dos delitos imputados ao extraditando é preciso examinar se esta disposição normativa pode ser, por meio do direitos internacional, aplicável ao país. A resposta é afirmativa. Isto porque, de acordo com o Direito Internacional dos DH, são imprescritíveis os crimes contra a humanidade ( ... )" ( *13 vide nota de rodapé ). Este voto é um marco no reconhecimento do 

:


1) papel das normas costumeiras internacionais no ordenamento brasileiro e

2) da natureza de jus congens ( norma imperativa ) de determinadas previsões de proteção de DH.            


P.S.


Notas de rodapé:


* A Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-do-brasil-na-preven%C3%A7%C3%A3o-e-puni%C3%A7%C3%A3o-ao-genoc%C3%ADdio .


*2 A resolução número Noventa e cinco, de Mil novecentos e quarenta e seis, da Assembleia Geral da  da Organização das Nações Unidas, que sucintamente afirmou o "princípios do direito internacional" reconhecidos pelos julgamentos realizados pelo Tribunal de Nuremberg, está disponível em: < http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/95(1) > . Acesso em: Doze de agosto de Dois mil e dezoito. 


*3 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


*4 Yeardbook of the International Law Commissions, Mil novecentos e cinquenta, volume Segundo, Parágrafo Noventa e sete. Ver os sete princípios em < http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/draft_articles/7_1_1950.pdf >. Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte.


*5 jus cogens: o direito cogente; norma cuja aplicação é obrigatória, sem possibilidade de a parte a ela renunciar. Dicionário latim-português: termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis.


*6 Em especial no Parágrafo Oitavo. Disponível em < https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/NR0/281/46/IMG/NR028146.pdf?OpenElement >. Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.


*7 O Tribunal Penal Intenacional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-um-tribunal-internacional-para-julgar-atrocidades-que-chocam-a-consci%C3%AAncia-da-humanidade .


*8 Prosecutor versus Dusko Tadic, Appeals Chamber, julgamento de Dois de outubro de Mil novecentos e noventa e cinco, especialmente Parágrafos Cento e quarenta e Cento e quarenta e um.


*9 Corte Internacional de Direitos Humanos, La Cantuta versus Peru, julgamento de Vinte e nove de novembro de Dois mil e seis, em especial Parágrafo Duzentos e vinte e cinco.


*10 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Almonacid Arellano versus Chile, julgamento de Vinte e seis de setembro de Dois mil e seis, em especial Parágrafos Cento e cinco e Cento e seis.


*11 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-terminologias-utilizadas-ao-longo-da-hist%C3%B3ria-dos-dh .


*12 Corte Internacional de Justiça, Advisory Opinion on Legality of the Use by a State of Neclear Weapons, in Armed Conflict, ICJ Report Mil novecentos e noventa e seis, em especial Parágrafo Setenta e nove. Ver mais em Carvalho Ramos, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e dezenove.


*13 Consta do voto do Ministro Fachin menção à obra Curso de Direitos Humanos, de autoria de Carvalho Ramos, André de. Curso de direitos humanos  - Oitava edição. - São Paulo: Saraiva Educação, Dois mil e vinte e um. Mil cento e quarenta e quatro páginas.


Mais:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-imprescritibilidade-baseada-em-costumes .  

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