quarta-feira, 15 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito à nacionalidade na gramática dos DH

A nacionalidade ( * vide nota de rodapé ) consiste no vínculo jurídico-político entre determinada pessoa, denominada nacional, e um Estado, pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos. Há dois prismas pelos quais é possível abordar a temática da nacionalidade:


1) como elemento formador do Estado ( visão estatocêntrica );

2) como direito individual ( * 2 vide nota de rodapé ) ( visão jusfundamentalista - *3 vide nota de rodapé ), submetido à gramática dos Direitos Humanos ( DH ) .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ), com imigrantes em Florianópolis no dia Internacional da Mulher em Dois mil e vinte e dois. Foto: Mariléia Gomes ( sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de SC ( SINTESPE ) .


Do ponto de vista estatocêntrico, a nacionalidade é tema indissociável á formação do Estado. O povo consiste no conjunto de nacionais e é elemento subjetivo do Estado. Contudo, a adoção de regras constitucionais para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais ( *4 vide nota de rodapé ), que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder . Nesse contexto, era necessário determinar quem era nacional, ou seja, quem era membro do povo e, por consequência, deveria participar, direta ou indiretamente, da condução dos destinos do Estado . Assim, a França foi o primeiro Estado, no pós-revolução de Mil setecentos e oitenta e nove, a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade ( Constituição de Mil setecentos e noventa e um, Artigos Segundo ao Sexto ) . O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito 9 CF - 88 ) estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu Artigo Doze .


Do ponto de vista dos DH, o direito á nacionalidade consiste na faculdade de determinado indivíduo exigir, renunciar ou trocar a nacionalidade. Nessa linha, a nacionalidade não é mais uma matéria de soberania do Estado, mas sim tema de DH, não podendo o Estado arbitrariamente negar, privar ou ainda exigir a manutenção da nacionalidade a determinado indivíduo .


A matéria ( nacionalidade )possui normas nacionais e internacionais de regência, que são complementares e devem buscar a máxima efetividade do direito à nacionalidade de determinado indivíduo. Além das normas constitucionais de DH dispondo sobre a nacionalidade, como a Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *5 vide nota de rodapé ) ( de Mil novecentos e quarenta e oito ), que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade ( Artigo Quinze ) .


A Convenção Americana de DH ( CADH ) ( *6 vide nota de rodapé ) ( já ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro ) também dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e a ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá - la ( Artigo Vinte) .A Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( *7 vide nota de rodapé ), inclusive já emitiu parecer consultivo ( *8 vide nota de rodapé ) sobre o direito à nacionalidade ( Parecer número Quatro / Oitenta e quatro ) e também analisou o conteúdo dos deveres dos nacionais ( cotejo com o crime de traição ) no caso Castillo Petruzzi ( *9 vide nota de rodapé ) .


Essa ótica de DH sobre a nacionalidade requer diversas condutas do Estado, que não mais pode alegar que tal matéria - em nome da soberania - compõe seu domínio reservado. Entre as condutas exigidas do Estado estão: 


1) não privar arbitrariamente alguém de sua nacionalidade;

2) permitir a renúncia ou mudança da nacionalidade;

3) envidar esforços para evitar a apatridia e ainda fornecer sua própria nacionalidade para evitar que determinada pessoa continue apátrida ( *10 vide nota de rodapé ) .


P.S.:


Vide nota de rodapé:


* O direito à nacionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-direito.html .


*2 Os direitos individuais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-os-direitos.html .


*3 O jusnaturalismo, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-jusnaturalismo-como.html .


*4 A crítica ás revoluções liberais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-critica-dos.html .


*5 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também conhecida como Declaração de Paris, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-onu-declara-liberdade-e-igualdade-em-dignidade-e-direitos .


*6 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*7 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*8 Os pareceres consultivos da Corte interamericana de Direitos Humanos são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-os-pareceres.html .


*9 O caso Castillo Petruzzi, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-corte-edita-mais-de.html .


*10 O direito dos apátridas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-protege_6.html .  

Direitos Humanos: o direito dos indígenas - tópicos especiais

A matéria indígena ( * vide nota de rodapé ). também por fazer parte de uma questão de Direitos Humanos ( DH ) era de se esperar que o tema tangenciasse não somente o Direito Internacional dos DH ( DIDH ) ( *2 vide nota de rodapé ) mas também do direito constitucional ( *3 vide nota de rodapé ), do direito internacional ( *4 vide nota de rodapé ), em ângulo reto ( em cheio ); mas também em ângulo obtuso ( de raspão ) em todas as subáreas do direito como qualquer matéria envolvendo DH. Entretanto, alguns tópicos especiais de matéria indígena são convenientes fara fins de estudos complementares e contrariando, por vezes, o senso comum.


Eis algumas questões específicas da matéria indígena:

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis, em Dois mil e vinte e dois. Foto: Divulgação .


1) Direitos de personalidade. No ambiente do Estado contemporâneo, o exercício de parte importante dos direitos exige a identificação do indivíduo por meio de seu nome, assinatura, impressões digitais etc. Há dois registros possíveis para o indígena:

a) o registro civil e 

b) o registro administrativo perante a Fundação Nacional do Índio ( FUNAI ) ( Artigos Doze e Treze do Estatuto do  Índio ) .

A FUNAI é responsável pela emissão da carteira de identidade indígena, registro administrativo de nascimento  e de óbito . Obviamente, a ausência desse registro administrativo não  impede a autodeclaração do indivíduo como membro da comunidade indígena .

2) Direitos políticos ( *5 vide nota de rodapé ). A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de Dezoito anos de idade e facultativos para os analfabetos, os maiores de Setenta anos de idade e os maiores de Dezesseis anos de idade e menores de Dezoito anos de idade ( Artigo Quatorze, Parágrafo Primeiro ) . Não fez qualquer ressalva, portanto, com relação aos indígenas. O Tribunal Superior Eleitoral 9 TSE ), no Processo Administrativo número Dezoito mil trezentos e noventa e um, usando a superada classificação do Estatuto do Índio, decidiu que " são aplicáveis aos indígenas integrados, reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, nos termos da legislação especial ( Estatuto do Índio ), as exigências impostas para o alistamento eleitoral, inclusive de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa " ( TSE, Resolução número vinte mil oitocentos e seis, de Quinze de maio de Dois mil e um ) . Em Dois mil e dez, o TSE decidiu que não foi recepcionado o Artigo Quinto, Inciso Segundo, do Código eleitoral, que determina que não podem se alistar eleitores aqueles que não saibam exprimir-se na língua nacional, e, com isso, afirmou a " inexigibilidade de fluência da língua pátria para que o indígena ainda sob tutela e o brasileiro possam alistar-se eleitores " ( TSE, Resolução número Vinte e três mil duzentos e setenta e quatro, de Primeiro de junho de Dois mil e dez, julgado em Vinte de agosto de Dois mil e dez ) .


3) Serviço militar. a obrigatoriedade constitucional de prestação de serviço militar ( Artigo Cento e quarenta e três ) levou o Ministério da Defesa ( MD ) a regular administrativamente, a incorporação de jovens oriundos das comunidades indígenas, desde que 

a) voluntariamente e

b) aprovados no processo de seleção, o que implica a não admissão forçada ou obrigatória ( Portaria MD / SPEAI / DPE número Novecentos e oitenta e três / Dois mil e três e Portaria MD / EME número Vinte / Dois mil e três ) . Consequentemente, a obrigação do indígena não voluntário de apresentar o " certificado de alistamento militar " para realização de alistamento eleitoral deve ser amenizada . Contudo, o TSE ainda exige dos indígenas a obrigatoriedade de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa como requisito para o alistamento eleitoral .

4) Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI ) e condução coercitiva de indígena para servir de testemunha. Impossibilidade. " A convocação de um indígena para prestar depoimento em local diverso de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção ( *6 vide nota de rodapé ), na medida em que é vedada pela CF - 88a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo exceções nela previstas ( CF - 88, Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Quinto ) . A tutela constitucional do grupo indígena, que visa a proteger, além da posse e usufruto das terras originariamente dos indígenas, a respectiva identidade cultural ( *4 vide nota de rodapé ), se estende ao indivíduo que o compõe, quanto á remoção de suas terras, que é sempre ato de opção, de vontade própria, não podendo se apresentar como imposição, salvo hipóteses excepcionais " ( Habeas Corpus número Oitenta mil duzentos e quarenta, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em Vinte de junho de Dois mil e um, Segunda Turma, Diário da Justiça de quatorze de outubro de Dois mil e cinco ) .       


P.S.:


Notas de rodapé:


* A matéria indígena, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor introduzida em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .


*2 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .


*3 O impacto do direito dos indígenas no direito constitucional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*4 O impacto do direito dos indígenas em Declaração internacional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-declaracao-promove.html .


*5 Os direitos políticos, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*6 O direito à liberdade de locomoção, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e_12.html .  

terça-feira, 14 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito dos indígenas e seu impacto sobre o direito processual

Inicialmente, o Artigo Duzentos e trinta e dois da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( * vide nota de rodapé ) prevê a legitimatio ad causam aos indígenas, suas comunidades e organizações na defesa de direitos ou interesses coletivos indígenas ( *2 vide nota de rodapé ). Desse dispositivo ( *3 vide nota de rodapé ), há as seguintes consequências:

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ) , então secretário - Geral do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis, em Dois mil e vinte e dois . Foto: divulgação .

1) não elimina a necessidade de capacidade postulatória, por intermédio de advogado;

2) não são direitos individuais ( *4 vide nota de rodapé ) de um indígena, mas sim direitos coletivos ( *5 vide nota de rodapé );

3) pode a comunidade indígena, os indígenas e suas organizações ocuparem a condição de autor, oponente ou assistente ( " ingressar em juízo em defesa de seus direitos " na linguagem da CF  - 88 ), mas não cabe a condição de réu;

4) há a possibilidade de atuação concorrente, como substituto processual, do Ministério Público Federal ( MPF ), da Fundação Nacional do Índio ( FUNAI ) e da União Federal, uma vez que o Artigo Cento e nove, Inciso Onze, da CF - 88 estabelece que compete aos juízes federais julgar e processar a " disputa sobre direitos indígenas " . Caso não seja o autor, o MPF atuará nessas causas como custos legis ( guardião da lei ) .


Quanto à competência do juízo federal para as causas indígenas, após diversas oscilações  na jurisprudência, foi editada a Súmula número Cento e quarenta do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ), que prevê: " Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima " . a lógica adotada foi a restritiva, sendo competência da Justiça Federal criminal somente os crimes que fossem realizados em contexto de " disputa sobre  direitos indígenas " . Um crime contra um indígena ou cometido por um indígena sem relação com essa " disputa sobre direitos indígenas " seria da competência do juízo estadual .


Anteriormente no STF, a competência criminal da Justiça Federal na matéria indígena era total, englobando inclusive crimes cometidos por indígena ou contra indígena em particular, conforme precedentes dos anos Noventa do Século Vinte .Nesse sentido, decidiu o STF: " Caso em que se disputam direitos indígenas. Todos os direitos ( a começar pelo direito á vida - *6 vide nota de rodapé ) que possa ter uma comunidade indígena ou um indígena em particular estão sob a rubrica do Inciso Onze do Artigo Cento e nove da CF - 88 " ( Habeas Corpus número Setenta e um mil oitocentos e trinta e cinco - dígito verificador número Três / Mato Grosso do Sul, Relator Ministro Francisco Rezek, Diário da Justiça da União de Vinte e dois de novembro de Mi novecentos e noventa e seis ) .


Contudo, no Século Vinte e um, a jurisprudência do STF modificou  - se profundamente e adotou o entendimento restritivo do Artigo Cento e nove, Inciso onze, com votos vencidos. O leading case foi o julgamento do Recurso Extraordinário número Quatrocentos e dezenove mil quinhentos e vinte e oito, Relator para o Acórdão Ministro Cezar Peluso, julgado em três de agosto de Dois mil e seis, Plenário, Diário da Justiça de Nove de março de Dois mil e sete ) .


No tocante à competência cível, o STF mantém o mesmo raciocínio, sendo competente a Justiça Federal apenas no trato de matéria envolvendo a comunidade indígena, como, por exemplo, disputas fundiárias ou temas de direitos difusos envolvendo a cultura indígena. Casos individuais, nos quais o indígena é autor ou réu, devem ser apreciados pela Justiça Estadual .


O MPF buscou, em Dois mil e treze, reverter essa jurisprudência em caso de maus-tratos a menor indígena, mas, novamente, o STF fez valer a atual jurisprudência, confirmando a competência da Justiça Estadual ( STF, Agravo de instrumento número Setecentos e noventa e quatro mil quatrocentos e quarenta e sete - Agravo Regimental, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em Vinte e quatro de setembro de Dois mil e treze, Primeira Turma, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e um de novembro de Dois mil e treze ) .


Quanto ao tratamento processual privilegiado, o Artigo Sessenta e um do Estatuto do Índio dispõe que " são extensivos aos interesses do Patrimônio Indígena os privilégios da Fazenda Pública, quanto à impenhorabilidade de bens, rendas e serviços, ações especiais, prazos processuais, juros e custas " . Nesse sentido, decidiu o STJ a favor da Comunidade Indígena Gavião, reconhecendo o prazo em dobro para recorrer ( Agravo de Recurso Especial número Dois mil e sete ponto Dois ponto Duzentos e quarenta e nove mil e noventa, Relator Ministro Francisco Falcão, Diário da Justiça eletrônico de Dezesseis de abril de Dois mil e oito ) . Por outro lado, o Artigo Sessenta e três do mesmo Estatuto exige que nenhuma medida judicial seja concedida liminarmente em causas indígenas, sem prévia audiência da União e da Fundação Nacional do Índio 9 FUNAI ) . Também nesse sentido, o STJ decidiu pela nulidade de decisão que concedeu liminar de reintegração de posse de terras em processo de demarcação, na qual não foram ouvidos a União e a FUNAI ( Recurso Especial número Dois mil e seis ponto Zero zero ponto Oitocentos e cinquenta e dois mil oitocentos e cinquenta e quatro, Relator Ministro Castro Meira, Diário da Justiça de Vinte e três de abril de Dois mil e sete ) . 


P.S.:


Notas de rodapé:


* Os direitos dos indígenas na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*2 Anjos Filho, roberto dos. Artigos Duzentos e trinta e um e Duzentos e trinta e dois. In: Bonavides, Paulo; Miranda, Jorge; Agra, Walber de Moura ( Organizadores ) . Comentários à Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito. São Paulo: Forense, Dois mil e nove, Página Dois mil quatrocentos e vinte e seis .


*3 Os dispositivos e princípios constitucionais sobre o direito dos indígenas na Constituição Federal de mio novecentos e oitenta e oito são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_30.html .


*4 Os direitos  individuais, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-os-direitos.html .


*5 Os direitos coletivos, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-quando-os-dh-vao-alem.html .


*6 O direito á vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .  

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Direitos Humanos: s direitos dos indígenas e a repercussão no direito penal

Em nome da igualdade ( *2 vide nota de rodapé ), o direito penal brasileiro aplica - se a todos, inclusive às comunidades indígenas ( * vide nota de rodapé ) . Contudo, na linha da igualdade material, do trato diferenciado aos desiguais, o Artigo Dez da Convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ) exige que os Estados levem em consideração as " características econômicas, sociais e culturais " dos indígenas, antes da aplicação das normas penais . Nessa linha, no caso de crime praticado por indígena, o Estatuto do Índio prevê que a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o juiz atenderá também ao seu grau de instrução. Como esse conceito ( " integração " ) encontra - se superado, cabe ao juiz atenuar a pena na sua aplicação de acordo com o " grau de conhecimento " ou de outros elementos de convicção bastariam ao juiz criminal ( por exemplo, dados objetivos como carteira de motorista, título de eleitor etc. ) para sua decisão sobre a imputabilidade. importante mencionar que, no âmbito do Ministério Público Federal ( MPF ) a Sexta Câmara de Coordenação e Revisão ( CCR ) ( seu órgão especializado na matéria indígena ) defende a obrigatoriedade do laudo antropológico para fins criminais ou para imposição de medida socioeducativa .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois. Foto: Divulgação.


Porém, em maior ou  menor grau, a atenuante é sempre obrigatória, pela condição indígena, tal qual ocorre com os demais tratamentos diferenciados da lei penal brasileira em face, por exemplo, da redução do prazo prescricional para as pessoas acima de Setenta anos de idade ou com menos de Vinte e um anos de idade ( Artigo Cento e quinze do Código Penal - CP ) .


De acordo com o Estatuto do Índio, as penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos indígenas mais próximos da habitação do condenado ( Artigo Cinquenta e seis, Parágrafo Único ) . Assim, o regime  de cumprimento de pena comum ( regime fechado, semiaberto, aberto ) é adaptado às condições indígenas. Pela dicção legal, contudo, o regime de semiliberdade no local de funcionamento da Fundação Nacional do Índio ( FUNAI ) seria afastado caso isso não fosse possível. Contudo, como bem observa Vitorelli, caso não exista local adequado de cumprimento de pena na FUNAI( inexistência corriqueira, diga - se, dada a situação da FUNAI na atualidade ), deveria o indígena cumprir a pena na sua própria comunidade, fazendo - se  um parelelismo entre a inexistência de vaga no regime semiaberto e a possibilidade de cumprimento de pena no regime aberto ou mesmo prisão domiciliar. Contudo, a jurisprudência dominante inclina - se pela manutenção da expressão " se possível " do Artigo Cinquenta e seis, Parágrafo Único do Estatuto do Índio, bem como pelo afastamento do regime de semiliberdade caso o indígena seja considerado " integrado " ( entre outros Superior Tribunal de Justiça - STJ - , Recurso em Habeas Corpus número onze mil oitocentos e sessenta e dois / estado do Pará, Relator  Ministro José Arnaldo da Fonseca, Diário da Justiça de nove de outubro de Dois mil ( *3 vide nota de rodapé ) .


No tocante ao pluralismo jurídico, o próprio Estatuto do Índio prevê a p0ossibilidade de aplicação, pelas comunidades indígenas, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte. O Artigo Nono da Convenção número Cento e sessenta e nove da OIT exige que os Estados respeitem a repressão dos delitos pelos métodos dos povos indígenas, desde que compatíveis com os Direitos Humanos ( DH ) previstos nas normas internacionais ( *4 vide nota de rodapé ) .


Por outro lado, é possível também - em face das diferenças culturais - verificar a ocorrência  de erro de proibição por parte do indígena acusado de crime, referente à consciência de ilicitude do fato ( o que exigiria, novamente, o laudo antropológico ) .


Além da tipificação ordinária do CP e das leis penais extravagantes, há os seguintes crimes específicos contra os indígenas e a cultura indígena no Estatuto do Índio:


1) escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá - los ou perturbar, de qualquer modo a sua prática ( detenção de Um a Três meses );

2) utilizar o indígena ou comunidade indígena como objeto de propaganda ou de exibição para fins lucrativos ( detenção de Dois a Seis meses );

3) propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre os indígenas não integrados ( detenção de Seis meses a Dois anos ) .


As penas são agravadas de Um terço, quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao indígena. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja indígena não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de Um terço .


Finalmente, destaca - se a proteção do indígena em Dois pontos:


1) a punição penal do crime de discriminação ou preconceito por etnia, prevista na Lei número Sete mil setecentos e dezesseis, de Cinco de janeiro de Mil novecentos e oitenta e nove, também conhecida como " Lei Caó ", que define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições, tendo revogado leis anteriores ( vide Artigo sobre racismo - *5 vide nota de rodapé );

2) a criminalização da conduta de " praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de etnia ", que foi incluído pela Lei número oito mil e oitenta e um / Mil novecentos e noventa ( *6 vide artigo sobre liberdade de expressão ) .   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito dos indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .


*2 O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html .


*3 Obra indispensável para o estudo do Estatuto do Índio. Ver Vitorelli, Edilson. Estatuto do Índio. Segunda edição. salvador: Jus Podivm, Dois mil e treze, em especial Página Trezentos e vinte e cinco .


*4 Os tratados internacionais de Direitos Humanos são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-tratados.html .


*5 A vedação ao crime de racismo, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-racismo-e-formas.html .


*6 A liberdade de expressão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_30.html .  

Direitos Humanos: o direito dos indígenas à demarcação de suas terras - o caso Raposa Serra do Sol

O caso " Raposa Serra do Sol " consistiu, originalmente, em ação popular proposta por Senador da República, impugnando o modelo de demarcação ( * vide nota de rodapé ) contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima ( RO ) . Sustentou - se a existência de vícios no processo administrativo de demarcação, além do fato de que a demarcação contínua traria consequências desastrosas para o Estado de RO e comprometimento da segurança e soberania nacionais . No mérito, pediu - se a declaração de nulidade da Portaria número Quinhentos e trinta e quatro / Dois mil e cinco do Ministério da Justiça ( MJ ) e do Decreto de homologação da demarcação . A ação foi adjudicada ao Supremo Tribunal Federal ( STF ) , por ter se vislumbrado " conflito federativo " entre a União e o Estado de RO ( Artigo Cento e dois, Inciso Primeiro da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( *2 vide nota de rodapé ) ( *3 vide nota de rodapé ) .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ), com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois. Foto: Divulgação . 


No Supremo Tribunal Federal ( STF ), o Ministro Menezes Direito, ao proferir o seu voto-vista, foi favorável á demarcação contínua das terras da região, mas apresentou condições a serem obedecidas. O STF julgou a ação parcialmente procedente, nos nos termos do voto do Relator ( exemplo de sentença manipulativa de efeito aditivo ), declarando constitucional a demarcação contínua da terra Indígena Raposa Serra do Sol .


Inicialmente, o STF consagrou o termo constitucionalismo fraternal ou solidário para traduziu o esforço da CF - 88 para efetivar a igualdade material das minorias, assegurando, no caso dos indígenas para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural ( *4 vide nota de rodapé ), concretizando o valor constitucional da inclusão comunitária pela via da identidade étnica. Nesse sentido, o STF julgou ser falso o antagonismo entre a matéria indígena e o desenvolvimento, pois o desenvolvimento que se fizer sem ou contra os indígenas viola o objetivo fundamental do Inciso Segundo do Artigo terceiro da CF - 88, que se assegura o desenvolvimento ecologicamente equilibrado ( *5 vide nota de rodapé ), humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena. A preservação do meio ambiente não pode ser prejudicada, na visão do STF, pelo reconhecimento das terras indígenas .


Por sua vez, para o STF, a CF - 88 não utilizou o termo " território indígena " de modo, proposital, tendo preferido " terras indígenas ", para traduzir a dimensão um conceito sociocultural desprovido de ambição de soberania . Assim, o STF entendeu que nenhuma terra indígena  se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federativa . Como as terras indígenas são bens da União, o modelo de ocupação previsto pela CF - 88 exige a liderança constitucional da União . Por isso, a atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas com indígenas deve ser em linha com a atuação da União, que tem papel de centralidade institucional coadjuvado pelos próprios indígenas, suas comunidades e organizações, além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público Federal ( MPF ) .


Nesse sentido, o STF decidiu que somente á União, por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá - lo materialmente, nada impedindo que o Presidente da República ( PR ) venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional ( CDN ) ( Inciso terceiro do Parágrafo Primeiro do Artigo Noventa e um da CF - 88 ), especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira .


Para o STF, os direitos dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente reconhecidos, e não simplesmente outorgados, tendo a demarcação natureza de ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Por isso são considerados direitos originários, ou seja, direito mais antigo do que qualquer outro, " de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não indígenas " . Os títulos privados sobre terras indígenas foram considerados nulos e extintos pela CF - 88 ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto ) . Quanto à demarcação, o STF entendeu que o marco temporal de ocupação foi a data da promulgação da CF - 88 ( Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito ) para o reconhecimento, aos indígenas, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam . Porém, o STF reconheceu que a tradicionalidade da posse nativa ficaria mantida mesmo ausente a posse em Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito em casos em que a reocupação não tenha ocorrido por efeito de renitente esbulho ( *6 vide nota de rodapé ) por parte de não indígenas .


O modelo aceito de demarcação das terras indígenas foi o da continuidade sendo impossível, para a manutenção da cultura indígena, a demarcação em " bolsões " ou " ilhas " . Contudo, para o STF, a exclusividade de usufruto das riqueza do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não indígenas, bem assim com


1) instalação de equipamentos públicos,

2) a abertura de estradas e outras vias de comunicação,

3) a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, sob a liderança institucional da União, fiscalização do MP e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas . O STF foi expresso na proibição de as comunidades indígenas interditarem ou bloquearem estradas, cobrarem pedágio pelo uso delas e inibirem o  regular funcionamento das repartições públicas . Também o STF reconheceu a compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira, podendo ser criados postos de vigilância sem autorização das comunidades .


Quanto ás salvaguardas ( ou condicionantes ), o STF reconheceu as seguintes:


1) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras  indígenas ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Segundo, da CF - 88 ) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto, da CF - 88, relevante interesse público da União, na forma de Lei Complementar ( LC );

2) o usufruto dos indígenas não abrange o aproveitamento  de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autoridade do Congresso Nacional ( CN ) ;

3) o usufruto dos indígenas não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do CN, assegurando aos indígenas a participação nos resultados da lavra na forma da lei;

4) o usufruto dos indígenas não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira;

5) o usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das  riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes ( Ministério da Defesa - MD - e CDN, serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à  Fundação Nacional do Índio ( FUNAI  ) - o que contraria a Convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT );

6) a atuação da Forças Armadas e do Departamento da Polícia Federal ( DPF ) na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta ás comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;

7) o usufruto dos indígenas não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde ( *7 vide nota de rodapé ) e educação ( *8 vide nota de rodapé );

8) o usufruto dos indígenas na área afetada por unidades de conservação ambiental fica sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ( ICMBio );

9) o ICMBio responderá pela administração da érea da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando - se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI;

10) o trânsito de visitantes e pesquisadores não indígenas deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo ICMBio;

11) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito  e a permanência de não indígenas no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;

12) o ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13) a cobranças de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;

14) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto da posse direta pela comunidade indígena ou pelos indígenas( Artigo Duzentos e trinta e um, parágrafo Segundo, da CF - 88, combinado com Artigo Dezoito, Caput, da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ) ;

15) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de  atividades agropecuária ou extrativa ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Segundo, da CF - 88, bem como a renda indígena ( Artigo Quarenta e três da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três );

16) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos Artigos Quarenta e nove, Inciso Dezesseis, e Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Terceiro, da CF - 88, bem como a renda indígena ( Artigo Quarenta e três da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições, sobre uns ou outros;

17) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18) os direitos dos indígenas relacionados às suas terras são imprescritíveis, e estas são inalienáveis e indisponíveis ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Quarto, da CF - 88 ); e

19) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas  em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.


Houve embargos de declaração ao Acórdão, destacando - se os embargos propostos pela Procuradoria Geral da República ( PGR ), que defendeu a prevalência dos direitos dos indígenas em detrimento de uma excessiva primazia dos interesses da União e tutela do meio ambiente . Para o STF, no Caso Raposa Serra do Sol foi feita uma ponderação diante do choque de direitos ( *9 vide nota de rodapé ) constitucionais e fins públicos relevantes, levando a compreensões e preferências .


Nem toda utilização de terras indígenas pela União ( para fins econômicos ou militares, ou para a prestação de serviços públicos ) depende da prévia edição da LC prevista no Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto da CF - 88 . A LC referida no Parágrafo Sexto do Artigo Duzentos e trinta eum da CF - 88, por sua vez, é requisito para a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas . Não precisam de LC:


1) o patrulhamento de fronteiras;

2) a defesa nacional;

3) a conservação ambiental nas áreas;

4) a exploração de recursos hídricos ( Caso Belo Monte );

5) o uso do potencial energético ou

6) a pesquisa e lavra dos recursos naturais, presente o interesse público da União. A pesquisa e lavrade riquezas minerais pelos indígenas exige - tal qual como ocorre com os integrantes da sociedade envolvente indígenas - a adequada permissão, uma vez que os indígenas possuem apenas o usufruto do solo ( Leis número 
Sete mil oitocentos e cinco / Mil novecentos e oitenta e nove e Lei número Onze mil seiscentos e oitenta e cinco / Dois mil e dezoito ) .


Quanto a direito de prévia consulta, o STF considerou que esse não é absoluto, devendo ceder diante de questões estratégicas relacionadas à defesa nacional. Por sua vez, o direito á consulta não implica poder de veto, pois, para o STF, " nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a CF - 88 atribuiu aos indígenas " ( Petição número três mil trezentos e oitenta e oito - Embargo de Declaração, Relator Ministro roberto Barroso, julgada em Vinte e três de outubro de Dois mil e treze, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e quatorze ) .


Finalmente, quanto á validade erga omnes dessas condicionantes para as demais causas de conflito sobre terras indígenas, o STF reconheceu que tais condições foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação das terras indígenas na localidade. Foram impostas por:


1) decorrerem da CF - 88 e

2) ainda pela necessidade de explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena, de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região.


Consequentemente, para as outras causas envolvendo matéria indígena, essas condicionantes não possuem força vinculante, mas os fundamentos adotados pelo STF ostentam força moral e persuasiva por serem fruto de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorrem um " elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões " ( grifo que não consta no voto do Relator, Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito - Embargo de Declaração, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em Vinte e três de outubro de Dois mil e treze, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e quatorze ) .     


P.S.:


Notas de rodapé:


* A demarcação de terras indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos_10.html .


* O direito dos indígenas de acordo com a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*3 " Artigo Cento e dois. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da CF  - 88, cabendo - lhe: I - processar e julgar, originariamente: ( ... ) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal ( DF ), ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta. " .


*4 O modo de identificação étnica dos indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .


*5 O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-meio-ambiente-e-acao.html


*6 O direito dos indígenas ao retorno às terras esbulhadas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos_6.html .


*7 O direito à saúde, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-saude.html .


*8 O direito à educação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-educacao.html .


*9 O conflito de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito dos indígenas e a demarcação das suas terras

O núcleo duro do direito dos povos indígenas ( * vide nota de rodapé ) consagrado na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( *2 vide nota de rodapé ) e na convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ), é sua relação especial com suas terras. A CF - 88reconheceu as comunidades indígenas como senhores primários e naturais da terra, sendo seu direito anterior a qualquer outro. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais ( *3 vide nota de rodapé ) necessários a seu bem-estar ( *4 vide nota de rodapé ) e as necessárias à sua reprodução física ( *5 vide nota de rodapé ) e cultural ( *6 vide nota de rodapé ), segundo seus usos, costumes e tradições ( CF - 88, Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Primeiro ) . Convém observar que as terras indígenas são bens da União, reconhecendo  -se aos indígenas a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, das rios e dos lagos nelas existentes . Por força da CF - 88, a despeito do caráter originário do direito sobre as terras, o Poder Público está obrigado a realizar a demarcação das terras indígenas - o Artigo Duzentos e trinta e um atribui á União a competência para fazê - lo. os direitos dos indígenas não decorrem da demarcação, ou seja, na inexistência da demarcação, continuam os indígenas a ter direitos sobre essas terras .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ), então Secretário - Geral do Conselho estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois .


O Artigo Sessenta e sete do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ( ADCT ), com o objetivo de fixar um prazo para as demarcações não iniciadas ou ainda pendentes à época da promulgação da CF - 88. O fato de isso não ter ainda ocorrido mostra a dificuldade na proteção dos direitos indígenas nos dias de hoje. o Ministro Carlos Britto, no julgamento da Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, assim resumiu as cinco fases da demarcação:


1) identificação e delimitação antropológica da área;

2) declaração da posse permanente, por meio de Portarias do Ministro de Estado da Justiça;

3) demarcação propriamente dita: assentamento físico: assentamento físico dos limites, com a utilização dos pertinentes marcos geodésicos e placas sinalizadoras;

4) homologação mediante Decreto do Presidente da República;

5) registro, a ser realizado no Cartório de Imóveis na comarca de situação das terras indígenas e na Secretaria do Patrimônio da União ( SPU ) ( Petição três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Carlos Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez ) .


Quanto à competência para o procedimento, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) decidiu que " somente à União compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá - los materialmente. Mas instaurar, sequenciar, concluir e efetivar esse processo por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo Federal ( PEF ), pois as competências deferidas ao Congresso Nacional ( CN ), com efeito concreto ou sem densidade normativa, se esgotam nos seguintes afazeres:


1) autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais ( Inciso Dezesseis do Artigo Quarenta e nove );

2) pronunciar - se decisoriamente, sobre o ato de " remoção de grupos indígenas de suas terras " ( Parágrafo Quinto do Artigo Duzentos e trinta e um ) . Com o que se mostra plenamente válido o precitado Artigo Dezenove da Lei Federal número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ( Estatuto do Índio ), também validamente regulamentado pelo Decreto de número Mil setecentos e setenta e cinco ( ... ) " ( Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez ) .   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito dos povos indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .


*2 O direito dos indígenas na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*3 O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-meio-ambiente-e-acao.html .


*4 A função social da terra, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/09/direitos-humanos-funcao-social-da.html .


*5 Os direitos sexuais e reprodutivos, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-os-valores-essenciais.html .


*6 O direito á cultura, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-dos-povos_23.html .   

Direitos Humanos: o direito indígena - autonomia versus tutela

O regime tutelar foi estabelecido pelo Estatuto do Índio ( Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ), que dividiu os indígenas em superadas categorias conforme o grau de incorporação à " comunhão nacional ". Assim, os integrados foram considerados capazes para o exercício de seus direitos e os não integrados ( denominados " isolados " ou " em vias de integração " ) deveriam ser tutelados pela União, através do órgão de assistência ( Fundação Nacional do Índio - FUNAI ) . O Código Civil ( CC ) de Dois mil e dois não repetiu o anterior, não situando o indígena como relativamente incapaz, mas sim previu que a capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial ( Artigo Quarto, Parágrafo Único ) .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ) então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois .


O Estatuto do Índio, em seu Artigo Sétimo, estabeleceu uma tutela individual e coletiva, abrangendo os indígenas não integrados - na terminologia ultrapassada - e suas comunidades . Esse regime especial tutelar civil individual e coletivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( * vide nota de rodapé ) e colide, ainda com a Convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ) ( de natureza supralegal ).


De início, convém observar que a CF  - 88 determinou que os indígenas, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, devendo o Ministério Público ( MP ) intervir em todos os atos do processo ( Artigos Duzentos e trinta e dois e Cento e vinte e nove, Inciso Quinto ) . Conjugando esse dispositivo ( *2 vide nota de rodapé ) com a igualdade de direitos ( *3 vide nota de rodapé ) prevista no Artigo Quinto, Caput, fica descartada a diminuição da capacidade civil do indígena, consagrando - se, pelo contrário, no pleno exercício dos direitos civis ( *4 vide nota de rodapé ) . Já o Artigo Oito ponto Três da Convenção número Cento e sessenta e nove da OIT é claro ao dispor que não deve impedir o exercício pelos indígenas de todos os direitos os direitos reconhecidos para os membros da comunidade envolvente.


Com isso, a prática dos atos da vida civil pelo indígena independe da manifestação da FUNAI, podendo exercer direitos e contrair obrigações . Nesse sentido, o Projeto de Lei ( PL ) número Dois mil e cinquenta e sete / Mil novecentos e novena e um ( Estatuto dos Povos Indígenas ), ainda em trâmite no Congresso Nacional ( CN ) ( *5 vide nota de rodapé ), trata o indígena como indivíduo com plena capacidade civil, devendo, quando aprovado, ser a " legislação especial " da qual se refere o CC em seu Artigo Quarto, Parágrafo Único .


Não cabe confundir, ainda, a tutela civil ( não recepcionada ) do indígena com a intervenção de natureza de direito público da FUNAI, que visa a proteger as comunidades indígenas, sob o manto do princípio da proteção e respeito à diversidade cultural, independentemente de como elas interagem com a sociedade envolvente ( *6 vide nota de rodapé ) .


Há ainda, contudo, diversos precedentes judiciais que sustentam ter sido recepcionada a tutela civil, como, por exemplo: " Não se pode tratar os silvícolas como absolutamente capazes e e exigir o discernimento próprio de um indivíduo civilizado, inclusive o CC de Dois mil e dois estabelece no Parágrafo Único do Artigo Quarto que a legislação especial regulará acerca da capacidade dos indígenas " ( Tribunal Regional Federal da Terceira Região - TRF3, Apelação Cível Dois mil ponto Sessenta mil ponto Vinte e cinco mil trezentos e vinte e nove, Relator Desembargador Federal André Nabarrete, julgada em Oito de julho de Dois mil e oito ) .


Há também, por outro lado, o entendimento na jurisprudência de que não foi recepcionado o regime tutelar do Estatuto do Índio, uma vez que, após a CF - 88 e a Convenção número Cento e sessenta e nove da OIT, o regime de tutela dos povos indígenas transformou - se em um regime de inclusão e promoção de Direitos Humanos ( DH ), com respeito à autonomia e ao autogoverno. Nesse sentido: " Não mais compete ao Estado, através da FUNAI, responder pelos atos das populações autóctones e administrar - lhe os bens, tal como ocorria enquanto vigente o regime tutelar previsto no CC de Mil novecentos e dezesseis e no Estatuto do Índio ( Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ) . A partir do reconhecimento da capacidade civil e postulatória dos silvícolas, em Mil novecentos e oitenta e oito, remanesce ao Estado o dever de proteção das comunidades indígenas  e de seus bens ( à semelhança do que ocorre com os idosos  que, a despeito de serem dotados de capacidade civil, gozam de proteção especial do Poder Público ) " ( Apelação Cível Número Duzentos trilhões Cento e setenta e dois bilhões Dez milhões quarenta e três mil e oitenta, Relator Desembargador Edgard Antônio Lippmann Júnior, TRF4, Diário da Justiça de Vinte e quatro de novembro de Dois mil e oito ) .


Finalmente, a tutela pode gerar responsabilização da FUNAI por atos ilícitos praticados pelos indígenas . Há precedentes nos dois sentidos, tanto para isentar a FUNAI quanto para determinar sua responsabilidade . No sentido de responsabilizar a FUNAI, cite - se: " A FUNAI é responsável, na qualidade de tutora, pelos danos materiais e morais praticados a terceiros por silvícolas não integrados à comunhão nacional . Caso em que componentes de comunidade silvícola agrediram ( lesionando gravemente ) motorista que atropelou criança indígena em rodovia que atravessa aldeamento " ( Apelação Cível número Mil novecentos e noventa e oito ponto Quatro ponto Cento e dois ponto Sessenta e dois mil trezentos e trinta, Relator Brum Vaz, TRF4, Diário da Justiça de Dezessete de janeiro de Dois mil e um ) . 


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito dos indígenas na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*2 Os princípios e dispositivos constitucionais de matéria indígena, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_30.html .


*3 O princípio da igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html .


*4 Os direitos civis, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*5 Ainda em trâmite após décadas de sua apresentação. Dados disponíveis em < www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=17869 > . Acesso em quinze de setembro de Dois mil e vinte .


*6 Anjos Filho, Rogério Nunes dos. A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, o Ministério Público Federal e os direitos dos povos indígenas no Brasil . In: Ministério das Relações Exteriores ( Organizador ) . Textos do Brasil: culturas indígenas. Brasília: MRE - Ministério das Relações Exteriores, Dois mil e doze, Volume Dezenove, Páginas Cento e quarenta e dois a Cento e quarenta e nove .     

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito dos indígenas no Direito Internacional

O Direito Internacional dos Direitos Humanos ( DIDH ) ( * vide nota de rodapé ) conta com uma impressionante abrangência e diversidade: além dos tratados ( *2 vide nota de rodapé ) ditos " gerais " (  por abrangerem uma pluralidade de direitos ), há ainda os " tratados " temáticos, que focam em um tema específico ( por exemplo, integridade física ( *3 vide nota de rodapé ) ou um grupo vulnerável ( *4 vide nota de rodapé ) .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Dois mil e dois em Florianópolis .


Contudo, na matéria indígena, há uma grave lacuna no que tange a tratados com a exceção da Convenção da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ) número Cento e sessenta e nove, não há ( ainda ) um  grande tratado regional ou global sobre os direitos dos povos indígenas. Claro que há tratados que podem ser invocados pelos povos indígenas em especial


1) o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *5 vide nota de rodapé ) ( Artigo Vinte e sete dispõe sobre os direitos das minorias étnicas );

2) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ( PIDESC ) ( *6 vide nota de rodapé );

3) a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial ( CIETFDR ) ( *7 vide nota de rodapé );

4) a Convenção da Organização das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação Racial ( CONUEDR ) ( *8 vide nota de rodapé );

5) a Convenção Americana de Direitos Humanos ( CADH ) ( *9 vide nota de rodapé ), entre outros.


Obviamente, esses tratados possuem dispositivos aplicáveis a todos os seres humanos, sendo importantes para a promoção de direitos  dos grupos em situação de vulnerabilidade ( *10 vide nota de rodapé ) . Entretanto, não eliminam a necessidade de tratados específicos, que possam impulsionar a defesa dos povos indígenas na atualidade .


A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ( UNESCO - sigla em inglês ) calcula que existam Cinco mil povos indígenas com mais de trezentos e setenta milhões de membros no mundo. Esse imenso contingente de pessoas enfrenta diversos desafios para sua sobrevivência, entre eles, a disputa por terras, dificuldades para a preservação da cultura e desejos integracionistas da sociedade envolvente majoritária ( *11 vide nota de rodapé ) .


Por isso, a luta pela afirmação internacional dos direitos dos povos indígenas é indispensável para que os Estados sejam obrigados a promover e proteger esses grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade mesmo em regimes democráticos, pois são, em geral, numericamente minoritários na população nacional e têm contra si articulações de interesses econômicos  da sociedade capitalista ( agronegócio etc. ) .


Na ONU, o marco inicial dos esforços de regulação internacional dos direitos dos povos indígenas foi a designação em Mil novecentos e setenta e um, de José Martínez Cobo ( Equador ) como Relator Especial sobre a situação dos Direitos Humanos ( DH ) e liberdades fundamentais dos povos indígenas da antiga Comissão de DH ( extinta, hoje substituída pelo Conselho de DH ) .


Na atualidade, os direitos dos povos indígenas são debatidos em tr~es foros especializados da ONU, a saber:


1) Fórum Permanente da Organização das Nações Unidas sobre Questões Indígenas ( FPONUQI ) ( United Nations Permanent Forum on Indigienous Issues - UNPFII - sigla em inglês ), que consiste em um órgão colegiado e consultivo do Conselho Econômico e Social ( CES ), composto por Dezesseis especialistas independentes ( mandato de três anos, uma recondução ), sendo que Oito indicados pelos Estados e oito por organizações indígenas ( geograficamente representativas ), tendo tido sua primeira reunião em Dois mil e dois. além de disseminar informações sobre os povos indígenas, o FPONUQI serve para aconselhar e recomendar ações e programas para a ONU no trato das questões indígenas .

2) Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ( MEDPI ). Esse mecanismo foi criado em Dois mil e sete pelo Conselho de DH para fornecer assessoria temática para o próprio Conselho de DH. Seu primeiro Estudo foi sobre o direito dos povos indígenas à educação, em Dois mil e nove .

3) Relatoria Especial sobre os Direitos Humanos dos Povos Indígenas ( REDHPI ). Essa relatoria temática do Conselho de DH foi criada em Dois mil e um, ainda sob a égide da antiga Comissão de DH, sendo seu mandato renovado desde então. Já fez diversos relatórios sobre a situação dos povos indígenas em diversos países, inclusive tendo visitado o Brasil em Dois mil e nove. Na época, o Relator era James Anaya, que detectou falta de participação adequada das comunidades nas decisões que impactam suas vidas e terras, em especial no que tange à exploração dos recursos hídricos para a construção de grandes projetos de usinas hidrelétricas ( vide o caso Belo Monte descrito pelo Relator ( *12 vide nota de rodapé ) .


Cabe anotar a existência da Convenção de Madrid sobre o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe ( CMDPIALC ), de Mil novecentos e noventa e dois, e que visa a canalizar recursos financeiros e técnicos para os projetos e os programas prioritários coordenados com os Povos Indígenas .


A Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( *13 vide nota de rodapé ), por sua vez, possui importante jurisprudência referente aos direitos indígenas, utilizando em alguns casos a Convenção número Cento e sessenta e nove da OIT para especificar, a favor das comunidades indígenas, os direitos previstos na CADH ( *14 vide nota de rodapé )  


P.S.:


Notas de rodapé:


* A diversidade terminológica referente aos direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .


*2 Os tratados internacionais de Direitos Humanos são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-tratados.html .


*3 O tratado da Organização das Nações Unidas contra a tortura, que protege a integridade física, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-o-combate-tortura-e.html .


*4 O tratado da Organização das Nações Unidas que protege um grupo vulnerável, como por exemplo as crianças, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-da-crianca.html .


*5 o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*6 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .


*7 A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-peritos-visam-eliminar.html .


*8 A Convenção da Organização das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação Racial é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-eliminacao-da.html .


*9 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*10 O direito dos indígenas vulneráveis, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos.html .


*11 Dados disponíveis em: < http://www.unesco.org/new/en/indigenous-peoples/ > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .


*12 O relatório da visita ao Brasil encontra - se disponível em: < http://www2.obchr.org/english/dodies/hrcouncil/docs/12session/A.HRC.12.34.Add.2.pdf > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .


*13 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*14 Conferir em Pegorari, Bruno. " O choque de jurisdições e o diálogo das togas: uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte IDH em matéria de direito à propriedade coletiva para os povos indígenas " . In: Menezes, Wagner ( Organizador ). Direito Internacional em expansão. Belo Horizonte: Arraes, Dois mil e dezesseis, Volume sexto, Páginas Quatrocentos e oitenta a Quinhentos .  

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Direitos humanos: o direito dos indígenas e o pluralismo jurídico

As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam - se a sua posse permanente, cabendo - lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( * vide nota de rodapé ) exige que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas, só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional ( CN ) por Lei Complementar ( LC ), ouvidas as comunidades afetadas, ficando - lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. Contudo, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) reconheceu, em nomes dos demais interesses constitucionais, que não precisam  de LC:

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ) , então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois .


1) o patrulhamento de fronteiras;

2) a defesa nacional;

3) a conservação ambiental nas áreas;

4) a exploração de recursos hídricos;

5) o uso do potencial energético ou

6) pesquisa e lavra dos recursos minerais, presente o interesse público da União ( STF, Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, relator Ministro Ayres Britto, julgado em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez ) .


Combinando esse dispositivo com a interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos ( Corte IDH ) ( *2 vide nota de rodapé ), ratificada e incorporada internamente no Brasil, há o dever de consulta prévia em boa-fé ( Caso Sarayaku versus Equador - com parecer contrário do STF no caso Raposa Serra do Sol .


As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do CN, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, o uno interesse da soberania do país, após deliberação do CN, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco .


Em tema importante nos conflitos sobre terras no Brasil, a CF - 88 eliminou qualquer pretensão particular sobre terras indígenas, considerando nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto


1) a ocupação,

2) o domínio e

3) a posse das terras indígenas ou a

4) exploração das riquezas naturais do solo,

5) dos rios e

6) dos lagos existentes .


Não há direito a indenização, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé .


Quanto à aplicação do ordenamento brasileiro aos indígenas, o Parágrafo Único do Artigo Primeiro do Estatuto do Índio prevê que as  lei brasileiras se estendem  aos indígenas e ás comunidades indígenas, tal qual como a todos os brasileiros, " resguardados os usos, costumes e tradições indígenas " . No mesmo sentido, o Artigo Sexto estipula o respeito aos usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos,


1) nas  relações de família,

2) na ordem de sucessão,

3) no regime de propriedade e

4) nos atos ou negócios realizados entre indígenas, salvo se optarem pela aplicação do direito comum .


A Convenção número Cento e sessenta e nove da organização Internacional do Trabalho ( OIT ) consagra o princípio do pluralismo jurídico e respeito aos costumes indígenas, em seu Artigo oitavo, que prevê que, ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, devem ser elevados em consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário, respeitando - se os Direitos Humanos ( DH ) nacional e internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio .


Nesse sentido, Gomes da Silva, acertadamente, sustenta que há uma interdependência dos direitos tradicional ( indígena ) e oficial, que impede uma solução rígida sobre preferência de um ou de outro, exigindo - se uma análise caso a caso ( *3 vide nota de rodapé )


P.S.:


* Os direitos dos indígenas na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*3 Silva, Paulo Thadeu Gomes da. Direito indígena, direito coletivo e multiculturalismo. In: Sarmento, Daniel; Ikawa, Daniela; Piovesan, Flávia ( Coordenadores ). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, Dois mil e oito, Páginas Quinhentos e cinquenta e nove a Quinhentos e noventa e oito, em especial a Página Quinhentos e noventa e um .    

terça-feira, 7 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito dos indígenas e o diálogo entre as Cortes

A Corte Interamericana de Direitos Humanos ( Corte IDH ) ( * vide nota de rodapé ) construiu ampla jurisprudência na temática do direito indígena, fixando parâmetros interpretativos para a proteção dos direitos indígenas na região. Dentre esses casos internacionais, seis tratam diretamente do denominado  " direito à propriedade coletiva, comunal ou ancestral dos povos indígenas " ( *2 vide nota de rodapé ) . A Começar pelo instituto jurídico escolhido, a Corte IDH opta pela propriedade coletiva, diferentemente da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( *3 vide nota de rodapé ), que se utiliza da posse e do usufruto exclusivo como instrumentos de garantia do direito á terra das populações indígenas . Essa opção decorre da interpretação do Artigo Vinte e um da Convenção Americana de Direitos Humanos ( CADH ) ( *4 vide nota de rodapé ) ( propriedade privada ), em especial em face da Convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ) .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ) ( de chapéu ),  então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois .


Nesse sentido, a Corte IDH decidiu, no caso Moivana versus Suriname, que, na hipótese da posse da terra ter sido perdida por motivos alheios à vontade  dos indígenas, esses continuam os proprietários, salvo se, mesmo sem posse, acabaram vendendo - as a terceiros de boa-fé ( Corte IDH, Comunidade Moivana versus Suriname, sentença de Quinze de junho de Dois mil e cinco ) . Essa hipótese da venda é descartada pela CF - 88 ( são propriedade da União ), mas constitui um parâmetro valioso nos casos em que o ordenamento nacional permite tal alienação .


A Corte IDH também analisou a situação da perda da posse pelos indígenas involuntariamente com o agravante de, após, suas, terras tenham sido vendidas a terceiros de boa-fé . Nesse caso, os  indígenas possuem o  direito de recuperá - las ou de obter terras de igual extensão e qualidade ( Corte IDH ),  Comunidade Indígena Yakye Axa versus Paraguai, sentença de Dezessete de junho de Dois mil e cinco ) . Essa situação é similar aos fatos do caso Guyráoka, no qual o não indígena possuía o título de propriedade da terra que havia adquirido presumidamente de boa-fé .


No que tange ao limite temporal à recuperação das  terras tradicionais, a Corte IDH decidiu que, enquanto o vínculo espiritual e material da identidade dos povos indígenas continuar existente em relação às suas  terras tradicionais, é cabível a  reivindicação; caso contrário, não há mais o direito de recuperação de tais terras . a determinação do " vínculo entre a comunidade indígena e a terra " só pode ser aferido no caso concreto, devendo incluir a análise do seu uso ou presença tradicional, seja através de laços espirituais ou cerimoniais; assentamentos ou cultivos esporádicos; caça, pesca, coleta ( permanente ou nômade ); uso dos recursos naturais ligados a seus costumes ou qualquer outro elemento característico de sua cultura ( Corte IDH, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa versus Paraguai, sentença de Vinte e nove de março de Dois mil e seis, em especial, Parágrafo Cento e trinta e um ) .


Nas situações em que tenha ocorrido qualquer forma de impedimento de acesso à terra por causas alheias á vontade dos indígenas e que impliquem em obstáculo real para a manutenção dessa relação - com o emprego de violência, ameaça, etc. - ( o chamado " renitente esbulho " em sentido amplo - *5 vide nota de rodapé ), o direito á recuperação da terra persistirá até que os impedimentos desapareçam ( corte IDH, comunidade indígena Sawhoyamaxa versus Paraguai, sentença de Vinte e nove de março de Dois mil e seis, em especial, Parágrafo Cento e trinta e dois ) .


A jurisprudência da Corte IDH sobre os direitos dos indígenas à propriedade coletiva da terra assemelha - se ao conteúdo da teoria do indigenato, pela qual o vínculo material e espiritual dos indígenas em relação á terra são suficientes para declarar a existência do direito a ela, dispensando - se o critério do marco temporal ( no caso, a edição da CF - 88 ) . Nota - se, assim, a necessidade de efetivo diálogo entre as cortes ( Corte IDH e Supremo Tribunal Federal - STF ), que caso não seja feito, pode levar ao controle de convencionalidade de matriz internacional a ser realizado pelo Corte IDH a ser realizado pela Corte IDH, impondo ao Brasil deveres de reparação pela violação do Artigo Vinte e um da CADH ( *6 vide nota de rodapé )  


P.S.:


Notas de rodapé:


* A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*2 Comunidade indígena Xákmok Kásek versus Paraguai ( Dois mil e dez ); Povo Saramaka versus Suriname ( Dois mil e sete ); Comunidade indígena Sawhoyamaxa versus Paraguai ( Dois mil e seis ); Comunidade Moiwana ( Sumo ) Awas Tingni versus Nicarágua ( Dois mil e um ) .


*3 O direito indígena na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*4 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*5 O direito indígena às terras esbulhadas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos_6.html .


*6 Sobre a temática, ver o indispensável estudo de Pegorari, Bruno. " O choque de jurisdições e o diálogo das togas: uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o STF e a Corte IDH em matéria de direito á propriedade coletiva para os povos indígenas " . In: Wagner Menezes ( Organizador ) . Direito Internacional em expansão. Belo horizonte: Arraes, Dois mil e dezesseis, Volume Sexto, Páginas Quatrocentos e oitenta e um a Quinhentos .   

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Direitos Humanos: o direito dos indígenas e ao retorno às terras esbulhadas

A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) definiu que as " terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas " englobam um conjunto composto por quatro tipos de terras ( * vide nota de rodapé ):


1) terras por eles habitadas em caráter permanente,

2) as utilizadas para suas atividades produtivas,

3) terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem - estar e

4) as necessárias para a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições .

Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Estadual de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ), então Secretário-Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) ( de chapéu ) com indígenas em Florianópolis/SC em Dois mil e vinte e dois . 



Para os indígenas, a terra tem importância central, já que dela dependem para sua sobrevivência física ( *2 vide nota  de rodapé ) e cultural ( *3 vide nota de rodapé ). Por isso, a disputa pelas terras indígenas e suas riquezas representa o cerne dos conflitos entre indígenas e não indígenas no Brasil ( *4 vide nota de rodapé ). Nesse sentido,, o ministro Menezes Direito, em seu voto na petição número Três mil trezentos e oitenta e oito ( Caso Raposa Serra do Sol ), aduziu: " Não há indígena sem terra. A relação é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. ( ... ) . Sua organização social, seus costumes, língua, crenças e tradições estão, como se sabe, atrelados à tera onde vivem. ( ... ) . É nela e por meio dela que se organizam. É na relação com ela que forjam seus costumes e tradições. É pisando o chão e explorando seus limites que desenvolvem suas crenças e enriquecem sua linguagem, intimamente referenciada á terra. Nada é mais importante para eles. por isso, de nada adianta reconhecer - lhes os direitos sem assegurar - lhes as terras, identificando - as e demarcando - as " ( Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez ) .


Pela linguagem constitucional, a CF - 88 adotou o indigenato ( *5 vide nota de rodapé ). Por outro lado, há aqueles que defendem a tese do fato indígena, distinta da teoria do indigenato, apresentada pelo Ministro Menezes Direito ( Supremo Tribunal Federal  - STF ) no julgamento do " Caso raposa Serra do Sol " ( Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito ), pela qual as terras indígenas são aquelas que, na data da promulgação da CF - 88, eram ocupadas pelos indígenas. Mencionando o Parágrafo Sexto do Artigo Duzentos e trinta eu m da CF - 88, o Ministro Defendeu que " o constituinte quis suplantar todas as pretensões e os supostos direitos sobre as terras indígenas identificadas a partir de Mil novecentos e oitenta e oito " . Finalmente, o Ministro Direito assim resume seu entendimento: " Conclui - se que uma vez demonstrada a presença dos indígenas em determinada área na data da promulgação da CF - 88 ( Cinco de outubro de  Mil novecentos e oitenta e oito ) e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra, nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos indígenas. Com isso, pouco importa a situação fática anterior ( posses, ocupações, etc. ) . o fato indígena a suplantará, como decidido pelo constituinte dos oitenta " 9 Petição número três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, voto do Ministro Direito ) . O principal critério para a definição do fato indígena foi chamado " marco temporal ", o qual o Ministro Relator, Ayres Britto, definiu como " chapa radiográfica ", ao passo que o Ministro Lewandowski denominou - o " fotografia do momento " .


Com isso, o STF entendeu que por " terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas " ( Artigo Vinte, Inciso Onze da CF - 88 ) devem ser entendidas aquelas que:


1) as comunidades indígenas ocupavam na data da promulgação da CF - 88 ( marco temporal ); conquanto que

2) as comunidades ostentassem o caráter de perdurabilidade no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica, com o uso da terra para o exercício das tradições, costumes e subsistência indígena, significando que " viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os indígenas ". 


Por fim, o STF também adicionou dois outros critérios:


3) o marco da concreta abrangência fundiária e a finalidade da ocupação tradicional que contém a utilidade prática a que deve servir a terra tradicionalmente ocupada, reforçando o critério da ancestralidade da ocupação - STF, Petição  número Três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Britto ) .


Ainda que o STF, nesse mesmo caso ( Raposa Serra do Sol ), tenha acatado os marcos temporal de da tradicionalidade da ocupação, cabe notar que o Tribunal reconheceu a exceção do chamado " renitente esbulho ", pela qual as terras seriam ainda indígenas mesmo sem a ocupação no dia Cindo de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito, caso fosse comprovado que a ausência de ocupação houvesse se dado por " efeito de renitente esbulho por parte de não índios " ( STF, Petição número três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, trecho do voto do Ministro Ayres Britto ) .


A teoria do fato indígena é mais restritiva que a teoria do indigenato, pois esta última legitima inclusive a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito ( data da promulgação da atual CF - 88 ). Ficou, então, criado o marco de Coco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito como data na qual deveria ser analisada a situação fática da existência da presença indígena e de sua ocupação tradicional. Cabe ressaltar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol não produziu efeito erga omnes ( *7 vide nota de rodapé ), mas tão somente inter partes ( *8 vide nota de rodapé ) . Foi a partir do voto vista do Ministro Gilmar Mendes no caso Guyrároka que, em sede de Recurso em Mandado de Segurança, o STF consolidou a tese do marco temporal para configurar a posse indígena em todos os casos similares, sob o argumento destacado pela Ministra Cármen Lúcia, citando o Ministro Roberto Barroso ( Relator dos embargos de Declaração no Caso " Raposa Serra do Sol " ) de que " embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o Acórdão do caso Raposa Serra do Sol ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em que se cogite de superação das suas razões " ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma,  Diário da Justiça eletrônico de Quatorze de  outubro de Dois mil e quatorze ) . Todavia, em várias outras decisões após o Caso Raposa Serra do Sol, diversos Ministros salientaram a impossibilidade de se utilizar, fora daquele caso, a tese do renitente esbulho de forma automática, como se vê, por exemplo, na Reclamação número Quatorze mil quatrocentos e setenta e três ( Relator Ministro Marco Aurélio, decisão de Doze de dezembro de Dois mil e treze, Diário da Justiça eletrônico de Dezesseis de dezembro de Dois mil e treze ) . Pelo contrário, a aplicação da tese do marco temporal em sentido estrito ( que exige autotutela ou ainda busca de proteção judicial por parte dos indígenas ) é incompatível com o regime jurídico constitucional e convencional das terras  indígenas no Brasil .


Grande parte dos conflitos entre as comunidades indígenas e a sociedade envolvente reside em terras nas quais os indígenas levou à morte e desaparecimento da comunidade indígena. Duas situações podem ser aferidas:


1) a dos chamados aldeamentos extintos, nos quais a ocupação por parte de não indígenas levou á morte e desaparecimento da comunidade indígena e

2) a de terras sujeitas a " renitente esbulho ", nas quais a ocupação e titulação privadas das terras indígenas gerou a expulsão das comunidades indígenas que, contudo, resistem e mantém o desejo do retorno .


No tocante aos aldeamentos extintos, a Súmula número Seiscentos e cinquenta do STF estabelece que: " Os incisos Primeiro e Onze do Artigo Vinte da CF - 88 não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto " . Como a essência da Súmula é justamente o reconhecimento da extinção do aldeamento, sua aplicação em áreas densamente urbanizadas como na cidade de São Paulo ( SP ) e cidades da Grande São Paulo não gera polêmica .


Já no tocante às terras indígenas sujeitas a renitente esbulho, duas interpretações são possíveis a respeito do comportamento da comunidade indígena envolvida:


1) Renitente esbulho em sentido amplo. Basta que haja a titulação oficial em nome de não indígenas ou ainda a presença de não indígenas tida como regular pela autoridade pública para gerar o afastamento in loco da comunidade indígena. Exigir resistência física ou jurídica ativa implica em aplicar às comunidades indígenas padrões de comportamento da sociedade envolvente, sem contar que se desconsiderar o histórico de violência e miserabilidade daqueles que perderam suas terras, mas que mantém o desejo de retomada daqueles que perderam suas terras, mas que mantém o desejo de retomada da área. De fato, em vários casos, a comunidade indígena mantém - se nas proximidades, em intensa situação de vulnerabilidade, inclusive sendo usada como mão de obra barata. Por esse enfoque, não são desconsideradas as diversas formas de resistência ( inclusive passiva, de manutenção do desejo na identidade coletiva com a terra ) das comunidades indígenas. Com essa visão ampla do "renitente esbulho ", a identificação da terra indígena volta a ser fruto de avaliação antropológica, que conta com estudos transdisciplinares para tanto 9 de origem étnico-histórica, sociológica, geográfica, cartográfica, ambiental, etc. ) .

2) Renitente esbulho em sentido estrito. Por essa ótica, o renitente esbulho exige situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até a data da promulgação da CF - 88 ( marco temporal ), sendo provado por 

a) circunstâncias de fato ou, pelo menos,

b) por uma controvérsia possessória judicializada.


Desde o " Caso Raposa Serra do Sol ", o STF possui precedentes que adotaram a tese " renitente esbulho " em sentido estrito, mantendo a titularidade dos não indígenas, como no Caso da Terra Guyrároka, da comunidade indígena Guarani-Kaiowá ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de Quatorze de outubro de Dois mil e quatorze ) e no caso da Terra Indígena Limão Verde, da comunidade indígena Terena. a partir deste último caso, a tese do renitente esbulho em sentido estrito ganhou seus contornos atuais, tendo o Ministro Relator, Teori Zavascki condicionado à existência do esbulho ao critério do marco temporal, afirmando que, " há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual ( vale dizer, na data da promulgação da CF - 88 ), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada " ( Agravo de Recurso Extraordinário número Oitocentos e três mil quatrocentos e sessenta e dois - Agravo Regimental - Mandado de Segurança, Relator Ministro Teori Zavascki, julgado em Nove de dezembro de Dois mil e quatorze ) .


A exigência de circunstâncias de fato ou mesmo ação judicial reveladoras da existência de " renitente esbulho " pode, a depender do caso, gerar grande vantagem à sociedade envolvente, que possui poder para afastar as comunidades indígenas das suas terras tradicionais, que por meio de promessas, ameaças veladas, estímulo econômico singelo etc. No Caso da Terra Guyrároka, houve intenso debate entre os julgadores a respeito do laudo da FUNAI constante dos autos do Processo, pelo qual ficou atestado que os indígenas estavam afastados da terra havia Setenta anos. Para o Ministro Lewandowski, aquelas terras eram claramente de ocupação tradicional, conforme estabelecido pela CF - 88. Assim, já ao final do debate, foi mencionado que inclusive alguns indígenas continuaram na região a prestar serviço como peões, que o Ministro Lewandowski respondeu: " mas o Agronegócio quer isso mesmo: expulsar os indígenas e depois os contratar como boias-frias . É assim que está acontecendo no Brasil todo " ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de quatroze de outubro de Dois mil e quatorze, voto vencido do Ministro Ricardo Lewandowski ) . Para Deborah Duprat, a tese do renitente esbulho em sentido estrito viola os direitos dos povos indígenas, uma vez que " exigir a posse contínua e permanente, por toda a vida, dessas comunidades, num determinado território, é desconhecer o processo civilizatório e desenvolvimentista que foi empurrando-as para as margens " ( *9 vide nota de rodapé ) .


Aguarda - se, assim, o julgamento do Recurso Extraordinário número Um milhão dezessete mil trezentos e sessenta e cinco / Santa Catarina ( Relator Ministro Edson Fachin, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ), que possui repercussão geral. Foi proposta, pela Procuradoria geral da República ( PGR ), a seguinte tese, que resume a importância do caso para que seja afastada a tese do marco temporal em sentido estrito: " A proteção da posse permanente dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional independe da conclusão de processo administrativo demarcatório e não se sujeita a um marco temporal de ocupação preestabelecido . O Artigo Duzentos e trinta e um da CF - 88 reconhece aos indígenas direitos originários sobre essas terras, cuja identificação e delimitação deve ser feita por meio de estudo antropológico, o qual é capaz, por si só, de atestar a tradicionalidade da ocupação segundo os parâmetros constitucionalmente fixados, e de evidenciar a nulidade de quaisquer atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas áreas " .    


P.S.:


Notas de rodapé:


* O s direitos dos indígenas na Constituição, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .


*2 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*3 O direito à cultura, no contexto dos Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html


*4 Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Décima - nona edição. Malheiros, Dois mil e um, Página Oitocentos e vinte e nove .


*6 Os direitos dos indígenas nos dispositivos constitucionais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_30.html .


*7 erga omnes: para com todos, o que é válido contra todos. Vieira ( supervisão ), Jair Lot. Dicionário latim - português: termos e expressões - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Cento e trinta e oito .


*8 inter partes: entre as partes. Vieira ( supervisão ), Jair Lot. Dicionário latim - português: termos e expressões - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Duzentos e quatorze .


*9 Souza, Oswaldo Braga de, com a colaboração de Klein, Tatiane. " Decisões recentes ameaçam direitos territoriais indígenas e abrem polêmica no STF ", Dezessete de outubro de Dois mil e quatorze. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/en/node/3852 > . Último acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .