terça-feira, 15 de julho de 2025

Direitos Humanos: Direito à intimidade e à privacidade - Indeferido pedido de busca e apreensão a estudantes

Em uma decisão da última sexta-feira ( onze de julho de Dois mil e vinte e cinco) , a juíza Cleni Serly Rauen Vieira, da Vara Regional de Garantias da Comarca da Capital, negou um pedido feito pela Polícia Civil do Estado de Santa Catarina ( PCSC ) para que fossem cumpridos mandados de busca e apreensão contra Cento e trinta alunos que supostamente teriam cometido o crime de falsidade ideológica para acessar os Programas Universidade Gratuita ( PUG ) e FUMDESC. As investigações são comandadas pela Delegacia de Defraudações, vinculada à Diretoria Estadual de Investigações Criminais ( DEIC ) , que fez o pedido das buscas ao Poder Judiciário ( PJ ) . Os trabalhos da PCSC começaram após uma solicitação do governador Jorginho dos Santos Mello ( do Partido liberal - PL ) para que a corporação apurasse os indícios levantados pelo Tribunal de Contas do Estado ( TCE ) sobre suspeitas de fraudes nos programas. A coluna de Ânderson Silva, do jornal Diário Catarinense ( DC ) teve acesso ao despacho judicial e traz os detalhes abaixo .

Começo do programa, em 1º de agosto de 2023 ( Foto : Ricardo Wolffenbüttel / SECOM )


O pedido da Delegacia de Defraudações pelas buscas contra as Cento e trinta pessoas nos endereços domiciliares foi acompanhado também da solicitação da quebra do sigilo de dados telemáticos e informáticos eventualmente armazenados nos dispositivos eletrônicos que viessem a ser apreendidos durante o cumprimento das diligências . O Ministério Público do Estado de SC 9 MPSC ) manifestou-se pelo “ integral deferimento ” dos pedidos da PCSC “ por entender presentes os requisitos legais para a decretação das medidas, ao argumento de que há fortes indícios de inconsistências nas informações prestadas por beneficiários dos Programas ” .


Os agentes da delegacia responsável pelas investigações justificaram que relatórios do TCE-SC e da Controladoria-Geral do Estado ( CGE ) revelaram um vasto panorama de inconsistências nas informações socioeconômicas autodeclaradas pelos estudantes no ato da inscrição, especialmente nos itens de composição da renda familiar, titularidade de patrimônio e existência de vínculos empregatícios. A PCSC, então, afirma que por conta do “ volume extraordinário de casos suspeitos – que, segundo as estimativas, ultrapassariam Dez mil beneficiários -, estrategicamente adotou um recorte técnico-operacional, priorizando, nesta fase inicial, um grupo de Cento e trinta alvos, selecionados com base em critérios de indícios mais evidentes e maior impacto financeiro ” .

Argumentos da magistrada


Para a juíza, entretanto, “ de maneira geral, para que haja a busca e a apreensão, não só deve haver crime sob apuração, como aquilo que se busca, em poder de alguém relacionado ao fato criminoso, deve estar sob o risco concreto de perder-se ” . No despacho, Cleni diz que o caso submete ao juízo “ um pleito de elevada complexidade e sensibilidade, que coloca em rota de colisão, de um lado, o dever estatal de apurar a suposta malversação de vultosos recursos públicos e, de outro, a salvaguarda de direitos e garantias fundamentais de primeira geração, notadamente a inviolabilidade do domicílio e a proteção à intimidade e à privacidade, consagrados no Artigo 5º, incisos X, XI e XII, da Constituição ( CF/88 ) da República Federativa do Brasil ( RFB ) ” .

A magistrada diz que a decretação de medidas cautelares de natureza real, como a busca e apreensão domiciliar, e de medidas que afetam o sigilo de dados, representa uma das mais drásticas intervenções do poder estatal na esfera de liberdade do indivíduo. Assim, no entendimento dela, a autorização judicial de busca e apreensão “ não pode ser um ato automático ou burocrático, mas sim o resultado de uma criteriosa e ponderada análise, que deve verificar, de forma rigorosa e inequívoca, o preenchimento dos pressupostos constitucionais e legais que acondicionam ” .

Importância do programa

Ao explicar os motivos da negativa dos pedidos, a juíza fala que a “ suspeita de que tal sistema possa estar sendo sistematicamente fraudado por declarações falsas , em prejuízo do erário e dos estudantes que verdadeiramente necessitam do auxílio , convoca , sem dúvida , uma atuação firme e eficiente dos órgãos de persecução penal ” . Todavia, ressalta , “ como já ressaltado, as fundadas razões, indispensáveis para autorizar a medida cautelar aqui pretendida , não se confundem com meras conjecturas , ilações ou suspeitas vagas , devendo haver um conjunto consistente de elementos e apurações prévias que indiquem uma probabilidade concreta , alicerçada em elementos informativos robustos ,de que um crime está em andamento ou foi praticado e de que , no local indicado , serão encontrados instrumentos , objetos ou documentos pertinentes à sua elucidação , bem como que haja razoável nexo de causalidade relacionado ao investigado ” .

Na sequência , a magistrada faz uma crítica ao pedido das buscas : “ No caso em apreço, um dos vícios mais flagrantes que macula a representação é a sua absoluta generalidade e a consequente ausência de individualização das condutas imputadas a cada um dos Cento e trinta alvos ” . Ela ainda afirma : “ A Autoridade Policial apresenta um panorama geral das fraudes, descreve a metodologia dos relatórios da CGE e do TCE, justifica a necessidade do “ recorte técnico-operacional” e, ao final, anexa uma lista com Cento e trinta nomes, CPFs e endereços, pleiteando a expedição de mandados de busca e apreensão para todos, de forma indistinta e com base em uma fundamentação única e monolítica ” .


Em outro trecho da decisão, Cleni diz que “ o juiz, em seu mister de garantidor dos Direitos Humanos Fundamentais, tem o dever de analisar, para cada um dos Cento e trinta alvos, se as “ fundadas razões ” exigidas pelo Artigo 240, § 1º,do Código de Processo Penal ( CPP ) estão presentes ” . A crítica da magistrada segue : “ Ao apresentar um pedido “em bloco ” , a Autoridade Policial transfere indevidamente ao PJ o ônus que lhe cabe, qual seja, o de demonstrar a justa causa para a ação em relação a cada investigado ” . A juíza ainda destaca que faltaram informações importantes : “ Não há nos autos qualquer ofício expedido às universidades solicitando cópia dos dossiês dos Cento e trinta estudantes selecionados , nem qualquer notícia de que tal requisição tenha sido negada ou frustrada ” .

O despacho da magistrada ainda segue com uma referência ao MPSC . Para ela, o posicionamento da promotoria, com “ a mera repetição de indícios genéricos , desacompanhada da análise individualizada dos requisitos legais – notadamente das “ fundadas razões ” e da subsidiariedade em relação a cada um dos investigados – revela-se incompatível com a função constitucional do MPSC , na medida em que compromete a legalidade e a legitimidade das medidas pleiteadas , que possuem caráter eminentemente excepcional e restritivo de DH Fundamentais ” .

Conclusão do despacho

Ao final, a juíza da Vara de Garantias indefere os pedidos feitos pela PCSC. Ao mesmo tempo, ela ressalta que a “ decisão não obsta a formulação de nova representação ” . No entanto, o novo pedido, deverá “ individualizar pormenorizadamente a situação de cada investigado, demonstrando, com base em elementos concretos, as fundadas razões que justificam a medida excepcional para cada domicílio específico , bem como comprovar o exaurimento das vias investigativas alternativas e menos invasivas , em especial a requisição de documentos às Instituições de Ensino Superior ( IES ) e aos próprios investigados ” .

Além disso , Cleni determinou um ofício às Corregedorias da PCSC e do MPSC com cópia do processo para “ ciência e adoção de providências que entenderem cabíveis, respectivamente, quanto às condutas funcionais da Autoridade da PCSC e do representante do MPSC ” .


Com informações de:


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