sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Responsabilidade social: a autoridade como uma limitação

A restrição mais importante à responsabilidade social é a limitação da autoridade. Os advogados constitucionalistas sabem que não existe a palavra responsabilidade no dicionário político. O termo é responsabilidade e autoridade. Os dois são apenas lados diferentes da mesma moeda. Portanto, assumir responsabilidade social também significa reivindicar autoridade.

Mais uma vez, a questão da autoridade como limite da responsabilidade social não resulta da ligação com os impactos da instituição. Os impactos decorrem do exercício da autoridade, ainda que puramente incidentais e involuntários. Daí deriva a responsabilidade.

Porém, quando a empresa assuma responsabilidade por isso ou aquilo, deve-se perguntar: "Será que a empresa tem e deve ter autoridade?" Se a empresa  não tem e não deve ter autoridade - como o ocorre em muitas áreas - , a responsabilização pela empresa deve ser encarada com muita suspeita. Não é responsabilidade; é ânsia de poder.

A posição de Milton Friedman, economista de Chicago, de que as empresas devem ater-se ao seu negócio, ou seja, à esfera econômica, não é negação de responsabilidade. É possível argumentar com muito vigor que qualquer outra posição só pode solapar e comprometer a sociedade livre. Qualquer outra posição só pode significar que a empresa assumirá poder, responsabilidade e capacidade decisória em áreas fora da esfera econômica, em áreas que ser reservam e se devem reservar aos governos, aos indivíduos ou a outras instituições. E assim é porque, repetindo, quem assume responsabilidade em breve será investido de autoridade. A história o demonstra de sobra.

Deste ponto de vista, os atuais críticos das grandes empresas podem ser acusados, com razão, de a forçarem a tornar-se mestre e senhor.

Ralph Nader, líder do movimento de defesa dos direitos dos consumidores, sinceramente se considera inimigo da grande empresa, sendo aceito como tal pela grande imprensa e pelo público em geral. No entanto, na medida em que Nader demanda que as empresas assumam responsabilidade pela qualidade e pela segurança dos produtos, está reivindicando a legítima responsabilidade das empresas, ou seja, a responsabilidade pelo desempenho e pelas contribuições. A única questão - além da exatidão dos fatos e do estilo da campanha - é se, ao exigir perfeição, Nader não estará correndo o risco de gerar custos para os consumidores muito maiores que os decorrentes das falhas e deficiências que ele ataca com tanta veemência. Mais uma vez trata-se de escolhas excludentes.

Mas Ralph Nader reivindica, acima de tudo, que a grande empresa assuma responsabilidade em numerosas áreas, afora produtos e serviços. O assentimento a estas demandas só pode levar à ascensão dos gestores da grande empresa ao ápice do poder em numerosas áreas que, na realidade, se situam no campo de outras instituições.

E esta é, de fato, a posição para a qual Nader e outros preconizadores da responsabilidade social ilimitada estão avançando a passos largos. Uma das forças-tarefa de Nader publicou em mil novecentos e vinte e sete uma crítica à Du Pont Company e à sua atuação no pequeno estado de Delaware, onde a empresa tem sede e é grande empregadora. O relatório nem mesmo discute o desempenho econômico; ele desconsiderou, como aspecto secundário, que a Du Pont, em período de inflação generalizada, tenha reduzido de maneira consistente os preços de seus produtos, que são em muitos casos materiais básicos para a economia americana. Em vez disso, criticou com severidade a Du Pont por nãu usar problemas sociais, como discriminação racial, assistência médica e educação pública. A Du Pont, por não assumir responsabilidade pela sociedade de Delaware, pelos políticos de Delaware e pela legislação de Delaware, foi considerada omissa em relação à sua responsabilidade social.

Uma das ironias desta história é que a crítica da tradicional esquerda progressista à Du Pont Company, durante muitos anos, foi exatamente no sentido oposto, ou seja, que a Du Pont, por sua grande preeminência em um estado pequeno, controla e domina Delaware e exerce autoridade legítima.

A orientação de Nader é apenas a mais conhecida de um conjunto de posições que, à guisa de retórica antiempresarial, na realidade preconiza uma sociedade em que a grande empresa é a instituição mais poderosa, dominante e derradeira. Evidentemente, este desfecho é o oposto do almejado por Nader. Mas não seria a primeira vez que a demanda por responsabilidade social produz resultados antagônicos aos pretendidos.

A consequência mais provável da campanha de Nader não será a tencionada nem por ele nem pela administração das empresas. Ou será a destruição de toda autoridade, ou seja a completa irresponsabilidade, ou o totalitarismo absoluto - outra forma de irresponsabilidade.

No entanto, a posição pura de Milton Friedman - driblar toda a responsabilidade social - tampouco é sustentável. Muitos são os problemas enormes, urgentes e desesperadores. Acima de tudo, enfrentamos a letargia do governo, que está criando um vácuo de responsabilidade e desempenho - um vazio que sorve cada vez mais, quanto maior se torna o governo. As empresas e outras instituições da sociedade de organizações não podem ser puras organizações de negócios, por mais desejável que seja esta visão. O interesse próprio delas já as obriga a preocupar-se com a sociedade e com a comunidade e preparar-se para assumir responsabilidade além de suas próprias searas, tarefas e atribuições.

Mas, ao agirem assim, devem estar conscientes do perigo - para elas próprias e para a sociedade. Nenhuma sociedade pluralista, como se tornou a americana, jamais funcionará se suas instituições não assumirem responsabilidade pelo bem comum. Porém, ao mesmo tempo, a ameaça real e iminente para uma sociedade pluralista é a confusão muito fácil entre o bem comum e a própria ânsia de poder.

No entanto, é possível desenvolver diretrizes em algumas áreas. Não compete ( nem às universidades ) substituir a autoridade da soberania política nacional. Nas sociedades livres, as empresas, evidentemente, têm o direito de não participar de atividades, ainda que esta participação seja sancionada e incentivada pelas políticas públicas. Elas podem ficar de fora. Mas, decerto, não têm o direito de pôr-se no lugar do governo. Tampouco dispõem da prerrogativa de usar o poder econômico para impor seus valores à comunidade.

Por estes critérios, o sábio quaker que repreendeu o amigo da empresa siderúrgica por usar o poder econômico de uma grande empresa para impor um pouco de justiça racial em uma cidade do sul dos Estados Unidos na década de quarenta estava certo. O fato de os fins serem inequivocamente justos e éticos não justifica os meios, ou seja, o exercício de uma autoridade que não pertence à empresa. Esta atitude é tão imperialista quanto as que são denunciadas pelos crentes mais convictos na igualdade racial. A empresa siderúrgica pode ser culpada - merecidamente, Peter F. Drucker diria - por não ter feito nada, durante muitos anos, para promover a justiça racial, em que diz acreditar. Ela pode ser responsabilizada por não buscar e explorar oportunidades de aplicação da igualdade étnica. Mas dois erros não fazem um acerto, dois exemplos de irresponsabilidade não resultam em responsabilidade. Outras informações podem ser obtidas no livro Fator humano e desempenho, de autoria de Peter F. Drucker.

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