A segunda grande mudança da economia mundial ( * vide nota de rodapé ) é o desencaixe da produção industrial do emprego industrial. Aumentar a produção industrial em países desenvolvidos na prática passou a significar a diminuição dos postos de trabalhadores de chão de fábrica, ou operários ( blue-collar workers ou trabalhadores de colarinhos azuis ). Em consequência, os custos de mão de obra estão se tornando cada vez menos importantes como custo comparativo e como fator de concorrência.
Muito se fala, hoje em dia, da desindustrialização dos Estados Unidos da América ( EUA ). Contudo, na verdade, a produção industrial vem aumentando regularmente em volume absoluto e não sofreu qualquer diminuição em termos relativos em relação ao todo da economia daquele país. Desde o fim da Guerra da Coreia, ou seja há mais de sessenta anos, a produção industrial tem se mantido firme, em torno de vinte e três a vinte e quatro por cento do Produto Interno Bruto ( PIB ) americano, o mesmo acontecendo em todos os principais países industrializados.
Tampouco é verdade que a indústria americana esteja tendo um desempenho medíocre como exportadora. É verdade que o país jamais importou tantos bens manufaturados do Japão e da Alemanha quanto atualmente. Mas também está exportando mais do que nunca - apesar da enorme desvantagem do dólar muito alto, de aumentos salariais maiores que o de produtos principais concorrentes e do quase-colapso de um dos principais mercados industriais, América Latina. Em mil novecentos e oitenta e quatro, ano em que o dólar disparou, as exportações americanas de bens manufaturados cresceram oito vírgula três por cento e, em mil novecentos e oitenta e cinco, tiveram um novo aumento. A participação americana nas exportações mundiais de bens manufaturados era de dezessete por cento em mil novecentos e setenta e oito. Em mil novecentos e oitenta e cinco, havia crescido para vinte por cento. A então chamada Alemanha Ocidental tinha dezoito por cento e o Japão, dezesseis por cento. Assim, os três países eram responsáveis por mais de cinquenta por cento do total.
Portanto, não é a economia americana que está sendo desindustrializada, mas , sim, a força de trabalho.
Entre mil novecentos e setenta e três e mil novecentos e oitenta e cinco, a produção industrial nos EUA, na verdade, aumentou em quase quarenta por cento. Contudo, o número de postos de trabalho da indústria decresceu consistentemente durante aquele mesmo período. Hoje, existem cinco milhões de trabalhadores a menos na indústria americana em comparação ao toral de mil novecentos e setenta e cinco.
No entanto, nos último anos, o nível de emprego nos EUA cresceu mais rápido do que em qualquer período de paz na história, em qualquer países: de oitenta e dois milhões de postos de trabalho para cento e dez milhões, entre mil novecentos e setenta e três e mil novecentos e oitenta e cinco. Isto é, houve aumento de um terço ou trinta e três por cento. Todo este crescimento, contudo, ocorreu em setores não industriais, especialmente os empregos não industriais.
Esta tendência, em si, não é nova. Nos anos vinte, um em cada três ou trinta e três por cento de membros da força de trabalho americana estava empregado na indústria. Nos anos cinquenta, este número ainda era de um em cada quatro ou vinte e cinco por cento. Hoje, é de um em cada seis ou dezesseis e meio por cento - e continua em declínio.
Entretanto, embora esta tendência já venha ocorrendo há muito tempo, ultimamente houve aceleração ao ponto em que, pelo menos em tempos de paz nenhum aumento da produção de manufaturados, por maior que seja, deverá reverter este declínio de longo prazo do número de postos de trabalho industriais ou de sua proporção em relação à força de trabalho total.
E a tendência é a mesma em todos os países desenvolvidos - e, no Japão, é ainda mais pronunciada. De modo que, em mil novecentos e oitenta e cinco já se previa que seria altamente provável que países desenvolvidos como os EUA ou o Japão estivessem empregando na primeira década do século vinte e um, uma proporção da força de trabalho industrial não superior àquela que naquela época empregam na agricultura: cerca de dez por cento. Em mil novecentos e oitenta e cinco, os EUA empregavam cerca de dezoito milhões de pessoas em chão de fábrica na indústria. Portanto, segundo a previsão da época, hoje este número já esteja em torno de dez milhões - no máximo, doze milhões. Em algumas grandes indústrias, esta queda será ainda maior. É extremamente não realista, por exemplo, que a indústria automobilística americana empregue mais do que um terço de sua atual força de trabalho de operários, ainda que a produção possa estar cinquenta por cento maior do que em mil novecentos e oitenta e cinco.
Se uma empresa, uma indústria ou um país não conseguir, neste quarto de século vinte e um, aumentar significativamente a produção e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente a força de trabalho, não poderá ter esperança de se manter competitivo ou até mesmo desenvolvido. O declínio seria relativamente rápido. A Grã-Bretanha tem passado por um declínio industrial nos últimos cinquenta anos em grande parte porque o número de operários por unidade produzida decresceu muito mais lentamente do que em todos os outros países desenvolvidos não comunistas. Ainda assim, a Grã-Bretanha tem o maior índice de desemprego entre estes países - mais de treze por cento ( pode ser que este número não esteja bem atualizado ).
O exemplo citado indica uma equação nova, mas crítica: um país, uma indústria ou uma empresa que coloca a preservação dos postos de trabalho de operários na indústria acima de sua capacidade de ser manter competitivo internacionalmente ( e isto sugere a redução sistemática destes empregos ) em breve não terá nem produção nem empregos fixos. A tentativa de se preservarem postos de trabalho de empregados de chão de fábrica é, na verdade, a receita do desemprego.
Em nível nacional, até o momento, isto só é aceito no japão. Com efeito, os planejadores do país, fossem do governo ou da iniciativa privada, começavam com o pressuposto de que a produção iria dobrar entre os anos dois mil e dois mil e cinco com base em um corte dos empregos de chão de fábrica em torno de vinte e cinco a quarenta por cento. E muitas grandes empresas americanas, como IBM, General Eletric ( GE ) ou as empresas automobilísticas, previam um desenvolvimento paralelo. Implícito nesta previsão estava o fato paradoxal de que um país terá menos desemprego geral quanto mais rápido conseguir diminuir sua força de trabalho de operários na indústria.
Mas esta não era uma conclusão que os políticos, líderes sindicais ou o público em geral pudessem entender ou aceitar facilmente na época.
O que deixará esta questão ainda mais confusa é o fato de se estar vivendo diversas mudanças diferentes e separadas na economia industrial.
Uma delas é a desaceleração da substituição do trabalho manual por conhecimento e capital. Onde, há algumas décadas, falava-se em mecanização, hoje fala-se em robotização ou automação. Isto, na verdade, é muito mais uma mudança de terminologia do que de realidade. Quando Henry Ford introduziu a linha de produção em mil novecentos e nove, cortou em cerca de oitenta por cento, no espaço de dois ou três anos, o número de homens-hora exigido para a produção de um automóvel. Isto é muito mais do que se espera que aconteça como resultado até mesmo da mais radical robotização. Mas não há dúvida de que se está diante de uma nova e aguda aceleração da troca de mão de obra manual por máquinas, isto é, pelos produtos do conhecimento.
Um segundo acontecimento - que, no longo prazo, poderá ser tão ou mais importante - é a mudança de foco em indústrias primordialmente dependentes de mão de obra para outras que são, desde o começo, primordialmente dependentes de conhecimento. Os custos de um microchip semicondutor são formados por setenta por cento de conhecimento e não mais que doze por cento de mão de obra. Da mesma forma, dos custos dos medicamentos, mão de obra representa não mais que dez a quinze por cento, enquanto o conhecimento - pesquisa, desenvolvimento e testes clínicos - chega a quase cinquenta por cento. Contrastando com isto, mesmo em uma linha de produção de automóveis altamente robotizada, os custos de mão de obra ainda chegam a vinte por cento ou vinte e cinco por cento do tota.
Outro acontecimento, altamente confuso, na produção é a inversão da dinâmica de tamanho. Desde os primeiros anos do século vinte, a tendência, em todos os países desenvolvidos, tem sido a construção de fábricas cada vez maiores. Este quadro foi enormemente favorecido pelas economias de escala. Talvez o que seria possível denominar de economias de administração também o tenha favorecido. Até recentemente, a administração moderna parecia ser aplicável apenas em unidades razoavelmente grandes.
Isto passou por uma forte inversão desde os anos sessenta. A diminuição de postos de trabalho na indústria, nos EUA, ocorreu nas grandes organizações, a começar pelas gigantes da indústria automobilística e do aço. Indústrias de pequeno e médio porte ou se mantiveram estáveis ou até mesmo contrataram pessoas. Também no que se refere á posição no mercado, exportações e lucratividade, as empresas de pequeno e, especialmente, de médio porte tiveram desempenho notavelmente melhor que as de grande porte. A mesma reversão da dinâmica de tamanho também está ocorrendo em outros países desenvolvidos, até mesmo no Japão, onde, historicamente, maior era sempre melhor - e o maior de todos era o melhor. Esta tendência se inverteu, mesmo nas indústrias mais antigas. A indústria automobilística mais lucrativa dos últimos não tem sido uma das gigantes, ma suma de médio porte, da Alemanha: a BMW. Em todo o mundo, seja nos EUA, Suécia ou Japão, as únicas indústrias do aço lucrativas têm sido as de médio porte, fabricantes de produtos específicos, como tubos de perfuração de petróleo. Especialmente nos EUA, ou seja, em parte, como resultado do ressurgimento do empreendedorismo. Outra coisa igualmente importante: talvez tenha havido um aprendizado, nos últimos sessenta anos, como gerenciar empresas de pequeno e médio porte - a ponto de que as vantagens do tamanho menor ( por exemplo, facilidade de comunicação e maior proximidade do mercado e do consumidor ) cada vez mais superem o que no passado eram limitações administrativas insuperáveis. Portanto, nos EUA - e também, cada vez mais, em outros países altamente industrializados, como Japão e Alemanha - o dinamismo da economia se transferiu das empresas de grande porte, que dominaram a economia industrial do mundo desde trina anos após a Segunda Guera Mundial, para empresas que, embora muito menores, são administradas profissionalmente e, em grande parte, beneficiadas pelo financiamento público.
Entretanto, há também dois tipos distintos de indústria de transformação: um grupo tem por base matérias-primas - as indústrias que proporcionaram o crescimento econômico dos primeiros três quartos do século vinte; e o outro grupo tem por base a informação e o conhecimento - farmacêuticos, telecomunicações, instrumentos analíticos, processamento de informações, como computadores, e assim por diante. É precisamente neste segundo grupo que o crescimento está concentrado.
Os dois grupos diferem em suas características econômicas, especialmente no que diz respeito à sua posição na economia internacional. Os produtos das indústrias dependentes de matérias-primas devem ser exportados ou importados como produtos. Eles aparecem na balança comercial. os produtos das indústrias que se baseiam em informação podem ser importados ou expotrados tanto como produtos quanto como serviços.
Um antigo exemplo é o livro impresso. Para uma grande editora de livros científicos, os lucros internacionais representam dois terços de suas receitas totais. No entanto, a empresa exporta poucos livros, quase nenhum. Livros são pesados. Ela exporta direitos. Da mesma forma, as exportações mais lucrativas de uma empresa de computadores poderão aparecer nas estatísticas como importações. São as tarifas que alguns dos maiores bancos do mundo, algumas das grandes multinacionais e trading companies japonesas recebem por processar em seus escritórios centrais dados enviados eletronicamente de suas filiais ou de seus clientes de qualquer parte do mundo. Em todos os países desenvolvidos, trabalhadores da indústria de conhecimento já se tornaram o centro da gravidade da força de trabalho, até mesmo em números. Mesmo na indústria transformadora, eles serão em maior número que os trabalhadores de chão de fábrica em menos de uma década. E, então, exportar conhecimento de forma que produza receitas com licenciamentos, tarifas de serviço e royalties poderá efetivamente criar um número bem maior de empregos do que por meio da exportação de bens.
Isto requer, portanto, como o governo em Washington aparentemente já percebeu, ênfase muito maior em políticas de comércio sobre o comércio invisível e na eliminação de barreiras, principalmente das aduaneiras e não aduaneiras, e das referentes ao comércio de serviços, como informação, finanças e seguros, varejo, patentes e até mesmo assistência á saúde. Com efeito, neste século vinte e um, as receitas provenientes do comércio invisível já são ainda maiores para os países desenvolvidos do que as receitas da exportação de bens. Tradicionalmente, o comércio invisível tem sido tratado como um enteado, atraindo pouquíssima atenção. Mas, cada vez mais, ele se tornará o centro das atenções.
Contudo, outra implicação do desencaixe da produção industrial e do emprego industrial é que a escolha entre uma política industrial que favoreça a produção e outra que favoreça o emprego tornou-se uma polêmica questão política pelo resto do século vinte e ainda não acabou em pleno século vinte e um. Historicamente, estas sempre foram consideradas duas faces da mesma moeda. De agora em diante, entretanto, ambas seguirão direções cada vez mais divergentes e irão se tornar alternativamente distintas, talvez até incompatíveis.
Negligência benevolente - a política do governo do ator Ronald Reagan dos EUA nos anos oitenta - pode ter sido a melhor política que alguém poderia desejar - e a única com chance de legar sucesso pelo século vinte e um adentro. Talvez não seja um acidente que os EUA tenha, ao lado do Japão, a mais baixa taxa de desemprego dente os países industrializados desenvolvidos. Apesar disto, certamente há uma necessidade de repor trabalhadores de chão de fábrica redundantes - algo que ninguém ainda sabe como fazer com sucesso. Finalmente, baixos custos de mão de obra provavelmente irão se tornar uma vantagem cada vez menor no comércio internacional porque, nos países desenvolvidos, serão responsáveis por uma parcela cada vez menor dos custos totais. Mas, além disto, os custos totais de processos automatizados são até mesmo mais baixos que aqueles de unidades fabris tradicionais com baixos custos de mão de obra, principalmente porque a automação elimina os custos ocultos, mas extremamente altos, de não trabalho, como os custos de produtos reprovados, dos de má qualidade e do fechamento da linha de produção para a troca de um modelo por outro.
A RCA e a Motorola, produtoras americanas de receptores de televisão, são um exemplo. Ambas quase foram alijadas no mercado por produtos importados de países com custos de mão de obra mais baixos. Ambas, então, automatizaram suas fábricas. O resultado foi que seus produtos Made in USA conseguiram competir com sucesso com os concorrentes importados. Da mesma forma, algumas indústrias têxteis altamente automatizadas nos Estados americanos de Carolina do Norte ( NC ) e Carolina do Sul ( SC ) são capazes de cotar preços muito mais baixos que os de concorrentes estrangeiros com custos de mão de obra muito baixos ( Tailândia, por exemplo ). Igualmente, na produção de semicondutores, algumas empresas americanas têm baixos custos de mão de obra porque todo o trabalho que demanda esta mão de obra é feito no exterior, na África Ocidental, por exemplo. apesar disto, eles são produtores de alto custo, e os japoneses, altamente automatizados, são capazes de facilmente cotar preços mais baixos, embora tenham custos de mão de obra mais altos.
O custo da mão de obra, portanto, irá se tornar cada vez mais importante na concorrência internacional. E este é o custo a respeito do qual os EUA se tornaram, desde o final do século vinte, o país com custos mais altos - e o Japão, o país de custos mais baixos. A reversão da política americana de altas taxas de juros e de alto custo de capital próprio deverá ser, portanto, a prioridade do governo, isto é, exatamente o oposto do foi a política americana dos últimos vinte anos do século vinte. Contudo, é claro, a política americana de defesa conta a inflação exigiria o corte do déficit americano, em vez das altas taxas de juros.
Para os países desenvolvidos, especialmente para os EUA, a queda regular dos custos de mão de obra como um dos principais fatores competitivos poderá vir a ser positivo. Entretanto, para países do Terceiro Mundo, especialmente para os países em processo de rápida industrialização - como o Brasil, por exemplo, ou a Coreia do Sul ou México - , estas notícias não são boas. Dos países do seculo dezenove que se industrializaram rapidamente, um deles, o Japão, conseguiu isto mediante a exportação de matérias-primas, principalmente seda e chá, cujos preços aumentavam consistentemente. Outro, a Alemanha, se desenvolveu dando um salto diretamente para o estágio das indústrias de alta tecnologia daquela época, como as de eletricidade, química e ótica. o terceiro, os EUA, fez as duas coisas. Ambos os caminhos estão bloqueados para os países que estão hoje se industrializando rapidamente: o primeiro, por causa da deterioração dos termos de comércio para produtos primários, e o segundo, porque é necessária uma infraestrutura de produtos e educação muito além do alcance de um país pobre ( embora a Coreia do Sul esteja neste rumo ). A concorrência com base em custos de mão de obra mais baixos parecia a saída. Será que este caminho também será bloqueado? Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.
P.S.:
Nota de rodapé:
* As outras mudanças são melhor introduzidas em
https://administradores.com.br/artigos/economia-mundial-a-a%C3%A7%C3%A3o-do-governo-e-das-empresas-na-nova-realidade .
Continua em
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/07/economia-internacional-competitividade.html .
P.S.:
Nota de rodapé:
* As outras mudanças são melhor introduzidas em
https://administradores.com.br/artigos/economia-mundial-a-a%C3%A7%C3%A3o-do-governo-e-das-empresas-na-nova-realidade .
Continua em
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/07/economia-internacional-competitividade.html .
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