O Japão, como todo mundo sabe, é um país de regras rígidas e da subordinação do indivíduo à vontade coletiva. É um país em que um jovem estudante universitário vai a caminhadas nas montanhas, mas transfere a bota e a mochila para uma irmã ou irmão mais novo após se formar. É um país em que o estudante é um radical na faculdade, mas se torna um conservador fiel após ser contratado pelo Mitsubishi Bank ou pelo Ministério das Finanças. É um país em que uma jovem mulher veste qualquer tipo de quimono até o dia do casamento, e depois coloca o quimono de mulher casada pelo resto da vida.
O Japão é um país em que os formandos no ensino fundamental se tornam trabalhadores manuais, os formandos no ensino médio se tornam auxiliares de escritório e os formandos nas faculdades se tornam gerentes e profissionais ( todos os três divididos pelo resto da vida pelo grau de educação ). é um país em que há o compromisso por toda a vida com um empregador. como todo mundo sabe, o Japão também é o país das obrigações mútuas, em que o discurso é minuciosamente regulado pelo status e pelo relacionamento social. É o país do "Japão S.A.", em que os interesses conflitantes se juntam pela glória maior da economia comum. O livro mais conhecido ( e o melhor ) sobre a organização social e as instituições japonesas, Japanese Society, de Chie Nakame, descreve o ie ( a comunidade de clãs ou tribos ) como a realidade organizacional dentro da qual o indivíduo existe mais como membro do que como pessoa. Sempre que estudiosos japoneses e ocidentais ( especialmente americanos ) se encontram, em qualquer disciplina e sobre qualquer assunto, os japoneses imediatamente comparam a cooperação japonesa com a expressiva competição e a excessiva diversidade do ocidente.
No entanto, a característica predominante de toda a arte japonesa é seu individualismo. Em cada período importante da atividade artística no ocidente, existiu um estilo universal; no ocidente, fala-se do período helenístico, do romântico e do gótico, da renascença e do barroco. No entanto, cada período de grande atividade artística no Japão foi caracterizado pela diversidade. De fato nas artes, especialmente na pintura, o contraste mais correto é entre a conformidade ocidental e a excessiva diversidade do japão. No período Edo ( entre mil seiscentos e três e mil oitocentos e sessenta e sete ), a tendência japonesa para a diversidade atingiu o apogeu. Considerando apenas a pintura, mais de uma dezena de escolas importantes floresceram, junto com inúmeras escolas menores. Não há algo comparável em outras culturas com a exuberante diversidade do último grande período artístico do Japão pré-moderno.
Os estudiosos e especialistas japoneses que castigam a excessiva competição americana, e que consideravam isto uma desvantagem em relação à cooperação japonesa, pensam na competição entre empresas no mercado ou na competição por promoções dentro do grupo administrativo de uma companhia. Aparentemente, eles nunca pensam nos sistema escolar japonês. No entanto, qualquer americano ficaria horrorizado ao lhe contarem que um estudante japonês com dez anos de idade aplaudiria com alegria ao ouvir que seu melhor amigo está doente e perderá uma ou duas semanas de aula: assim, o amigo fica para trás na competição para o exame de seleção dos poucos que serão aprovados para o prestigioso ensino fundamental.
Quanto ao "Japão S.A.", não há rivalidade comercial e competição no ocidente que se compare com a feroz brutalidade com a qual os principais grupos industriais japoneses, os zaibatsu, lutam entre si. Se a Mitsubishi entra em um novo setor, seja o de fibras sintéticas ou de eletrônicos ou de construção naval, a Mitsui e o Sumitomo também precisam entrar ( não importa se já existe excesso de capacidade neste setor no mundo ). Além disto, os partidos políticos japoneses não são monólitos disciplinados; eles não são um ie. Eles são amontoados soltos de facções competindo ferozmente.
Os japoneses são provavelmente os melhores pintores de animais do mundo. No ocidente, os poucos pintores de animais são especialistas; uma Rosa Bonheur ou George Stubbs, por exemplo. No Japão, quase todo pintor já pintou animais. Os japoneses pegaram algumas tradições da pintura de animais dos chineses: a pintura kachõga ( flor e pássaro ), por exemplo. No entanto, a maioria dos animais na pintura japonesa, especialmente os pássaros, expressa valores, tradições e percepções japonesas puramente nativos.
Nada que Peter Ferdinand Drucker chegou a dizer ter conhecido em sua época expressa tão bem uma característica básica dos japoneses como estas pinturas de pássaros: a capacidade de puro prazer. É a mesma capacidade que se vê em um piquenique japonês ou em uma simples dança folclórica em um estacionamento vazio durante uma noite de verão. Esta capacidade de puro prazer é a que permite aos pomposos presidentes de companhias e aos estudiosos sérios participarem sem algum constrangimento ou reticências dos mais tolos jogos infantis em uma festa. Esta capacidade de puro prazer é que pode ser vista aos domingos nos parques onde jovens pais japoneses brincam com seus filhos. É uma qualidade do imediatismo que está presente na obra de arte mais sofisticada ou romance japonês e que é a essência do haiku. A pintura tradicional japonesa de animais ou pássaros sempre parece ridiculamente simples; apenas alguns traços do pincel. No entanto, ela expressa a projeção imediata e intuitiva dos artistas de seu próprio ser no espírito dos pássaros ou do sapo. Estas pinturas japonesas representam um hino à diversidade e à espontaneidade, em sintonia com o primeiro dos poetas modernos ingleses dos final da era vitoriana, Gerard Manley, que declamou, "Glória a Deus pelos seres coloridos".
No entanto, a cooperação, as obrigações mútuas, o compromisso com um empregador pela vida toda, o ie, e mesmo o "Japão S.A." não são mitos. O fundamental no Japão é a constante e contínua polaridade entre a comunidade estreita e envolvente ( que apoia, mas que também exite subordinação às suas regras ) e o individualismo competitivo demandando espontaneidade.
Os artistas japoneses do século dezoito eram altamente individualistas, embora a maioria se considerasse pertencente a uma escola ( Nanga ou Rimpa ou Shijõ, por exemplo ). Os poucos que não participavam ( Shohaku, Rosetsu, Jakuchu ) eram chamados excêntricos no Japão. E se um artista começa em uma escola e depois a supera e desenvolve o próprio estilo, a dignidade japonesa exige que haja uma ruptura violenta, como as confrontações em um drama kabuki. relatou-se que Nagasawa Rosetsu ( que viveu entre mil setecentos e cinquenta e cinco e mil setecentos e noventa e nove ), por exemplo, rompera violentemente com Maruyama Okyo ( que viveu entre mil setecentos e trinta e três e mil setecentos e noventa e cinco ), de quem originalmente era aluno, embora os registros mostrem, inequivocamente, que os dois realmente continuaram trabalhando juntos e que Okyo encarregou Rosetsu pelo atendimento de encomendas importantes e confidenciais. De forma semelhante, um século antes, Kusumi Morikage ( morto antes de mil e setecentos ) teria sido excomungado e expulso do atelier de Kano Taniu ( que viveu entre mil seiscentos e dois e mil seiscentos e setenta e quatro ) quando seguiu seu próprio caminho, embora os registros mostrem um relacionamento familiar próximo e continuado entre os dois artistas.
Ainda nos dias de hoje, em um Japão moderno e ocidentalizado, não é considerado apropriado que um jovem fique por conta própria sem pertencer a uma organização, um ie. o intérprete de Drucker durante sua primeira viagem de palestras pelo Japão, há mais de sessenta anos, foi um jovem japonês que havia feito pós-graduação nos EUA e que, em seguida, montara a própria empresa de consultoria de marketing em Tóquio. Drucker dizia ter descoberto que o intérprete não havia sido bem recebido na caso do sogro. Quando Drucker encontrou o sogro, que era reitor de uma universidade na qual Drucker foi dar uma palestra, perguntou o que ele tinha contra o genro. Ele já está com quase trinta anos de idade á época e por conta própria; o que era considerado completamente inadequado. Ele não possuía uma organização para apoiá-lo, nenhum chefe para socorrê-lo quando se mete em encrencas. e o que é pior: ele tinha sucesso e abria um precedente perigoso para as tradições locais. O ponto a se destacar nesta história é que o sogro era conhecido em todo Japão como o reitor vermelho que se dedicava todo sábado á noite em uma rádio nacional a fazer uma pregação violenta contra o remanescente do feudalismo na vida familiar japonesa e contra os males da organização humana.
A história da arte ( ou os relatos curiosos sobre a arte ) pode fornecer resposta ao paradoxo e uma chave para a compreensão do relacionamento entre a comunidade rígida do ie e a espontaneidade e o individualismo, que são tão característicos da arte japonesa, bem como da vida e da sociedade japonesas. Sakai Hõitsu ( que viveu entre mil setecentos e sessenta e um e mil oitocentos e vinte e oito ), o último dos grandes mestres Rimpa, começou estudando com um pintor Kanõ por volta de mil setecentos e noventa. Depois se tornou discípulo de um famoso artista Nanga, Kushiro Unsen ( que viveu entre mil seiscentos e quarenta e três e mil setecentos e quarenta e três ) e se tornar um pintor Rimpa. Um grande professor no ocidente teria dito a um jovem tão bem-dotado: "Procure a escola mais adequada para você.".
A tensão entre a pressão para pertencer e se conformar e o estresse da espontaneidade, independência e individualidade é uma, mas apenas uma, das polaridades que caracterizam a arte e a cultura japonesas. A Coleção Sansõ contém três trabalhos de famosos mestres do século dezessete: Two Wagtails, atribuído a Kanõ Sanraku ( que viveu entre mil quinhentos e cinquenta e nove e mil seiscentos e trinta e cinco ); o Chil Holding a Spray of Flowers, atribuído a Tarawaya Sõtatsu ( no início do século dezessete ); e um leque circular, Autumnal Ivy Leaves with Bamboo, do Ogata Kõrin. cada um deles resume o talento japonês pela simplicidade refinada a ponto da austeridade. Embora as pinturas mais conhecidas de Sanraku, como suas telas de pássaros e árvores e flores sejam ornamentadas e suntuosas, com dourados e prateados e cores faustosas, Sõtatsu fundou a decorativa Escola Rimpa, com seu forte lirismo e colorido elegante, e Kõrin o aperfeiçoou com seus ricos desenhos. Assim, as três pinturas da coleção Sansõ podem ser consideradas atípicas de seus pintores e, no entanto, ainda são completamente típicas deles.
De forma semelhante, existe na exposição uma paisagem do pintor Kantei do início do século dezesseis que simplifica e torna mais austero o já simplificado e austero estilo da pintura de paisagem japonesa do século quinze. Porém, existe também um par de quadros de flores e pássaros do mesmo mestre que é ornamentado, decorativo, quase suntuoso. Quase duzentos anos depois, no início do século dezenove, Watanabe Kazan, o mais austero dos neoconfucianos, pintou um quadro exuberante, sensual, colorido: o Lotus Flowers and Swimming Fish.
Para um ocidental, estas parecem ser contradições; para um japonês, são polaridades. Um ocidental pode sentir que um artista é atraído pela austeridade e o espaço vazio de uma paisagem do século quinze ou pelo desenho colorido e decorativo de uma pintura Kantei de flores e pássaros ou uma tela Sanraku de pássaros, mas não por ambas. Para o japonês, porém, elas são necessariamente tensões, polos de expressão, dentro da mesma pessoa.
Qualquer visitante de Quioto vê exemplos destas tensões a poucos quilômetros um do outro: Castelo Nijõ - residência oficial ornamentada, sensual, presunçosa, em Quioto do ditador militar, o shõgun Tokugawa; e a Vila Katsura - casa de campo de verão do príncipe imperial simples a ponto de ser austera, requintada, sem ornamentos e totalmente disciplinada. Ambas foram construídas dentro da mesma geração e pela mesma classe dominante. Além disto, existe em Nikkõ, ao norte de Tóquio, o grande mausoléu do século dezessete do primeiro shõgun Tokugawa, Ieyasu ( o shõgun do filme com o mesmo nome ) com sua extrema ornamentação, quase exagerada, mesmo para o gosto barroco. No entanto, este mesmo shõgun vivia em seu castelo com uma austeridade contida. Para os japoneses, ambos pertencem conjunto. As tensões não são de opostos, e sim de polos; e, onde existe um polo norte, deve haver um polo sul.
Esta tensão, esta polaridade, se estende por toda a cultura japonesa. Ela é encontrada na tensão entre a supremacia masculina oficial confuciana, que impõe que, em público, a mulher serja invisível e subserviente, e a realidade da vida familiar, em que a mulher detém o poder e as rédeas, e um recente primeiro-ministro poderia dizer no parlamento: "Não tenho ainda uma posição sobre esta medida; minha sobra tem estado doente e eu não pude pedir sua orientação", ao que o líder da oposição assentiu respondendo: "Por favor, transmita meus votos de rápida recuperação para sua estimada sogra.".
Uma polaridade semelhante é encontrada na educação dos filhos. Até que eles alcancem idade escolar, as crianças são mimadas de uma forma que vai além de qualquer permissividade americana. Depois elas vão para a escola e, no primeiro dia, há disciplina e a expectativa é que se comportem ( e elas se comportam ). Existe uma notável tensão entre a genialidade da linguagem japonesa, em que tudo foca no relacionamento humano, e a natureza dos ideogramas chineses, que são construídos sobre a representação de objetos. Os japoneses inventaram muito cedo uma cartilha em que o som do japonês pode facilmente ser escrito. Todo japonês aprende as duas cartilhas nacionais no ensino básico. Mas depois as cartilhas são utilizadas principalmente como auxiliares aos ideograma chineses. Para o japonês, a tensão entre a língua japonesa e o ideograma chinês é essencial, não importando o peso do fardo que ela coloca sobre o aprendizado e a alfabetização.
Há regras rígidas de comportamento adequado que dizem como todo japonês deve se dirigir para falar com sua tia, como o chefe de seu tio e com a amante de seu primo. Mas há também o incentivo do excêntrico, ao qual se dá uma margem de liberdade quase infinita. Sengai, o último e talvez o maior dos "Expressionistas Zenga" ( ele morreu em mil oitocentos e trinta e oito, com quase noventa anos ), por exemplo, era um clérigo respeitado, abade de um templo antigo e dos mais sagrados; no entanto, com oitenta e cinco anos de idade ele também era um espírito livre que viajava por todo o país, muitas vezes acompanhado de pessoas simples, e gostava de pintar sapos satíricos parecendo com o Buda, malabaristas de circo e vendedores de balão de feiras do interior.
Esta polaridade pode ser encontrada atualmente na indústria japonesa e em suas relações humanas. Para um ocidental, a organização pode ser autocrática, mas, para o japonês, pode ser ambos. Certamente, não há um exemplo mais perfeito da personalidade autocrática do que o do chefe de uma grande organização japonesa, seja ela uma agência governamental ou uma empresa. No entanto, a tomada de decisão é participativa e por consenso, e começa da base para o topo, e não do topo para a base. Em toda organização japonesa, desde os tempos antigos até o presente, a palavra do chefe tem sido a lei absoluta; o chefe podia ordenar a um empregado que cometesse suicídio ou se divorciasse de sua esposa. No entanto, nenhum chefe podia dar um passo sem o consentimento de seus empregados, e ainda sem a participação ativa dos mais velhos do clã. De forma semelhante, as pessoas atualmente no topo de uma empresa ou de uma agência do governo são obedecidas sem discussões ou reservas; no entanto, toda decisão vem de baixo para cima e é expressão da vontade geral. Em termos ocidentais, toda organização japonesa é um caso extremo de autocrítica e um caso extremo de participação democrática.
A tensão não é dialética, resolvida em uma síntese maior, e nem um princípio supera o outro. Ela não é o dualismo do yin e yang chinês. O japonês não mistura seus princípios muito mais do que misturaria o polo norte com o polo sul. Pois a tensão japonesa não é contradição ou contraste ou conflito ( as tensões da mente analítica ). Ela é polaridade: a tensão da percepção, da configuração, da existência. Para entender a arte e a vida japonesas, é preciso aceitar a polaridade entre a ornamentação e o austero; entre a supremacia masculina e o poder feminino; entre moleques mimados e estudantes disciplinados; entre a língua japonesa, com suas flexões de verbos, e o roteiro das cartilhas e as complexidades dos ideogramas chineses. Tais polaridades são essenciais para o Japão e, até onde se sabia na época, só o Japão.
É esta tensão e esta polaridade que fizeram do japão, ao longo de sua história, um país de contrastes, de oscilações súbitas e acentuadas: da receptividade totalmente aberta para as culturas estrangeiras e para o comércio exterior ao isolamento autoimposto, por exemplo, o século dezessete. No entanto, esta polaridade é também a que gera para a arte, a literatura e a indústria japonesas, sua dinâmica e criatividade.
O ocidental que tem negócios no japão ( um professor que vai ministrar palestras ou o empresário que negocia um contrato ) logo fica familiarizado com a expressão "Wareware Nihon-jin", que significa "Nós, japoneses". Mas, sempre que é utilizada ( e esta expressão é utilizada o tempo todo ), transmite "Nós, japoneses, somos tão diferentes que vocês nunca irão nos compreender". Para entender o que um amigo japonês ou um parceiro nos negócios ou um estudante na audiência que se levanta e faz uma pergunta querem dizer quando começam com Wareware Nihon-jin, é preciso olhar para pinturas japonesas de paisagem. Mas onde estão as pessoas nas paisagens ( os Nihon-jin )? Porém, é precisamente em sua ausência, ou na subordinação á sua terra, que está a questão. Pois Nihon-jin não significa apenas japonês. Significa "Nós que pertencemos à terra do Japão". A pintura de paisagem é a alma da arte japonesa porque a paisagem japonesa se constitui na alma do Japão.
Os japoneses extraíram algumas das características destas pinturas de paisagem dos chineses; a bizarra formação rochosa das regiões erodidas do calcário chinês que pode ser vista em muitas pinturas japonesas de paisagem é um exemplo. Porém, a maioria das características destas paisagens pode ser encontrada no Japão; de fato, um japonês amigo, à época, de Peter Ferdinand Drucker, chegou a afirmar conhecer o vale ( em algum lugar perto de Gifu ) que Gyokudõ, o grande pintor de paisagens do século dezenove, tantas vezes pintou em sua pequena paisagem lírica. A paisagem japonesa se parece com a paisagem dos pintores japoneses, como sabe todo mundo que já viajou pelo interior do Japão. No entanto, a paisagem japonesa não se parece nem um pouco com a paisagem da Terra. A paisagem do pintor japonês é uma paisagem espiritual, uma paisagem da alma.
O sentimento japonês em relação a esta paisagem faz parte do "Xintoísmo". É provável que nenhum ocidental tenha conseguido, até então, entender plenamente o que significa Xintoísmo. Certamente, não significa uma religião no sentido ocidental; tornou-se uma religião somente após mil oitocentos e sessenta e sete, quando a Restauração Meiji criou uma monstruosidade conhecida como Estado xintoísta, porque sentiu que precisava copiar a forma como as religiões eram estabelecidas no ocidente. Bem mais antigos e abrangentes são os muitos templos e rituais xintoístas, mas existe, acima de tudo, um sentimento xintoísta ( o sentimento da singularidade do Japão como ambiente ). Drucker, à época, diz que não chegou a escrever ambiente humano; é bem mais que isto. É um ambiente completo, tanto para o sobrenatural, para as forças que controlam o universo, como é um ambiente para o homem e os animais, para as plantas e as rochas. Ele é único e completo. Além disto, ele é diferente, representando o aspecto fundamental do Wareware Nihon-jin. Por trás desta expressão, está o sentimento de que o Japão é único; que o japão é por si só. O significado disto está expresso nas pinturas de paisagem. Suas colinas e árvores representam a superfície visível, a pele, de uma paisagem espiritual que é invisível e única. Pode haver paisagens em outros lugares parecidas com isto. Taiwan ( ou Formosa ) possui montes semelhantes, assim como a Coreia. Mas não há alguma paisagem, para um japonês, que tenha o mesmo significado. Uma pintura da paisagem japonesa pode ser uma imagem realista que serve como o documento legal válido para se determinarem as linhas de contorno de um templo xintoísta, como pretendiam algumas das primeiras pinturas japonesas de paisagem; mas, mesmo naquela época, isto também significava um espaço interior, uma paisagem da alma que representa o centro de gravidade da existência japonesa. Esta paisagem, e por assim dizer, o Japão an sich.
Drucker não chegou a dizer à época que os japoneses eram, de fato, únicos; chegou a dizer que os japoneses sentiu que eram. Isto não quer dizer que eles se sintam superiores; o nacionalismo tem sido um vício japonês somente em momentos raros e curtos de aberração. Eles se sentem diferentes porque se sentem em casa somente naquelas paisagens de suas almas. Isto pode explicar por que, de todos os estudantes estrangeiros nos EUA e na Europa, os japoneses são os únicos que, com algumas exceções, não conseguem ver a hora de voltar para casa.
Chega-se agora que Drucker chamaria de "estética japonesa" ou "abordagem topológica" ou "O que faz um chinês ficar tão inquieto quando olha uma pintura japonesa?".
Quase toda pintura japonesa de paisagem poderia ser utilizada para demonstrar a estética japonesa. As pinturas do seculo quinze, deliberadamente, decidiram seguir os chineses, da mesma forma que os pintores Nanga do século dezoito. No entanto, coloque um especialista chinês ou um historiador de arte chinês diante destes trabalhos de pintura e ele ficará inquieto. "Sim, estes montes se parecem um pouco com a China. Sim, esta rocha se parece com alguma outra pintura na China. As pinceladas são desta ou daquela escola. E, certamente, a técnica de pincel segue outro exemplo chinês. no entanto, no entanto, no entanto..." O que ele está dizendo ( se for sincero ) é o seguinte: "No entato, elas definitivamente não são pinturas chinesas. Elas me deixam bastante inquieto e eu não entendo o motivo. E eu não as quero por perto.".
Basta colocar um destes trabalhos ao lado de pinturas chinesas para entender os sentimentos dele. Drucker não chegou a dizer, na época, que não era possível confundir uma pintura chinesa com uma japonesa, e vice-versa. A técnica é a mesma, as pinceladas são as mesmas, os valores da tinta são os mesmos; mas a pintura é diferente. O que faz a diferença é o senso de beleza japonês. As pinturas japonesas são dominadas pelos espaços vazios. Não se trata apenas de boa parte da tela estar vazia. Os espaços vazios organizam a pintura. Isto é o oposto do que a maioria dos chineses faria, mas é básico para a estética japonesa. A mesma estética é encontrada nas pinturas japonesas de todas as escolas, e nos trabalhos de pintores que seguiram os chineses, bem como nos trabalhos de pintores que os rejeitaram.
Se fosse definir esta estética em comparação com as das pinturas ocidentais e chinesas, Drucker diria que a pintura ocidental é basicamente geométrica. Não é coincidência o fato de a moderna pintura ocidental começar com a redescoberta da perspectiva linear por volta de mil quatrocentos e vinte e cinco ( isto é, com a subordinação do espaço à geometria ). A pintura chinesa, por sua vez, é algébrica. Na pintura chinesa, a proporção comanda, da mesma forma que na ética chinesa. Em comparação, a pintura japonesa é topológica ( este ramo da matemática, que começou por volta do ano mil e setecentos e lida com as propriedades do espaço e da superfície e em que as forma se as linhas reta e uma curva como uma hipérbole ). A topologia lida com ângulos e vértices e linhas de contorno. Ela lida mais com o que o espeço impõe d que com o que ela impõe ao espaço. O pintor japonês é topológico em sua estética. Ele vê o espaço e depois vê as linhas. Ele não começa pelas linhas.
Por quase cem anos, tem sido comum ouvir os críticos de arte e os historiadores de arte ocidentais dizerem que os pintores não veem objetos, e sim configurações. Porém, o Gestalt que o pintor japonês vê é o que atualmente seria chamado de um projeto, e não de uma estrutura. isto é o que a topologia quer dizer ao afirmar que, topologicamente falando, é o espaço que determina as linhas, e não a linha que determina o espaço. Em discussões sobre a pintura japonesa normalmente se ouve uma referência à tendência japonesa a se tornar decorativa. Os pintores Nanga do século dezoito abominavam o decorativo como totalmente incompatível com a estética e valores de seus modelos intelectuais chineses; no entanto, conforme dizem todas as autoridades no assunto, eles sempre se tornaram decorativos. Como tantas palavras em crítica de arte, o termo "decorativo" é enganoso; a palavra certa poderia ser "projetado". Esta tendência irreprimível na direção do projeto ( a tendência que explica por que a cerâmica e a pintura na arte japonesa tendem a estar intimamente ligadas, enquanto os chineses as mantêm rigorosamente ligadas, enquanto os chineses as mantêm rigorosamente separadas nos aspectos artístico e social ) se baseia na visão japonesa que não é nem em perspectiva ( isto é geométrica ) nem proporcional ( isto é algébrica ), mas topológica do projeto.
Tanto as pinturas a nanquim do século quinze quanto as pinturas nanga do século dezoito olharam para os chineses como modelos e mestres. Ambas aprenderam as técnicas com os chineses, mas também os motivos, o estilo e a forma. No entanto, ambas transformaram a álgebra chinesa em topologia japonesa. Esta capacidade em receber uma cultura estrangeira e depois "incorporá-la no japão" é uma tendência contínua ha história e experiência japonesas.
Por volta do ano quinhentos da era cristã, o budismo e, como ele, a civilização altamente avançada e mais refinada da China invadiram o Japão. De início, o impacto parecia ser o de inundar completamente o Japão. Tudo foi trazido da China ou da Coreia, incluindo monges, arquitetos, artistas, artesãos, escribas, poesia, obras de arte e têxteis. Após apenas dois séculos, por volta do período Nara, o Japão estava produzindo escultura religiosa que era totalmente budista e, ainda assim, profundamente japonesa, embora as técnicas ainda fossem as dos escultores chineses e coreanos. Mas o Japão transformou igualmente as estruturas sociais e governamentais chinesas. Isto fez o budismo e o confucionismo servirem de posse de terra, baseado na propriedade familiar do solo, servir a um sistema em que não havia alguma propriedade sobre a terra como tal. O mesmo aconteceu com a cerâmica, a poesia e a arquitetura.
Está acontecendo novamente hoje; só que agora é o ocidente, em vez da China, que representa a cultura estrangeira a ser incorporada pela japonesa. Formas, técnicas e conceitos são utilizados com muita habilidade. Da mesma forma que fizeram os pintores dos séculos quinze e dezoito, os japoneses rapidamente aperfeiçoaram as técnicas. Existem alguns pintores chineses cujos controle e comando do pincel se igualam à arte do grande pintor de paisagem japonesa do sáculo quinze, Sesshu. Existem poucas companhias ocidentais que possuem o controle e o comando da forma corporativa e das técnicas gerenciais que as grandes companhias comerciais japonesas possuem. Mas a essência é japonesa. Os japoneses não deixam de ser afetados pela influência estrangeira; ela se torna parte da própria experiência deles. No entanto, extraem da influência estrangeira aquilo que serve para manter e fortalecer os valores, crenças, tradições, propósitos e relacionamentos japoneses. O resultado não é um híbrido. conforme mostram as pinturas do século quinze ou as pinturas do século dezoito, ele se torna uma peça única. Esta é verdadeiramente uma característica única dos japoneses.
Repetidas vezes, a sociedade japonesa passou por períodos em que esteve francamente aberta às influências externas. Depois ela se fecha novamente para digerir, modificar e transformar, quase como uma alquimia. Às vezes, aquilo considerado metal básico na cultura estrangeira se transforma em ouro no Japão, como os pintores chineses Mu-ch'i ou Yin T'o-lo do século treze. Ambos foram rejeitados pelos chineses como grosseiros ou vulgares. Eles então se tornaram modelo e mestres para os pintores japoneses mais austeramente refinados dos séculos quatorze e quinze. Porém, às vezes, o metal em uma cultura estrangeira pode transformar-se em escória no Japão, como aconteceu no século vinte com a ideia do Estado nacional, importada do ocidente e transformada em paródia venenosa de uma forma política antiga e peculiarmente japonesa, o shogunato, ou o governo militar. Anteriormente, o shogun sempre servia para eliminar a luta, para tornar a guerra desnecessária e impossível, e, acima de tudo, para evitar a aventura estrangeira.
A estética japonesa é um modo de entender, ou pelo menos de perceber, um elemento fundamental e central: o relacionamento bastante especial ( Drucker diria até único ) entre o Japão e o mundo exterior. é um relacionamento baseado na receptividade, na habilidade para aprender rapidamente e para melhorar aquilo que está sendo ensinado, enquanto, ao mesmo tempo, aceita, ou pelo menos retém, somente aquilo que torna o Japão mais japonês: o que se encaixa na topologia, e não geometria ou álgebra; o que se encaixa nas relações humanas japonesas; o que se encaixa na experiência interna da singularidade japonesa; e no que poderia ser chamado, através de um termo ocidental, de a espiritualidade japonesa. Fala-se de um fenômeno existencial; e a propósito, talvez a melhor tradução para a palavra peculiar Xintoísmo seja "espiritualidade".
A grande questão diante do Japão é se ele consegue manter estas habilidades. Drucker chegou a dizer, á época, achar que muito recentemente o japão está ficando integrado com o mundo exterior, e não apenas economicamente ( talvez o aspecto menos importante seja o econômico ), de uma maneira que nem o Japão dos século seis ( aquele da maré budista e chinesa ) nem o Japão da época Sesshu por volta do ano mil e quinhentos, e talvez nem mesmo o Japão de cento e quarenta anos atrás, poderiam tem imaginado. Será que ainda é possível para o Japão encapsular e transformar em japonês o estrangeiro, o não japonês, a cultura, o comportamento, a ética e mesmo a estética?
Sem a ousadia da promoção de especulação, há alguns sinais no ar. Olhando para as artes visuais que atualmente prosperam no Japão ( a moderna gravura japonesa; o cinema japonês; a cerâmica moderna japonesa; e talvez ser possa acrescentar a arquitetura japonesa ), pode-se dizer que há uma possibilidade, e até mesmo uma probabilidade, de os japoneses estarem novamente incorporando a cultura importada. A gravura japonesa é moderna e japonesa de forma muito parecida como a escultura Nara era budista e japonesa. Da mesma forma também, em grande medida, são as cerâmicas atuais do Japão. Só pode haver a expectativa de que os japoneses façam novamente o que fizeram tantas vezes antes. O mundo precisa de uma cultura que seja, ao mesmo tempo, moderna e de forma distintiva e única, não ocidental. Ele precisa de um Japão japonês, em vez de uma versão japonesa de Nova Iorque ou Los Angeles ou Frankfurt.
"Dez minutos de oitenta anos", conta-se que teria respondido Hakuin Ekaku ( grande mestre Zen do século dezoito ) quando indagado quanto tempo levou para ele pintar um de seus quadros de Daruma, fundador da seita Zen. Certamente, Rembrandt poderia ter dado a mesma resposta quando indagado quanto tempo levou para pintar os autorretratos de sua velhice, Claude Monet quando indagado sobre quanto tempo levou para pintar um de seus hinos à luz em suas versões da Catedral de Rouen, ou Pablo Casals quando indagado sobre quanto tempo precisou para tocar uma das "Suítes para Viloncelo Solo" de Bach. Porém, a resposta de Hakuin tem dois níveis de significado além daquele do artista ocidental: ela expressa uma visão japonesa sobre a natureza do homem e uma visão japonesa sobre a natureza do aprendizado.
Eles podem ser vistos na dimensão da figura e pintura de retrato para a qual o ocidente realmente não possui um paralelo, nem a China: o autorretrato espiritual. Se um ocidental diz que levou oitenta anos para conseguir fazer o que o autorretratos de Rembrandt apresentam, ou a luz pura de Monet e o Bach de Casals, ele fala de décadas de prática necessária para adquirir perícia. Mas os "oitenta anos" do provérbio japonês se referem, acima de tudo, à autorrealização espiritual para se tornar uma pessoa que possa pintar Daruma. Há um velho provérbio Zen que diz: "Todo quadro de Daruma é um autorretrato espiritual.". O pintor Zen que não trabalhou por décadas no controle de seu ser não será a pessoa a pintar Daruma. Daruma não é uj deus e não é um santo. Ele é um homem; mas é um que realizou o pleno potencial espiritual do homem, que atingiu o pleno poder espiritual do homem e que transformou a si próprio em um ser espiritual. Somente um pintor que também se transformou no homem espiritual que Daruma representa pode pintar um retrato no qual possa inscrever, como Hakuin quez em um de seus Daruma: "É isso!". O poder espiritual, as qualidades espirituais de Daruma não podem ser falsificadas. Não importa quão grande sejam as habilidades do pintor, se lhe faltarem estas qualidades, elas faltarão em Daruma também.
Kanõ Tanyu, em meados do século dezessete, e Rosetsu, um século depois, mestres muito grandes e únicos na técnica de pintura, pintaram Daruma. O Daruma de Tanyu parece um velho burocrata ou um banqueiro bem-sucedido; o de Rosetsu se parece com um urbano e inteligente presidente de um departamento de pós-graduação da universidade. Ambas são excelentes pinturas, mas nenhuma possui espiritualidade, poder ou controle total convincente. Porém, o Daruma de um pintor que possua ele próprio a espiritualidade será este poder mesmo se, como no caso de um Daruma pintado por Hakuin em estrema velhice, o corpo fique pesado pela enfermidade física da idade avançada, os olhos estejam quase cegos e a morte esteja bem próxima.
Daruma é mortal. Ele é um ser sensível. Porém, diferentemente dos santos do cristianismo ou do budismo, ele não depende da graça divina, de um ser Supremo, ou da redenção. ele alcançou a perfeição espiritual através de seus próprios esforços e respeitando a divindade dentro de si. Isto não é uma visão humanista do homem, mas espiritual e existencial. É uma visão que foca na sabedoria, e não no conhecimento; no autocontrole, e não no poder, na excelência, e não no sucesso.
O provérbio Zen dos "dez minutos e oitenta anos" também expressa um conceito único japonês sobre o aprendizado contínuo. No ocidente e na China, aprende-se a se preparar para o próximo trabalho, para uma promoção, para um novo desafio. O exemplo mais extremo era o do sistema confuciano de exame da China Imperial, em que a pessoa precisava realmente desaprender o que o primeiro exame testou para ficar pronta para o segundo exame. A moderna escola de medicina ocidental não é muito diferente também, assim como muitos cursos avançados de Administração. No entanto, no Zen se aprende a fazer melhor aquilo que já se faz bem. Continua-se pintando Daruma até o controle de se tornar completamente espontâneo. Desenha-se toda manhã, como fez o calígrafo Konoe Nobutada no início do século dezessete, um quadro de Tenjin ( o patrono do aprendizado ); o esmo quadro, mas com uma maestria cada vez maior. Ou, como Nakabayashi Chikutõ por volta do ano mil e oitocentos, pintam-se as mesmas paisagens repetidas vezes. Claro que, no ocidente, o artista também faz issto: Casals executou as suítes de violoncelo de Bach até sua morte, já bem depois dos noventa anos de idade. Mas no ocidente ( e na China ) somente o artista faz isto; as demais pessoas são como os estudiosos de Confúcio, que passam em exame para se qualificar para fazer o seguinte, e para aquele cuja promoção é o trampolim para a para a próxima.
No Japão, existe, até hoje, o especialista em companhia comercial, o especialista em algodão, por exemplo, ou em máquinas de carpintaria, que ganham mais dinheiro e cargos maiores, mas que permanecem especialistas em algodão ou em máquinas de carpintaria por toda vida profissional, tornando-se mais realizados a cada ano. Existe o processo de aprendizado contínuo nas fábricas japonesas, onde os empregados ganham mais dinheiro com a experiência, mas se mantêm fazendo o mesmo trabalho atual. E há o conceito único japonês do Tesouro Vivo Nacional, o grande artesão ou artista que se destacou fazendo o mesmo trabalho. A teoria ocidental da curva de aprendizagem não é aceita no Japão ( a teoria segundo a qual as pessoas atingem um patamar de realização após certo tempo e depois permaneceu nele ). A curva de aprendizagem japonesa os faz romperem este patamar novamente através da prática contínua, até alcançarem um novo patamar novamente através da prática contínua, até alcançarem um novo patamar, quando, então, mais uma vez, após algum tempo, começam a aprender a crescer, e assim por diante, sempre se aproximando da perfeição. A curva de aprendizagem japonesa, da mesma forma que "os dez minutos e oitenta anos" de aprendizado contínuo para fazser melhor aquilo que já se faz bem.
O conceito japonês ou Zen de aprendizagem não é isento de perigos. Ele pode degenerar em imitação e repetição. foi isto que aconteceu com a Escola Kanõ de pintura. foi a arte oficial do Japão por quase trezentos anos, de meados do século dezesseis a meados do século dezenove. Ela se manteve nesta posição por insistência no aprendizado contínuo, em uma técnica meticulosa, com estrita adesão aos modelos. Assim, ela manteve a competência técnica. No entanto após o anos mi seiscentos e cinquenta, ela rapidamente se degenerou em cópia mecânica. E ainda estava fazendo cópias mecânicas quando, mais de dois séculos depois, a Restauração Meiji abriu o Japão para o ocidente. Mas, embora capaz de se degenerar em cópia mecânica e repetição descuidada, a tradição Zen está mais próxima de ser uma genuína teoria da aprendizagem do que do conceito ocidental e chinês de aprender para fins de promoção, progresso ou seguir adiante. Com seu foco no desenvolvimento dos pontos fortes de uma pessoa, ela antecipou em centenas de anos as teorias modernas da pessoa e da autorrealização. De fato, há uma profunda sabedoria na ideia de que o trabalho é uma extensão da personalidade, e a personalidade, uma destilação do trabalho, de forma que a pessoa não consegue pintar as qualidades espirituais de Daruma sem possuí-las pessoalmente, mas também não consegue se tornar Daruma pintando-o todo dia por décadas.
A ideia e a sabedoria que residem na concepção Zen da pessoa e da aprendizagem estão em risco no Japão atual. O sistema educacional japonês optou por ser um extremo da posição ocidental e confuciana, que enxerga o propósito do aprendizado como estar pronto para o próximo exame, a próxima promoção, a próxima recompensa externa. As crianças são treinadas para passar no exame de admissão da creche, assim como para passar no exame de admissão do jardim de infância, que por sua vez, leva ao exame de admissão para a escola elementar, e para o colégio, a universidade e a corporação. será que ainda existe espaço para a ênfase no aprendizado para se tornar, no aprendizado para ser, no aprendizado para dizer, "É isso!" ao pintar Daruma como um retrato espiritual?
Até agora, foi utilizada a pintura japonesa para olhar para o japão. Agora será utilizada a pintura japonesa para olhar o ocidente e para a arte moderna ocidental. Rosetsu pintou The Temple Bell at Dõjõ-ji nos anos mil setecentos e oitenta. O título se refere a uma peça conhecida no Kabuki. Mas a pintura em si é praticamente abstrata e não objetiva. No entanto, ela foi pintada um século e meio antes de haver pintores abstratos no ocidente. Mas ela não é de forma alguma a pintura abstrata mais antiga do Japão ; na verdade, estas pinturas podem ser rastreadas na história chegando até o período heian no século dez. Tani Bunchõ, o grande mestre pintor em Edo ( atualmente, Tóquio ), pintou Flowering Plum Tree in the Moonlight pouco depois do ano mil e oitocentos. Ele antecipa o que Turner ou Monet tentaram fazer meio século depois no ocidente: transformar a luz no objetivo de uma pintura. Um Daruma de Hakuin é um quadro expressionista, como aqueles de Klimt, Schiele e Kubin, e Picasso em seus anos expressionistas, e Matisse, mas com um poder que poucos tinham. O Modernismo na arte ocidental é assim antecipado pela tradição japonesa. Existe uma história ( talvez apócrifa ) de que Picasso teria sido levado em mil novecentos e cinquenta e três a uma exposição de pinturas japonesas em paris, dos trabalhos do monge e pintor Zen Gibson Sengai, que morreu em mil novecentos e trinta e oito, e da qual ele teria saído de forma tempestuosa exclamando furiosamente que se tratava de uma farsa, pois ninguém poderia ter pintado daquela forma sem antes ter visto uma obra de Picasso. De fato, o Modernismo na arte ocidental foi antecipado, prefigurado, pela tradição japonesa.
No entanto, os ocidentais certamente nunca haviam posto os olhos nos originais japoneses nem mesmo ouvido falar deles. Tirando o ukiyo-e ( as xilogravuras ), a arte japonesa era praticamente desconhecida no ocidente até anos bem recentes. Em outras palavras, o ocidente desenvolveu, no último século, elementos de uma visão e uma sensibilidade modernas que, no japão, já eram antigas. O ocidente aprendeu a ver um pouco da mesma maneira que os japoneses têm visto o tempo todo. O ocidente passou da descrição e da análise para o projeto e a configuração.
Marshall McLuhan anunciou que a mídia eletrônica mudou a maneira de ver e interpretar o mundo, e que está trazendo uma percepção, em vez de conceber. Mas uma visão da percepção ocidental como informada por uma compreensão da arte japonesa levaria à conclusão de que a esta mudança começou muito mais cedo e nada deve à tecnologia eletrônica. Pelo contrário, parece mais provável que o ocidente ficou pronto para esta tecnologia eletrônica e se mostrou receptivo a ela porque sua percepção mudou da descrição e da análise tradicionais para a percepção do projeto e a configuração que o Japão já conhecia o tempo todo.
Um ilustre historiador da pintura moderna ocidental, Robert Rosenblum, em seu Modern Painting and the Northhern Romantic Tradition: Friedrich to Rothko, publicado por Nova Iroque: Harper & Row, em mil novecentos e setenta e sete, afirma que a pintura moderna ocidental tem suas raízes nos pintores do século dezenove do norte, principalmente o norte da Alemanha ( Caspar David Friedrich e Otto Runge ), que mudaram da descrição para o projeto. Mas ele poderia ter argumentado que isto é precisamente o que ocorreu no Japão bem antes: percepção contra concepção, projeto contra descrição, topologia contra geometria e configuração contra análise têm sido realmente características contínuas da arte japonesa do século dez em diante.
Edwin O. Reischauer, ex-embaixador americano no Japão e principal autoridade em história e sociedade japonesas, escreveu em seu recente livro The Japanese, publicado por Cambridge, Mass.: The Belknap Press, em ml novecentos e setenta e oito, que o Japão nunca produziu um pensador grande ou original de primeira linha. Isto foi concebido como uma crítica severa, especialmente no Japão vem da percepção, em vez de ser conceitual.
A imponente realização do final da Idade Média no ocidente foi o Suma Teológica de Tomás de Aquino talvez o feito conceitual e analítico mais ousado na história humana. A principal conquista da Idade Média do Japão, no século onze, é o primeiro romance do mundo, Tale of Genji, de Murasaki Shikibu, repleto de descrições íntimas de amor, doença e morte de homens e mulheres na vida da corte. O maior dramaturgo do Japão, Chikamatsu. No entanto, ninguém esquece uma cena. Chikamatsu não era dramaturgo, mas um roteirista genial. Sem as vantagens das ferramentas cinematográficas, seu teatro Kabuki inventou técnicas de cinema; o mie em que os atores congelam é por exemplo, o equivalente ao close-up no filme.
O perceptivo na tradição japonesa está, em grande medida, por trás da ascensão do japão como uma sociedade e uma economia modernas. Ele permitiu que o japonês captasse a essência, a configuração fundamental das coisas estrangeiras e ocidentais, seja uma instituição ou um produto, para em seguida refazê-las. A coisa mais importante que poderia ser dita sobre o Japão, vista através de sua arte, pode muito bem ser o fato de ser perceptivo. Outras informações podem ser obtidas no livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.
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