quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Gestão de pessoas: a estabilidade gerada pelo medo

O debate sobre a validade científica da Teoria X ( * vide nota de rodapé ) ou da Teoria Y ( * vide nota de rodapé ) é, portanto, em grande parte, uma batalha simulada. A pergunta a ser feita pelo gestor não é: "Que teoria sobre a natureza humana está certa?". A pergunta adequada é : "Qual é a realidade da minha situação e como posso desincumbir-me de minha tarefa de gerenciar o trabalhador e a execução do trabalho na situação de hoje?".

O fato básico - impalatável, mas inescapável - é que a abordagem tradicional da Teoria X à administração, ou seja, o estilo do chicote e da cenoura, não mais funciona. Nos países desenvolvidos, já não funciona nem para os trabalhadores manuais e em lugar nenhum para os trabalhadores do conhecimento. Os gestores já não dispõem do chicote e dos incentivos da cenoura estão ficando cada vez menos atraentes.

A abordagem tradicional à administração do trabalhador e à execução do trabalho era a fome e o medo. Tradicionalmente, com raras exceções, toda a sociedade vivia à beira da subsistência e sob ameaça constante da inanição. Bastava um ano de más safras para que o camponês indiano ou chinês tivesse de vender a filha à prostituição. Uma única safra ruim bastava para que o pequeno agricultor perdesse o minúsculo pedaço de terra que se interpunha entre ele e a mendicância. Agora, mesmo nos moderadamente ricos, existe um piso econômico bem acima do nível de subsistência, até para os muito pobres. Hoje, os trabalhadores sabem, em todos os países desenvolvidos, que perder o emprego não significa inanição. Os trabalhadores que de uma hora para a outra ficam sem trabalho talvez tenham de abrir mão de muitas coisas que gostariam de ter, mas sobreviverão.

O Lumpenproletariat de Marx, ou seja a categoria dos trabalhadores não empregáveis, ainda existe, mesmo em alguns países muito ricos. Mas o proletariado de Marx desapareceu - e, com ele, a Teoria X, pelo menos na visão de Peter F. Drucker.

Mesmo onde ainda existe, o medo em grande parte deixou de ser motivador. Em vez de fator de motivação, o medo em grande parte transformou-se em fator de desmotivação. Uma das causas desta mudança é a difusão da educação. Outra é o surgimento da sociedade das organizações. A disseminação da educação torna as pessoas empregáveis. Oferece-lhes horizontes mais amplos. Mesmo indivíduos com baixa escolaridade na sociedade atual têm acesso a oportunidades. Numa sociedade de organizações é muito maior a probabilidade de conseguir trabalho. Nas sociedades de organizações há mobilidade lateral. Perder o emprego ainda é traumático. Mas não chega a ser catastrófico.

O colono da antiga Inglaterra, que fosse despejado pelo proprietário da terra, se tornava um mendigo robusto ( sturdy beggar ). Não havia outro emprego para ele, a não ser trabalhos ocasionais como biscateiro, com o que evitava morrer de fome. Perder o trabalho era como uma sentença de morte, que não raro se estendia aos filhos e netos. Transformava o desempregado em desterrado. Agora, quem perde o emprego procura agências de emprego públicas ou privadas para obter novo trabalho. Hoje, mesmo nas profundezas de uma grave depressão - por exemplo, a recessão americana ocorrida entre mil novecentos e setenta e quatro e mil novecentos e setenta e seis - , o desemprego duradouro, ou seja, aquele que se prolonga além do prazo do seguro-desemprego, é muito raro para adultos do sexo masculino, esteio de família.

Além disso, a segurança do emprego é crescente, protegendo os empregados contra demissões repentinas ou facilitando a recolocação. Várias são suas formas. Na Suécia, um órgão colegiado tripartite garante outro emprego aos demitidos e oferece treinamento e apoio entre os empregos a qualquer pessoa que fique desempregada. Na maioria dos países europeus ( e da América Latina ) aumentaram as restrições legais às demissões imotivadas. Disposições legais referentes ao tempo de serviço asseguram o direito à segurança no emprego, durante longos períodos, por meio de cláusulas contratuais.

Todos os países desenvolvidos estão adotando o sistema das universidades modernas, em que os membros do corpo docente, depois de alguns anos de serviço, adquirem estabilidade, o que praticamente obriga a universidade a garantir-lhes a posição de magistério. Ao mesmo tempo, os membros do corpo docente têm mobilidade ilimitada, podendo movimentar-se com liberdade de uma posição para outra.

O Japão assegura o emprego vitalício, que vincula tanto o empregador quanto o empregado. Portanto, o medo da demissão inexiste no Japão, ao menos nos setores modernos. Este é considerado um dos principais fatores das realizações econômicas do país.

O exemplo japonês também mostra que, quanto o medo desaparece, mais contraproducentes se torna os resquícios do medo. O trabalhador japonês sabe que será preso a um empregador e que será difícil encontrar outro emprego se perder o atual. Essa situação o compromete com o sucesso da empresa que o emprega, mas também o leva a ressentir-se com amargor de qualquer mudança estrutural na economia, capaz de ameaçar sua empresa ou sua atividade - motivo, por exemplo, das relações trabalhistas extremamente ruins nas ferrovias japonesas. A imobilidade do trabalhador japonês também o torna indefeso contra as pressões para o conformismo exercidas pela organização, situação cada vez mais inaceitável para os jovens com alta escolaridade. Com efeito, embora ainda esperando a segurança do emprego vitalício, os jovens, cada vez mais, reivindicam o direito de mudar para outro empregador. Rousseau observou, dois séculos atrás, que o direito de emigrar é a garantia derradeira da liberdade pessoal.

É razoável prever que o Japão evoluirá para um sistema em que o trabalhador tem garantia de renda e trabalho, mas também desfruta de mobilidade.

A moderna psicologia comportamental tem demonstrado que o grande medo gera coerção, enquanto os resquícios de medo provocam apenas ressentimento e resistência. O medo, em todos os países desenvolvidos, perdeu o poder coercitivo. Os remanescentes do medo ainda existentes não motivam, mas destroem a motivação - exatamente porque carecem do poder absoluto e da credibilidade inequívoca.

O grande medo ainda motiva onde é efetivamente inquestionável, como se constata pelo sucesso realmente inesperado de uma nova abordagem à cura do alcoolismo. todo mundo sabe que os verdadeiros alcoólicos não conseguem para de beber até se sentirem completamente no fundo do poço, totalmente exauridos. Porém, muitos empregados estão descobrindo que grande porcentagem dos trabalhadores alcoólicos efetivamente para de beber - para sempre - se lhe disserem em termos convincentes e categóricos que, do contrário, serão despedidos e que os possíveis empregadores serão prevenidos quanto ao vício deles, tornando muito improvável que consigam outro emprego.

Porém, exceto esses casos excepcionais, em que os alcoólicos sabem que estão perdendo a empregabilidade, ou a capacidade de conseguir emprego, o medo terrível que empurrava os trabalhadores do passado, não mais está disponível para os gestores de hoje, nos países desenvolvidos, queiram os gestores ou não. é extremamente tolo tentar depender de pequenos chicotes, ou seja, quaisquer remanescentes de medo ainda existentes. Sem dúvida, todas as organizações precisam de dispositivos organizacionais, mas sua função e propósito são cuidar do atrito marginal. Elas não podem fornecer o impulso. Se forem mal usados, no intuito de impulsionar, os dispositivos disciplinares só podem provocar ressentimento e resistência. Eles só podem ser desmotivadores. Outras informações podem ser obtidas no livro Fator humano e desempenho, de autoria de Peter F. Drucker.

PS.: Nota de rodapé: O que são as teorias X e Y são melhor explicadas em 

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