sexta-feira, 27 de março de 2020

Visão: um pé no futuro e outro no chão

Todo mundo sabe que Thomas Watson ( que viveu entre mil oitocentos e setenta e quatro e mil novecentos e cinquenta e seis ) era um homem de negócios e que transformou a IBM em uma empresa gigante de computadores. Mas todo mundo está errado. O Sr. Watson não construiu a IBM que conhecemos hoje. Foi seu filho, Thomas Watson Júnior, que fez isto, a partir de mil novecentos e quarenta e seis, aos trinta e dois anos de idade, quando se juntou à administração superior da empresa ( embora seu pai tenha permanecido, até mil novecentos e cinquenta e seis, extremamente ativo como CEO ). A IBM fo pai nunca foi mais que uma empresa de porte médio. Até mil novecentos e trinta e oito, suas vendas atingiram apenas trinta e cinco milhões de dólares. E nessa época, claro, não fabricava nem vendia computadores; seus produtos principais eram máquinas de perfurar cartões e relógios de ponto.

Longe de ser um líder de negócio, o Sr. Watson somente logrou sucesso pessoal e reconhecimento bem depois dos sessenta anos de idade. Nos anos trinta, esteve pessoalmente, por duas vezes, à beira da falência. O que o salvou e intensificou as vendas da IBM durante a Depressão foram dois atos legislativos do New Deal: a Lei da Seguridade Social, de mil novecentos e trinta e cinco, e a Lei dos Salários / Horas, de mil novecentos e trinta e sete / mil novecentos e trinta e oito. Elas exigiam que se registrassem os salários pagos, as horas trabalhadas e as horas extra-ordinárias de uma forma que os empregadores não pudessem manipular os registros. Do dia para a noite, foram criados mercados para as máquinas tabuladoras e dos relógios de ponto que o Sr. Watson, vinha tentando vender havia anos, com sucesso apenas moderado.

Em mil novecentos e trinta e nove, quando Peter F. Drucker trabalhava em Nova Iorque como correspondente de um grupo de jornais britânicos, estava querendo escrever um artigo sobre Watson e a IBM. Drucker chegou a dizer ter ficado interessado na empresa em razão do grande pavilhão que ela havia montado na Feira Mundial de Nova Iorque. Drucker chegou a dizer que achava-se contando uma história de uma empresa nanica que se comportava como gigante poderia ser divertido. "Esqueça", escreveu seu editor à época. "Não estamos interessados na história de uma empresa medíocre que, até onde qualquer um possa vislumbrar, jamais chegará a ser alguma coisa.". E, na época, Watson já completara sessenta e cinco anos de idade.

Entretanto, o Sr. Watson, era algo bem mais importante do que um homem de negócios bem-sucedido que construiu uma grande empresa. Ele era um visionário. Foi, em grande parte, o construtor daquilo que hoje é denominada de sociedade pós-industrial e um dos grandes inovadores sociais da história dos Estados Unidos da América ( EUA ). Há noventa anos, ele teve a visão de processamento de dados e de informação. Em meio à depressão, e ele próprio, em estado quase falimentar, financiou a pesquisa que produziu tanto os fundamentos teóricos do computador quanto seu primeiro protótipo, altamente avançado.

Há quase um século, ele também inventou e colocou em prática o que se conhece, se estuda e se imita hoje nos EUA como administração japonesa - desnecessário dizer que ele o vez sem a mais remota ideia do que acontecia no Japão e sem se basear nos então existentes práticas dos EUA.

Na verdade, o problema de Watson era que ele estava muito à frente de seu tempo, tanto em termos de visão quanto de práticas.

Drucker chegou a dizer ter conhecido Watson no começo dos anos trinta. Ele fora eleito presidente da seção americana da Câmara Internacional de Comércio - um posto que ninguém mais queria - e Drucker, então um jovem repórter, fora enviado para entrevistá-lo. Entretanto, a entrevista não fazia qualquer sentido para o editor de Drucker e ele recusou a publicá-la. Obviamente, Watson só havia elaborado sobre as atitudes de se esperariam da Câmara de Comércio. Ele falou sobre livre-comércio, cooperação internacional e sobre "o papel do homem de negócios como embaixador da paz". Mas, então, ele começou a falar sobre o que era, claramente, seu verdadeiro interesse - coisas que ele denominava dados e informações. O que ele queria dizer com estes termos - e que, à época, não combinava com o entendimento de qualquer outra pessoa - , ele não conseguia explicar. Na verdade, a imprensa geralmente o tratava como maluco.

Drucker chegou a dizer ter dúvidas se o próprio Watson entendia mas não sabia explicar ou se sequer entendia e mesmo sabendo explicar, não o conseguia por isto. Watson tinha uma visão - ele conseguia vislumbrar. Mas, diferentemente da maioria dos visionários, transformava sua visão em ações.

Algum tipo de computador eventualmente surgiria se Watson não existisse. À época, havia muitas pessoas competentes trabalhando em máquinas de calcular super-rápidas, especialmente sob o ímpeto da Segunda Guerra Mundial, com as necessidades de equipamentos de navegação para aeronaves; equipamentos de disparo para canhões de longo alcance que atiravam em alvos invisíveis, bem além do horizonte; bombas aerotransportadas; e armas antiaéreas. Contudo, sem Watson, o computador poderia ter sido bem diferente: uma máquina de calcular e não um processador de informação. Sem Watson e sua visão, o computador teria sido criado como ferramenta, e não como uma tecnologia.

Watson não inventou um único componente de hardware. Ela não tinha qualquer formação educacional técnica - na verdade, quase não havia frequentado a escola, tendo começado a trabalhar, assim que completou dezoito anos de idade, como vendedor de máquinas de costura, pianos e órgãos em sua terra natal, na região norte do Estado de Nova Iorque. Além disto, ele não tinha qualquer tipo de teoria. Ele, positivamente, não era um inventor, nos moldes de Thomas Edison ou de seu contemporâneo, Charles Kettering. Os computadores que patrocinou, financiou e incentivou - o primeiro terminado em mil novecentos e quarenta e três e outro, quatro anos mais tarde, em mil novecentos e quarenta e sete - contribuíram muito pouco em termos de soluções em hardware e engenharia até mesmo para os primeiros computadores comerciais da própria IBM, lançados em mil novecentos e cinquenta.

Entretanto, Watson enxergava e entendia o computador quinze anos antes que o termo fosse cunhado. Ele sabia, desde cedo, que esta máquina deveria ser completamente diferente de uma calculadora de alta velocidade. E ele não descansou até que seus engenheiros construíssem o primeiro verdadeiro computador operacional. Watson especificou muito antes - provavelmente, no final dos anos trinta - o que os técnicos especializados hoje chamam de arquitetura de um computador: capacidade de armazenar dados; memória e acesso randômico a ela; capacidade de receber instruções e de modificá-las, para que pudessem ser programadas e expressar sua lógica em linguagem de computador. A Calculadora Eletrônica de Sequência Seletiva ( Selective Sequence Eletronic Calculator - SSEC ), de mil novecentos e quarenta e sete, era muito mais poderosa e incomparavelmente mais flexível do que qualquer máquina então existente ou em estágio de planejamento. Seus doze mil e quinhentos tubos a vácuo e vinte e um mil comutadores eram capazes, por exemplo, de resolver equações diferenciais parciais ( cálculos complexos ). Foi, acima de tudo, a primeira máquina - e, durante muito tempo, a única - capaz de combinar computação eletrônica com programas armazenados, com sua própria linguagem de computador e com capacidade de processar suas instruções como dados. Isto é, mudar, corrigir, atualizar estes dados com base em novas informações. Estas são precisamente as características que diferenciam um computador de uma calculadora.

Quando a IBM iniciou o projeto de construir um computador para ser vendido em grande quantidade, aplicou hardware desenvolvido, em grande parte, por terceiros - principalmente pelos laboratórios universitários do Massachussetts Institute of Technology ( MIT ), Princeton, Rochester e Pensilvânia. Contudo, todo o design obedecia às especificações originalmente formuladas por Watson. Isto explica por que o seiscentos e cinquenta, o primeiro computador comercialmente bem-sucedido da IBM, se tornou imediatamente líder e padrão da indústria após sua introdução, em mil novecentos e cinquenta e três; por que vendeu mil e oitocentas unidades durante seus primeiros cinco anos no mercado - o dobro do que a melhor pesquisa de mercado havia previsto que seria a venda total de computadores no mundo inteiro ao final do século vinte; e porque deu à IBM a liderança mundial em computadores, posição ocupada até há bem pouco tempo.

A história técnica dos computadores, em seu início, é um tanto nebulosa. O papel desempenhado por Watson desempenhou papel-chave na história conceitual dos computadores. Houve muitos outros que foram importantes, para não dizer centrais, no desenvolvimento do computador; mas Watson criou a era da computação.

A história começa em mil novecentos e trinta e três, quando a IBM, seguindo ordens de Watson, criou uma calculadora de alta velocidade para os cientistas da University of Columbia, construída a partir de peças padronizadas de máquinas de tabulação. quatro anos mais tarde, em mil novecentos e trinta e sete, Howard Aiken, matemático de Harward, sugeriu que a IBM tentasse interconectar diversas máquinas então existentes - criadas originalmente para fins de contabilidade - de forma a criar uma calculadora ainda mais rápida destinada a aliviar o trabalho tedioso e demorado desenvolvido por astrônomos em suas computações. Segundo a estimativa de Aiken, este trabalho levaria alguns meses e custaria em torno de cem mil dólares. Na verdade, levou seis anos e custou mais de quinhentos mil dólares. Isto poque, em vez da calculadora que Aiken tinha em mente, Watson se adiantou e produziu um computador.

Em primeiro lugar, Watson especificou uma máquina totalmente eletrônica: todas as máquinas anteriores, incluindo as próprias da IBM, eram eletromecânicas, e a operação era feira com interruptores e alavancas. Obviamente, eletrônica, naquela época, significava usar tubos de vácuo, ou válvulas - o transistor ainda levaria algum tempo para surgir. As máquinas resultantes eram, portanto, enormes, desajeitadas, tendiam ao superaquecimento e consumiam muita eletricidade. Apesar disto, naquela época, ninguém nem sabia como usar componentes eletrônicos como comutadores - a chave, é claro, da tecnologia de computação. Até mesmo, naquela época, ninguém nem sabia como usar componentes eletrônicos como comutadores - a chave, é claro, da tecnologia de computação. Até mesmo o necessário trabalho teórico ainda tinha de ser feito. Para Watson e para a IBM, decidir abandonar a bem conhecida e estudada tecnologia eletromecânica em favor da eletrônica, ainda totalmente inexplorada, representou um salto no escuro. No entanto, foi esta a decisão que tornou o computador possível.

A segunda especificação de Watson era igualmente inovadora. Seu projeto vislumbrava algo com que nenhum engenheiro à época sequer sonhava: uma memória de computador. Howard Aiken, em sua proposta de pesquisa, estava preocupado com cálculos rápidos: ele queria uma engolidora de números. Sua ideia era construir algo que pudesse ser capaz de fazer com rapidez aquilo que máquinas de calcular tradicionais e réguas de cálculo faziam com vagar. A IBM acrescentou a isto a capacidade de armazenar dados. E isto significava que a máquina projetada pela IBM seria capaz de processar informações; teria um banco de dados - um termo que, é claro, não existia naquela época - em que se basearia e, desta forma, poderia memorizar e analisar. Poderia também - e isto é crucial - corrigir e atualizar as próprias instruções com base em novas informações.

Isto significava, então, que - mais uma das especificações visionárias da IBM - a máquina da IBM poderia ser programada, isto é, sr usada para qualquer informação em andamento eram para máquinas de função única. A mais conhecida delas, chamada ENIAC, construída por encomenda da Artilharia do Exército na University of Pensylvania durante a Segunda Guerra Mundial e completada em mil novecentos e quarenta e seis, foi, por exemplo, projetada para fazer cálculos de alta velocidade para armas de disparo rápido. Mas poderia fazer um pouco mais, uma vez que não tinha memória nem capacidade de programação. Também a IBM tinha aplicações específicas em mente - especialmente cálculos para tabelas astronômicas. Entretanto, talvez porque Watson já soubesse antecipadamente das necessidades de processamento de dados de várias instituições - bibliotecas públicas, o Bureau do Censo ( o equivalente ao IBGE no Brasil ), bancos, seguradoras etc... - , suas especificações exigiam uma máquina capaz de ser programada para todos os tipos de dados. A máquina da IBM era multifuncional desde a sua concepção. Portanto, isto significava também que, quando a IBM finalmente tivesse um computador que pudesse ser produzido e vendido - no começo dos anos cinquenta -, estaria disposta e seria capaz de atender aos usuários cuja demanda efetivamente criou a indústria de computadores, mas sobre os quais ninguém havia pensado nos estágios iniciais do design destas máquinas: as empresas que desejavam ter computadores para cumprir tarefas mundanas e não científicas, como rodar a folha de pagamento e o inventário. Portanto, a insistência de Watson no que se refere à memória e à programação explica, em grande parte, a razão pela qual existe uma indústria de computadores.

Em decorrência das especificações de Watson quanto à memória e à programação, o projeto de pesquisa da IBM, de mil novecentos e trinta e sete, ajudou a criar a ciência de computadores. A máquina analítica que Watson tentou desenvolver precisava tando da teoria quanto da linguagem computacional - outra vez, é claro, termos que não existiam naquele tempo. Precisava também de uma engenharia de primeira classe, assim como todas as outras máquinas de calcular então projetadas. Mas ela criou, ou pelo menos estimulou, o surgimento dos primeiros cientistas de computação.

Esta pesquisa produziu um protótipo no final de mil novecentos e quarenta e três - cujo nome era Calculadora Automática de Sequência Controlada ( Automatic Sequence Controlled Calculator - ASCC ) - e, em mil novecentos e quarenta e quatro, Howard Aiken conseguiu, efetivamente, fazer cálculos astronômicos com ela. No entanto, a máquina era demasiadamente avançada para a tecnologia de manufatura da época. Na verdade, somente nos últimos tempos se tornaram disponíveis os materiais e as tecnologias necessárias para a produção do tipo de computador que Watson imaginou ao organizar sua pesquisa em mil novecentos e trinta e sete. Watson, então doou o protótipo e mais uma soma em dinheiro, para sua operação e manutenção, à Harvard University, que imediatamente comissionou o trabalho para o próximo projeto - o trabalho a partir do qual o SSEC se desenvolveu, vários anos depois. Sua primeira demonstração pública, em vinte e sete de janeiro de mil novecentos e quarenta e oito, na cidade de Nova Iorque - quando calculou todas as posições da Lua, no passado, presente e futuro - , inaugurou a era dos computadores representados em desenhos animados e cartuns, com suas luzesinhas piscando e com grandes rolos de fita, é o SSEC, da forma como foi apresentado em sua primeira aparição pública. E, examinando em retrospecto as especificações de Watson, isto é precisamente o que ele deve ter imaginado desde o começo.

Tão importante quanto Watson, o visionário da computação, foi Watson, o inovador social. Ele estava ainda mais à frente de seu tempo em sua visão social do que em sua visão de dados e informação, e, em decorrência, talvez até tenha produzido impacto ainda maior - e também nesta questão foi tão, ou mais, incompreendido por seus contemporâneos.

Watson se tornou uma personalidade nacional nos EUA em mil novecentos e quarenta, quando a revista Fortune publicou uma avalanche de violentos ataques contra ele, insinuando que era o Führer dos EUA e tentando transformá-lo em todo o que havia de mais repulsivo ao capitalismo americano. A revista também fixou a percepção popular, que persiste até hoje, de que Watson era reacionário e paternalista. Entretanto, hoje está claro que a verdadeira ofensa de Watson era estar muito à frente de seu tempo.

Ao fazer uma releitura desta história há quarenta anos, Drucker chegou a dizer logo ter observado que o que mais havia assustado o redador da revista em mil novecentos e quarenta for a proibição do consumo de álcool, que Watson impusera em todas as festas e clubes de empregados da IBM. Ele era, de fato, um ferrenho opositor ao consumo de álcool ( certa vez, Drucker chegou a dizer que ouviu dizer que o pai de Watson, ou um de seus tios, era alcoólatra ). Entretanto, qualquer que tenha sido a razão, talvez não seja má ideia manter separados o trabalho e o consumo de bebidas alcoólicas.

Além disto, é claro, havia o regimento e sua força de trabalho, isto é, os vendedores da IBM deveriam usar ternos escuros e camisas brancas. O que Watson estava tentando fazer, segundo explicou mais tarde, em suas entrevistas com Drucker, um ano antes da publicação da história da revista Fortune, era instilar autoestima nos vendedores e criar respeito poe eles, por parte do público. Quando Watson começou, o vendedor era um virador, um sujeito de reputação duvidosa, um malandro nojento que passava as noites em bordeis de pequenas cidades, a não ser que gastasse seu dinheiro deflorando a inocente filha mais jovem de um fazendeiro em cima de um fardo de feno no celeiro. Watson, que também havia sido um virador, sofrera na carne, em seu trabalho, as consequências desta fama e estava determinando a criar autoestima em seus vendedores e torná-los respeitados. "Quero que meus vendedores na IBM sejam pessoas respeitáveis", disse ele em mil novecentos e trinta e nove, em uma de suas conversas com Drucker, "de quem suas mulheres e filho possam se orgulhar. Não quero que suas mães se sintam como se tivessem de pedir desculpas por eles ou desconversar quando indagadas acerca da profissão de seus filhos". ( E havia uma clara sensação, que Drucker disse ter tido naquela ocasião, de que ele estava falando da própria mãe. )

O crime hediondo de Watson, contudo, aquele pelo qual o redator da revista Fortune seria incapaz de perdoá-lo, era que ele acreditava em um trabalhador que assumia a responsabilidade por suas tarefas, tinha orgulho de seu trabalho e amava o que fazia. Ele acreditava em um trabalhador cujos interesses fossem semelhantes aos interesses da empresa e desejava, acima de tudo, um trabalhador que usasse o próprio raciocínio e a própria experiência para melhorar duas tarefas, o produto, o processo e a qualidade. O crime de Watson - e isso era realmente visto como m crime no final dos anos trinta, quando um marxismo vulgar infestava até mesmo o mais conservador dos membros da elite intelectual - era fazer trabalhadores gostarem de seu trabalho e, assim, aceitarem o sistema, em vez de se sentirem explorados por ele e se tornarem parte do proletariado revolucionário.

O modo como Watson fez isto foi, primeiro, dar a seus empregados o que hoje é chamado de emprego vitalício. Como acontece no Japão hoje, não havia obrigação contratual de parte da IBM de Watson que a impedisse de demitir. Mas havia um compromisso moral. Nos primeiros anos da Depressão, mil novecentos e trinta e um, mil novecentos e trinta e dois, a IBM, de fato, demitiu algumas pessoas, mas Watson suspendeu este procedimento de imediato. Mais tarde, durante os mais sombrios anos da Depressão, mil novecentos e trinta e três e mil novecentos e trinta e quatro, emitir empregados poderia ter levado a IBM à falência. A segurança no emprego tem sido uma prática da IBM nos últimos noventa anos.

Em meados dos anos trinta, Watson aboliu os capatazes. Eles se tornaram gerentes cuja tarefa era dar assistência aos trabalhadores, assegurar que tivessem as ferramentas e as informações necessárias e ajudá-los quando estivessem com problemas. A responsabilidade pelo emprego em si foi firmemente suplantada no grupo de trabalho.

O trabalhador - argumentava Watson - sabe melhor do que ninguém como melhorar a produtividade e a qualidade. Portanto, por volta de mil novecentos e trinta e cinco, ele inventou o que hoje é conhecido como círculos da qualidade e é creditado aos japoneses. O engenheiro industrial passaria a ser um recurso para o grupo de trabalho e seu consultor, e não um expert que ditava ordens. Watson também ordenou que o trabalhador individual tivesse o trabalho mais importante possível, e não o menos importante. Além disto, já em mil novecentos e vinte, ele deu início ao que hoje é chamado de enriquecimento do trabalho. ( Depois da morte de Watson, seu filho, em mil novecentos e cinquenta e oito, colocou em prática as velhas ideias de seu pai, submetendo todos os empregados ao regime de salários mensais, abolindo o pagamento por hora e eliminando a distinção entre operários e funcionários administrativos. )

Finalmente, todos os empregados da IBM tinham o direito de se dirigir diretamente ao CEO, isto é, Watson, para reclamar, sugerir melhorias e serem ouvidos - uma prática até hoje existente.

Muito antes, Watson havia inventado o que os japoneses hoje chamam de aprendizado contínuo. No começo dos anos vinte, ele começou com seus vendedores, que eram repetidamente convocados ao escritório-sede para realizar sessões de treinamento que os capacitava a ter um desempenho ainda melhor que aquele que já estavam tendo. Mais tarde, Watson estendeu o aprendizado contínuo para os operários na fábrica e, em mil novecentos e quarenta, contratou Dwayne Orton, reitor de uma universidade em São Francisco - CA ( EUA ) para assumir o cargo de diretor de educação da empresa.

Estas práticas explicam grande parte do sucesso da IBM. Elas exorcizaram a grande urucubaca do mundo dos negócios americano: a suposta resistência dos empregados à mudança. Permitiram que a empresa crescesse, nos anos cinquenta e sessenta, tão rapidamente quanto qualquer outra empresa jamais havia crescido - e, talvez, até mais rápido - sem muita turbulência interna, sem a horrenda rotatividade de mão de obra e sem conflitos sociais. Além disto, como os vendedores de Watson se acostumaram a aprender coisas novas o tempo todo, vendedores de cartões perfurados de meia-idade, sem experiência em computadores ou em gestão de grandes empresas, puderam se tornar, da noite para o dia, executivos eficazes em uma empresa de alta tecnologia.

Entretanto, há oitenta anos, as políticas e as práticas de Watson eram, de fato, muito estranhas. Elas ou vaziam Watson parecer lunático - que é aquilo em que a  maioria das pessoas acreditava - ou o faziam parecer uma força sinistra, como descrito pelo autor da matéria da revista Frotune. Hoje, percebe-se que Watson apenas estava quarenta ou cinquenta anos à frente de seu tempo. Ele era apenas um ano mais velho que Alfred Sloan ( da General Motors Company - GMC ) e, com ela, a moderna grande corporação, Watson, dez anos mais tarde e de forma bem independente, criou a comunidade de fábrica, que sabe-se ser a sucessora do grande empreendimento de negócio, de Sloan, nos anos vinte. Em mil novecentos de trinta, ele criou a organização social e a comunidade de trabalho da sociedade pós-industrial.

Os primeiros a enxergar isto, por sinal, foram os japoneses. No Japão, quando Drucker falava que a administração japonesa incorporou os valores do país, os japoneses riam dele. "Será que o senhor não percebe que estamos adaptando tudo que a IBM tem feito desde sempre?", indagavam seus amigos orientais. E, quando perguntava como foi que isto aconteceu, sempre respondiam: "Quando começamos a reconstruir o país, nos anos cinquenta, procuramos pela empresa de maior sucesso possível. é a IBM, não é?". Watson também anteviu a empresa multinacional. E também isto era impossível de ser compreendido pelas pessoas nos anos quarenta.

Desde muito cedo, Watson estabeleceu filiais estrangeiras da IBM em vários países, como França, Japão e outros. À época, a IBM mantinha pouquíssimos negócios internacionais e Watson sabia perfeitamente bem que poderia ter montado um esquema direto de exportações. Mas também percebeu que a IBM que ele vislumbrava no futuro, a empresa que hoje lida com aquilo que é chamado de processamento de dados e de informações, teria de ser transformar em uma multinacional. Assim, ele criou, há mais de noventa anos, a estrutura que sabia que a IBM teria de ter e teria de saber administrar se quisesse algum dia se consolidar como a empresa com que ele sonhara. Ele percebeu também que o problema central de uma empresa multinacional consiste em combinar a autonomia da afiliada local com a unidade de direção e propósito da empresa como um todo. Esta foi, em grande parte, a razão pela qual Watson, deliberadamente, criou aquilo que, para muitos, pareceu um caso de extremo paternalismo - e que hoje seria chamado de cultura IBM. Há muito tempo, por volta de mil novecentos e trinta e nove, ele tentou explicar a Drucker em entrevista:

"Afiliadas estrangeiras devem ser administradas por nativos do próprio país, e não por expatriados. Eles devem ser aceitos como membros de sua própria sociedade; devem ser capazes de atrair as melhores pessoas de seu próprio país. No entanto, estas afiliadas devem ter os mesmos objetivos, os mesmos valores e a mesma visão de mundo da empresa-mãe. E isto significa que as pessoas que a administram e os profissionais que lá trabalham compartilhem uma visão comum da empresa, de seus produtos e de seus próprios objetivos e propósitos.".

A maioria das outras multinacionais ainda se vê às voltas com o problema que Watson previu - e resolveu há noventa anos.

Watson era um autocrata, naturalmente. Visionários geralmente o são. Porque visionários não conseguem explicar o que veem para o restante das pessoas. eles têm de depender de sua autoridade.

Watson era uma pessoa generosa, mas um chefe exigente e nem um pouco permissivo. Contudo, ele exigia as coisas certas: dedicação e desempenho de alto nível. Ele era irascível, vaidoso, dogmático, estava sempre em busca de publicidade e, incorrigivelmente, sempre citava o nome de pessoas famosas em busca de autopromoção. À medida que envelhecia, buscava, cada vez com mais intensidade, a adulação de outros. No entanto, era também extremamente leal e sempre estava disposto a assumir seus erros e pedir desculpas. As pessoas que trabalhavam com ele o temiam mas quase ninguém saiu da empresa.

É claro que ele não se encaixa no clima intelectual da Nova Iorque dos anos trinta. Ele já completa sessenta e cinco anos e suas raízes estavam fincadas nas pequenas cidades dos anos oitenta do século dezenove, com suas comunidades religiosas, reuniões comunitárias, corais de igreja e juramentos de fidelidade à bandeira - tudo  que os moderninhos da época adoravam desprezar e era considerado jeca.Mas o que era mais perigoso e tornava Watson uma ameaça era de que o fato de que seus empregados compartilhavam seus valores - e não os dos intelectuais - e adoravam trabalhar para ele.

Watson era um homem um homem extraordinariamente complexo que não se encaixava em qualquer categoria. Ele estava entre os poucos homens de negócio americanos a usar a logomarca e a programação visual da empresa com um design moderno, que era aplicado em papelaria, produtos e escritórios. Entretanto, ele agiu assim principalmente porque era a maneira mais barata de fazer a empresa se destacar - e não havia dinheiro para propaganda. Para atrair a atenção para a IBM, usou o slogan THINK ( PENSE ), que inventara para a NCR. Seus vendedores usavam aos milhares blocos de notas com o slogan. Era o único tipo de propaganda que ele tinha dinheiro para fazer. Embora ele próprio não tivesse muito senso de humor, inventou várias das piadas que circularam com a palavra THINK como tema e fazia o possível para disseminá-las - mais uma vez, a fim de atrair atenção para sua empresa. Finalmente, teve a brilhante ideia de construir um gigantesco pavilhão na Feira Mundial de Nova Iorque, em mil novecentos e trinta e nove. Em sua visão, esta era a única maneira de fazer milhões de visitantes de todas as partes do mundo tomarem conhecimento de sua, então pequena e praticamente desconhecida empresa e como disse a Drucker à época, "ao menos custo por mil visitantes que qualquer empresa jamais tivera".

A imagem pública de Watson era a de um conservador inflexível e ele contribuía para isto usando camisas de colarinho duro, á semelhança do ex-presidente Herbert Hoover, bem depois de já haverem saído de moda. Por outro lado, era praticamente o único homem de negócios de seu tempo a apoiar ardorosamente o New Deal e o Presidente Franklin D. Roosevelt. Com efeito, o Presidente Roosevelt lhe ofereceu importantes cargos em sua administração: primeiro-secretário de Comércio e, depois, embaixador na Grã-bretanha ( quando Watson recusou o convite, o posto foi ocupado por Joseph Kennedy ). Ao final de sua vida, Watson pedia com insistência ao Presidente Eisenhower que retornasse aos princípios do New Deal e ficou contrariado com a insistência do presidente em reduzir o papel do Estado na economia e na sociedade. Watson teve uma história pessoal bem incomum, talvez a mais incomum na história dos negócios americanos. Ele começou a vida como um pobre adolescente que se virava como podia - não muito mais que um mendigo. Progrediu para se tornar o principal vendedor da então nova National Cash Register company, de Dayton, Ohio - a primeira empresa da história a fabricar máquinas de escritório. Em quinze anos, ele já se tornara gerente de vendas da empresa. Mas, então, a NCR foi processada por violações da lei antitruste, algo a respeito do qual Watson, sabe-se agora, teve pouca ou nenhuma responsabilidade.

O juramento foi uma sensação, uma vez que a NCR havia sido o modelo de crescimento do começo do século vinte. Watson foi condenado a um ano de cadeia e ao pagamento de uma pesada multa. Ele recorreu e, dois anos mais tarde, a acusação foi retirada. contudo, Watson havia perdido o emprego. Sua carreira e reputação estavam em frangalhos. Foi uma experiência que o marcou pelo resto da vida e que jamais esqueceu.

Aos quarenta anos de idade, teve de recomeçar como gerente-geral de uma empresa de pequeno porte e, até então, malsucedida, que detinha várias patentes de cartões perfurados. Somente depois dos sessenta anos de idade, em meados dos anos trinta, Watson conseguiu consolidar esta empresa, então já sob o novo nome de IBM.

Watson - a Drucker acreditava que fosse isto que o tornava singularmente interessante - era um americano peculiar que jamais foi completamente compreendido pelo establishment em qualquer momento da história. Tinha um intelecto gigantesco, mas era totalmente não intelectual. Pertence à mesma categoria de Abraham Lincoln, que da mesma forma, ofendeu o establishment de seu tempo - os bostonianos cosmopolitas, polidos e educados que se consideravam superiores ao presidente caipira a quem eram obrigados a servir. Era também, de muitas maneiras, semelhante ao primeiro grande romancista americano, James Fenimore Cooper, que também era desprezado, rejeitado e alvo de pilhérias por parte de intelectuais e do establishment de seu tempo, como os transcendentalistas da Nova Inglaterra. Eles não conseguiam entender a visão poderosa, trágica e profética com que Cooper previa o fim do sonho americano em livros como The Pioner e The Prairie.

Este tipo de personalidade americana é totalmente nativo e nada deve à Europa - uma das razões para os intelectuais de seu tempo não terem ideia do que fazer com ele. Tipicamente, os homens deste tipo têm o poder da oratória - e Watson era um digno representante dela. Mas estes não são homens de ideias; são homens de visão. O que os torna importantes é que, assim como Watson, eles colocam sua visão em ação. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/vis%C3%A3o-um-p%C3%A9-no-futuro-e-outro-no-ch%C3%A3o .

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