O Tratado de Marraqueche ( * vide nota de rodapé ) ( *8 vide nota de rodapé ) para facilitar o acesso às obras públicas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter alcance ao texto impresso, concluído no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual ( OMPI ), foi celebrado em Vinte e sete de junho de Dois mil e treze, em Marraqueche, no Marrocos. Possui em Dois mil e vinte, Setenta e um Estados Partes.
No Brasil, foi aprovado pelo Congresso Nacional ( CN ) por meio do Decreto Legislativo ( DL ) número Duzentos e sessenta e um, de Vinte e nove de novembro de Dois mil e quinze, de acordo com o rito especial do Parágrafo Terceiro do Artigo Quinto da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( estatuto equivalente ao de Emenda Constitucional - EC ), tendo sido ratificado em Onze de dezembro de Dois mil e quinze. Foi promulgado internamente pelo Decreto número Nove mil quinhentos e vinte e dois, de Oito de outubro de Dois mil e dezoito, quase três anos depois da ratificação. Anote-se que este é o terceiro tratado aprovado de acordo com o rito especial do Parágrafo Terceiro do Artigo Quinto da CF - 88, todos referentes aos direitos das pessoas com deficiência ( Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - CONUDPcD - Protocolo Facultativo - PF - *2 vide nota de rodapé - e, agora o Tratado de Marraqueche ).
Possui como objetivo principal a criação de instrumentos normativos e administrativos internos voltados a assegurar o acesso facilitado à reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e deficientes visuais, superando limitações ( por exemplo, direitos autorais ). Visa, assim, a eliminar a escassez crônica de publicação de obras em formatos acessíveis a pessoas com deficiência visual, democratizando o acesso à cultura, educação, bem como ao desenvolvimento pessoal ao trabalho em igualdade de oportunidades.
Consta da exposição de motivos ministerial ( EM ) número Quatro de Dois mil e quatorze, conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores - MRE, Secretaria de Direitos Humanos - SDH e Ministério da Cultura - MinC ) que menos de Cinco por cento das obras publicadas estão disponíveis em formato acessível para o uso destas pessoas e, em países em desenvolvimento, este percentual baixa para até Um por cento. Com isto, a escassez de obras em formato acessível resulta em verdadeira "fome de livros" ( book famine - *3 vide nota de rodapé ).
O Tratado de Marraqueche foi negociado no seio da OMPI, tendo sido fruto de proposta apresentada por Brasil, Equador e Paraguai, em maio de Dois mil e nove, para pagar dívida histórica com as pessoas com deficiência visual. Sua entrada em vigor ocorreu em Trinta de setembro de Dois mil e dezesseis, três meses após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ( IR ) ( feito pelo Canadá ), nos termos do Artigo Dezoito.
A base do tratado é o estabelecimento de duas exceções aos direitos autorais ( *4 vide nota de rodapé ) que permitem:
1) a livre produção e distribuição de obras em formato acessível no território dos Estados Partes e
2) o intercâmbio transfronteiriço desimpedido destes formatos.
Este último dispositivo aumenta o alcance do Tratado, na medida em que permite que as Pessoas com Deficiência ( PcD ) visual residentes em um Estado Parte tenham acesso aos formatos acessíveis produzidos no território de outro Estado Parte.
Este acesso facilitado promove a igualdade ( *5 vide nota de rodapé ) de oportunidades, a liberdade de expressão ( *6 vide nota de rodapé ) e de comunicação e o direito à cultura ( *7 vide nota de rodapé ), estimulando a participação e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. O Tratado, que possui somente Vinte e dois Artigos, reforça o dever estatal na promoção da igualdade às PcD.
Na parte introdutória, o Artigo Primeiro traz a relação do Tratado com outras normas de Direito Internacional ( DI ), estipulando a não derrogação de obrigações ou direitos dos Estados decorrentes de outros tratados.
No tocante ao objeto do Tratado, os Artigos Segundo e Terceiro trazem definições importantes sobre o seu objeto. O Artigo Segundo trata de conceitos importantes:
1) o termo "obra" abarca todas as obras literárias e artísticas, em formatos de texto, ilustração ou áudio,
2) o termo "exemplar em formato acessível" significa a reprodução da obra para pessoas impossibilitadas de leitura impressa, com respeito a integridade da original, de forma alternativa que garanta acesso de maneira tão prática como o faria a uma pessoa sem deficiência visual; e
3) o ermo "entidade autorizada", como aquela autorizada ou reconhecida pelo governo para promover, sem intuito lucrativo, a leitura adaptada ou o acesso à informação, bem como para determinar os beneficiários dos exemplares em formato acessível..
O Artigo Terceiro, por sua vez, estabelece os beneficiários, como sendo:
1) cegos;
2) PcD visual ou de percepção ou leitura que não possa ser substancialmente corrigida, de modo a ser impossível a leitura de material impresso de forma equivalente à pessoa sem deficiência ou dificuldade; e
3) pessoas que estejam impossibilitadas, por deficiência física, de sustentar ou manipular livro, ou focar ou mover os olhos da forma necessária à leitura impressa.
A harmonização da legislação interna de direito autoral com a promoção da igualdade de oportunidades é reiterada como obrigação dos Estados Partes do Tratado de Marraqueche. Dispõe o Artigo Quarto que a permissão de acesso a obras em formato alternativo às pessoas com dificuldade para leitura de material impresso é exceção ou limitação aos direitos de reprodução.
Com o intuito de facilitar o acesso e o uso de obras publicadas por PcD, o Tratado concretiza as chamadas regras do "tste dos três passos" ( three step test ) para limitação da reprodução de obras por terceiros previstas no Artigo Nove ponto dois da Convenção de Berna sobre a Proteção de Obras Literárias e Artísticas ( promulgada internamente pelo Decreto número Setenta e cinco mil seiscentos e noventa e nove, de Seis de maio de Mil novecentos e setenta e cinco ). Pelo "teste dos três passos" é admissível a limitação do direito do autor
1) em certos casos especiais,
2) que não prejudiquem a exploração comercial normal da obra e
3) não causem prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.
O objetivo do "teste dos três passos" é só permitir a reprodução das obras com limitações aos direitos autorais caso isto seja feito excepcionalmente e sem que tais reproduções entrem em competição com a obra comercializada com o consentimento do titular de seus direitos autorais, o que é justamente a situação das "obras acessíveis" abarcadas pelo tratado de Marraqueche ( *9 vide nota de rodapé ). A situação abrangida pelo Tratado é especial, justificada e tudo prejudica a comercialização ordinária das obras destinadas aos que não possuem deficiência visual.
Como consequência, as entidades autorizadas poderão, sem a necessidade de consentimento do titular dos direitos do autor, produzir exemplar em formato acessível de obra e formato acessível de obra e fornecê-lo, sem fins lucrativos, aos beneficiários. Tal direito é estendido aos beneficiário e pessoas agindo em seu nome, as quais podem produzir exemplar acessível para uso pessoal do beneficiário. Em ambas as situações, pode o Estado restringir tais exceções às obras que não possam ser obtidas comercialmente sob "condições razoáveis" para os beneficiários daquele mercado, desde que delare tal intenção em notificação depositada junto ao Diretor-Geral da OMPI no momento da ratificação, aceitação ou adesão ao Tratado, ou em qualquer momento posterior ( artigo Quarto ponto Quatro - o que o Brasil não fez até o momento ). Além disto, cabe á legislação interna determinar se as esceções ou limitações demandam remuneração.
Na mesma linha, as obrigações gerais sobre as limitações e exceções, disciplinadas no Artigo Onze, expressam a conformidade do Tratado de Marraqueche com a permissão de reprodução de obras em casos especiais, prevista no Artigo Nove ponto Dois da Convenção de Berna, no Artigo Treze do Acordo relativo aos aspectos do Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio e nos Artigos Dez ponto Um e Dez ponto Dois do Tratado da OMPI. Ademais, o Artigo Doze do Tratado de Marraqueche autoriza os Estados Partes, de acordo com a suas necessidades socioeconômicas e culturais, a adotarem outras exceções ou limitações ao direito autoral visando a facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas impossibilitadas de ter alcance ao texto impresso.
Para estimular o acesso a obras publicadas às PcD visual, os Artigos Quinto e Sexto estabelecem as diretrizes para o intercâmbio transfronteiriço e para a importação de exemplares em formato acessível, sem a autorização do titular do direito. A seguir, o Artigo Sétimo prevê que a adoção de medidas adotadas para facilitar o acesso alternativo às obras impressas. Já o Artigo Oitavo reitera o respeito à privacidade dos beneficiários do acesso às obras em formato alternativo ao impresso nas mesmas condições de outras pessoas. Por sua vez, os Artigos Nono e Dez reforçam a cooperação necessária para a implementação do Tratado, ao estimularem o compartilhamento de informações e o comprometimento coma adoção das medidas internas necessárias para garantir a sua aplicação.
Para organizar a admissão e as decisões relativas ao Tratado, o Artigo Treze estabelece a criação de Assembleia, composta por um delegado de cada Estado Parte, com direito a voto, que se reunirá mediante convocação do Diretor-Geral, para decidir sobre:
1) a adesão de organização governamental ao Tratado, nos termos do Artigo Quinze;
2) a aplicação, manutenção e desenvolvimento do Tratado; e
3) a convocação de conferência diplomática para a revisão do Tratado.
As decisões da Assembleia devem ser tomadas preferencialmente por consenso, cabendo-lhe definir o quórum e maioria exigidos para as diferentes decisões.
Ainda no âmbito administrativo, o Artigo Quatorze fixa o escritório internacional da OMPI ( em Genebra ) para executar as tarefas administrativas relativas ao Tratado. Por sua vez, o Artigo Quinze traz as condições para se tomar parte do Tratado, permitindo a adesão:
1) de qualquer Estado parte da OMPI; e
2) de Organização Intergovernamental ( com menção expressa à União Europeia ) com competência comum sobre o tema em questão.
Finalmente, o Artigo Dezesseis fixa o cumprimento das obrigações e gozo dos direitos previstos no Tratado por todos os Estados partes, e os Artigos Dezessete a Vinte e dois determinam as condições para assinatura, entrada em vigor, produção dos efeitos, denúncias, línguas e depositário do Tratado.
O Tratado de Marraqueche reforça o disposto na Lei Brasileira de Inclusão ( LBI ) ( Lei número treze mil cento e quarenta e seis de Dois mil e quinze ), pela qual a PcD tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso a bens culturais em formato acessível ( Artigo Quarenta e dois, Inciso Primeiro ). O Parágrafo Primeiro do Artigo Quarenta e dois da LBI e claro, ao dispor que "[ é ] vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à PcD, sob qualquer argumento, intelectual sob alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual".
No mesmo sentido, o Artigo Sessenta e oito da LBI determina ao poder público que adote mecanismos de incentivo à produção, à edição, à difusão, à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis, inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos, com vistas a garantir á PcD o direito de acesso á leitura, à informação e à comunicação. Também dispõe o Artigo Sessenta e oito, Parágrafo Primeiro que nos editais de compras de livros, inclusive para o abastecimento ou a atualização de acervos de bibliotecas em todos os níveis e modalidades de educação e de bibliotecas públicas, o poder público deverá adotar cláusulas de impedimento à participação de editoras que não ofertem sua produção também em formatos acessíveis.
Cabe anotar que há críticas ao conteúdo do Tratado por parte de organizações não governamentais ( ONG ) e por parte da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ( PFDC ) ( *10 vide nota de rodapé ) do Ministério Público Federal ( MPF ), que apontam contradição entre a proteção dada pelo Tratado de Marraqueche e o teor da CONUDPcD e da LBI, em especial:
1) uso do termo "entidade autorizada" previsto nos Artigos Segundo e Quarto do Tratado, o que poderia sugerir que somente estas poderiam editar o livro acessível, gerando uma tutela indevida sobre as pessoas com deficiência 9 retorno ao assistencialismo );
2) como consequência da primeira crítica, o Tratado teria violado o direito das PcD de acesso a bens culturais em formato acessível ( Artigo Quarenta e dois da LBI ), eliminando o dever das editoras em fornecer estes bens, restando aos Estado fornecer subsídios às ONG ( "entidades autorizadas" ).
Contudo, o próprio Tratado, prudentemente, faz expressamente ponderação de direitos a favor das PcD ( limitando eventuais alegações de defesa do direito de propriedade ), ao prever uma cláusula de preferência a favor da acessibilidade com base em outras "obrigações internacionais" ( por exemplo, a CONUDPcD" ) e na "legislação nacional", conforme dispõem respectivamente o Artigo Doze ponto Um ( *11 vide nota de rodapé ) e Doze ponto Dois ( *12 vide nota de rodapé ). Por isto, a LBI regula, no plano interno, o acesso facilitado" previsto no tratado de Marraqueche, não podendo ser o Tratado interpretado de modo a diminuir a acessibilidade já assegurada, em exemplo de ponderação de direitos e proibição do retrocesso ( *13 vide nota de rodapé ).
Quadro sinótico
Tratado de Marraqueche
Natureza jurídica: Tratado ratificado pelo Brasil em Onze de dezembro de Dois mil e quinze, com estatuto interno equivalente ao de emenda constitucional.
Objetivo: Promover a igualdade de oportunidades, a liberdade de expressão e de comunicação e o direito à cultura, estimulando a participação e a inclusão das PcD na sociedade, mediante a facilitação ao acesso de obras publicadas às pessoas impossibilidades à leitura impressa.
Essência da Convenção
1) Está em linha com o "teste dos três passos".
2) Reforça o dever do Estado na promoção da igualdade às PcD, ao estabelecer a obrigação estatal de criar instrumentos para impedir limitações e facilitar a reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e PcD visuais.
P.S.:
Notas de rodapé:
* É utilizada a grafia "Marraqueche" adotada na tradução oficial para o português ( Decreto Legislativo ( DL ) número 261, publicado no Diário Oficial da União ( DOU ) de Vinte e seis de novembro de Dois mil e quinze ), em vez de Marraquexe.
*2 A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo são melhor detalhados em:
*3 fames, -is: s.f. - fome; carestia, penúria; miséria. Dicionário latim-português: termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis.
*4 O direito à propriedade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*5 O princípio da igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*6 O direito à liberdade de expressão e a vedação da censura prévia, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-39 .
*7 O direito à cultura, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*8 O Tratado de Marraqueche, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*9 Sobre a regra do teste dos três passos, ver Basso, Maristela. "As exceções e limitações aos direitos do autor e a observância da regra do teste dos três passos ( three-step-test )", Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Volume Cento e dois, junho / dezembro de Dois mil e sete, Página Quatrocentos e noventa e três a Quinhentos e três.
*10 Vide a posição da PFDC. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2016/novembro/ameaca-de-retrocesso-na-garantia-de-livro-acessivel-e-tema-de-reuniao-na-pfdc/ > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
*11 Artigo Doze ponto Um. As Partes Contratantes reconhecem que uma parte Contratante pode implementar em sua legislação nacional outras limitações e exceções ao direito de autor para o provento dos beneficiários além das previstas pro este Tratado, tendo em vista a situação econômica desta parte Contratante e suas necessidades sociais e culturais, em conformidade com os direitos e obrigações internacionais desta Parte Contratante, e, no caso de um país de menor desenvolvimento relativo, tomando em consideração suas necessidades especiais, seus direitos e obrigações particulares e suas flexibilidades.
*12 Artigo Doze ponto Dois. Este Tratado não prejudica outras limitações e exceções para PcD previstas pela legislação nacional.
*13 A vedação ao retrocesso ou entrincheiramento no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-veda%C3%A7%C3%A3o-ao-retrocesso-dos-dh .
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