Os Princípios Básicos Relativos à Independência do Poder Judiciário ( PBRIPJ ) foram adotados pelo Sétimo Congresso da Organização das Nações Unidas ( ONU ) para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes ( CONOPCTD7 ), realizado em Milão de Vinte e seis de agosto a Seis de setembro de Mil novecentos e oitenta e cinco e endossado pela Assembleia Geral da ONU nas suas Resoluções números Quarenta / Trinta e dois, de Vinte e nove de novembro de Mil novecentos e oitenta e cinco, e Quarenta / Cento e quarenta seis, de treze de dezembro de Mil novecentos e oitenta e cinco.
Em Dois mil e dois, foram aprovados os "Princípios de Conduta Judicial de Bangalore ( PCJB )", elaborados pelo Grupo de Integridade Judicial ( Judicial Group on Strengthening Judicial Integrity - JGSJI ), inicialmente uma reunião informal de autoridades judiciais de vários países, sob a presidência do Juiz Christoper Weeramantry, então Vice-Presidente da Corte Interamericana de Justiça ( CIJ ). Este grupo ganhou apoio da ONU, tendo sido os PBRIPJ aprovados oficialmente em novembro de Dois mil e dois, em Haia ( Holanda ). Em Dois mil e seis, o Conselho Econômico e Social ( CES ) da ONU aprovou a Resolução número Dois mil e seis / Vinte e três pela qual recomendou aos Estados Membros que tomassem em consideração os PCJB ( * vide nota de rodapé ) na adoção de regras de conduta dos membros do sistema de justiça.
Estes dois diplomas normativos buscam assegurar a independência do Poder Judiciário ( e, por extensão, de órgãos públicos indispensáveis ao sistema de justiça, como o Ministério Público - MP - e a Defensoria Pública - DP ), a qual é condição necessária ( embora não suficiente ) para promover,
1) o acesso à justiça ( *2 vide nota de rodapé ) e
2) zelar pela observância dos Direitos Humanos ( DH ), em especial contra atos ofensivos do Poder Público.
São diplomas de soft law ( "direito em formação", inicialmente sem força vinculante ), mas que servem de importante vetor de interpretação ( *3 vide nota de rodapé ) de diplomas vinculantes que tratam genericamente do direito de todo ser humano de ser julgado por um julgador independente.
A independência do Poder Judiciário possui duas facetas:
1) a faceta externa, que assegura a sua autonomia sem interferência ou ameaça dos demais Poderes e
2) a faceta interna, que prevê que o magistrado possui independência judicial é mencionada em vários diplomas normativos de DH.
Em primeiro lugar, o Artigo Dez da Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *4 vide nota de rodapé ) prevê que todo ser humano tem direito a um julgamento justo realizado por um julgador independente e imparcial. Por sua vez, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *5 vide nota de rodapé ) dispõe, em seu Artigo Quatorze, Parágrafo Primeiro, que toda pessoa tem o direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial ( Artigo Oito ponto Um ).
Para explicitar melhor tais comandos, foram adotados, em Mil novecentos e oitenta e cinco, os PBRIPJ. Ao todo são Vinte Princípios, os quais foram adotados com o objetivo de explicitar os mecanismos internos para assegurar a independência da função jurisdicional e, ao mesmo tempo, servir de parâmetro para que seja avaliada a real independência do Poder Judiciário em um determinado Estado ( *6 vide nota de rodapé ).
Os princípios Primeiro e Segundo estabelecem que " [ a ] independência do Poder Judiciário será garantida pelo Estado e consagrada na Constituição ou na legislação do país. É dever de todas as instituições governamentais e outras, respeitar e observar a independência do Poder Judiciário" ( Princípio Primeiro ) e ainda " [ o ] Poder Judiciário deverá decidir de forma imparcial, com baswe em fatos e em conformidade com a lei, sem quaisquer restrições, influências impróprias, aliciamentos, pressões, ameaças ou interferências, diretas ou indiretas, de qualquer setor ou por qualquer motivo".
Sobre o alcance da função jurisdicional do Estado, o Princípio Terceiro assevera que cabe ao próprio Poder Judiciário decidir se cabe ou não decidir em um caso que lhe foi submetido. Ou seja, não podem os demais Poderes sustentarem que o caso apresentado seria um "caso político" e insuscetível de avaliação judicial. Somente o próprio Poder Judiciário pode decidir sobre sua competência.
O Princípio Quarto trata da impossibilidade de interferências indevidas ou injustificadas no processo judicial e o Princípio Quinto assegura o direito de toda pessoa de não ser julgada por tribunais de exceção ou de acordo com regras não previstas em lei. O Princípio Sexto prevê que os magistrados têm o direito e o dever de garantir a condução dos processos de forma justa e respeitando o direitos das partes. Já o Princípio Sétimo dispõe sobre o dever dos Estados de assegurar recursos materiais necessários para o regular desempenho de suas funções.
Há ainda preocupação dos PBRIPJ a respeito das liberdades de expressão e de associação. O Princípio Oitavo assegura aos magistrados as liberdades de expressão, de crença, de associação e de reunião. Contudo, há a ressalva de exigência, no exercício desses direitos, de conduta compatível com a dignidade do seu cargo e a imparcialidade e a independência da magistratura. O Princípio Nono prevê o direito de associação voltada à representação de seus interesses, à formação e à defesa da independência do Poder Judiciário.
No que tange às qualificações, seleção e formação, o Princípio Dez exige
1) formação ou as qualificações jurídicas adequadas;
2) método de seleção imunizado contra nomeações abusivas e que não contenha qualquer discriminação por motivo de raça, cor, gênero, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou condição. A exigência da nacionalidade do Estado não é considerada abusiva.
Quanto às condições de trabalho durante o exercício da função, os Princípios Onze a Quatorze tratam da
1) remuneração ( inclusive na aposentadoria ) e condições de trabalho adequadas,
2) inamovibilidade,
3) promoção baseada em critérios objetivos, voltados especialmente à análise da capacidade e
4) autonomia da administração judicial nas decisões de distribuição de processos.
O sigilo profissional é previsto no Princípio Quinze ( assegurando ao magistrado o direito de não ser obrigado a prestar depoimento sobre questões sigilosas ) e, no Princípio Dezesseis estabeleceu-se a imunidade pessoal em face de processos de responsabilidade civil por danos causados no exercício das suas funções, sem prejuízo de responsabilidade disciplinar e do direito à indenização a ser ofertada pelo Estado ( em conformidade com a legislação nacional ).
Há também determinação sobre medidas disciplinares, suspensão e destituição nos Princípios Dezessete a Vinte. Em síntese, o magistrado tem direito a um julgamento justo e com imparcialidade, devendo toda acusação ou queixa contra um juiz pelo exercício de suas funções ser tramitada de maneira célere e com respeito ao devido processo legal ( *7 vide nota de rodapé ). O exame inicial da questão deve ser confidencial, a menos que o juiz solicite o contrário. O Princípio Vinte estabelece que as decisões adotadas em procedimentos disciplinares, de suspensão ou de destituição deverão estar sujeitas a uma revisão independente. Porém, tal princípio poderá não ser aplicável às decisões proferidas pela Suprema Corte ou às do Poder Legislativo no âmbito de processos de destituição análogos. Contudo, mesmo em tais processos, há de ser observado o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório.
Já os PCJB têm como meta a preservação da confiança da sociedade no Poder Judiciário, o que é indispensável para que os indivíduos sintam confiança de lutar pelos seus direitos por intermédio do acesso à Justiça ( *2 vide nota de rodapé ). É também um diploma de soft law, que, além de servir para interpretação dos comandos normativos vinculantes que se relacionam com a conduta dos magistrados no processo, pode também ser utilizado como inspiração para reformas legislativas nacionais. Foram escolhidos seis valores, que devem nortear a conduta dos magistrados.
O Valor Primeiro é a independência, que consiste na condução do processo e adoção de decisão sem outra obediência a não ser a sua interpretação das normas incidentes no caso. É requisito do Estado de Direitos e uma garantia fundamental de um julgamento justo. O juiz deve ser independente e ser o exemplo da independência judicial tanto no seu aspecto individual quanto no aspecto institucional. Não pode aceitar alguma interferência ( seja do governo, de outro juiz, de grupos de particulares etc. ) na forma da condução do litígio ou na adoção de sua decisão.
O valor Segundo é a imparcialidade, que é representada tanto pelo aspecto subjetivo ( não pode existir preconceitos, estereótipos ou mesmo interesses que envolvam o juiz na condução e julgamento ) quanto objetivo ( devem existir garantias que assegurem a imparcialidade aos olho da sociedade ).
O Valor Terceiro é a integridade, que consiste no atributo de correção e virtude no desempenho da atividade jurisdicional. Almeja-se o repúdio à corrupção ou ao uso do cargo para a realização de desejos pessoais ( indicação para um cargo em Tribunal Superior, busca de notoriedade para viabilizar futura candidatura política etc. ). A integridade também alcança o julgador na sua vida privada, mas não se pode interpretar tal valor de modo a reprimir opções de vida que não são majoritárias do ponto de vista social ou moral. A magistratura ganha com a diversidade cultural e os padrões aplicáveis aos julgadores não devem ser homogêneos. Nos "Comentários" aos PCJB, elaborados pelo próprio JGSJI, há um "teste de integridade" composto por Seis fatores:
1) natureza pública ou privada do ato e sua
a) licitude;
2) ser o ato protegido por um direito individual;
3) grau de discrição e prudência usado pelo juiz;
4) avaliação do prejuízo causado pela conduta aos envolvidos ou se ala é - razoavelmente - ofensiva a outros;
5) análise do grau de respeito ( ou desrespeito ) a outros demonstrado pela conduta;
6) análise se a conduta denota parcialidade ou influência devida ( *8 vide nota de rodapé ).
O Valor Quarto é a idoneidade, que consiste na aparência de ser o julgador um indivíduo dotado de integridade, imparcialidade, independência e competência. Por exemplo, dar tratamento diferenciado benéfico a um agente de alto escalão do Estado, especialmente se este pode contribuir para para indicações futuras em postos elevados do Poder Judiciário cria um aparência de parcialidade e acesso especial ao Tribunal por parte daquele homenageado. Por outro lado, tratar de modo diferenciado e benéfico crianças que visitam o tribunal é tido como idôneo, já que crianças não ocupam posições de poder e não geram aparência de influência imprópria ( *9 vide nota de rodapé ). Deve ser analisado, caso a caso, a participação em festas a convite de firma de advogados, visitas a empresas etc., pois lhe é permitida a hospitalidade comum e a socialização no meio jurídico. O critério é, novamente, a aparência de abalo à idoneidade a partir do ponto de vista de um observador comum. Por quatro lado, as revelações sociais de maior intimidade ( namoro, relações familiares etc. ) com advogado, membro do Ministério Público ( MP ), autores, réus, entre outros, devem ser prontamente relatadas e levar aos afastamento do juiz do caso. Também abala esse valor o envolvimento do juiz nos debates da arena política, criticando, por exemplo, determinada política pública, o governo ou a oposição, entre outros temas. Finalmente, no tocante à aceitação de honorários pelo saber jurídico ( por aulas, cursos, palestras, publicações e outras participações na vida privada nas quais seu conhecimento jurídico seja comercializado ), estes devem ser razoáveis e proporcionais à tarefa realizada e não podem levantar dúvidas sobre influência indevida.
O Valor Quinto consiste na igualdade, devendo o juiz tratar de modo igualitário todas e todos, evitando estereotipar e devendo ser receptivo á diversidade existente na sociedade. Também deve zelar para que os servidores do Poder Judiciário e demais atores do sistema de justiça não externem condutas tidas como racistas, sexistas ou qualquer outra conduta inapropriada.
O Valor Sexto consiste na exigência de competência e diligência por parte do juiz na execução de suas funções judicantes. para tanto, recomenda-se a continuidade da capacitação ( em especial nas Escolas das Magistraturas ), com especial atenção a diplomas normativos internacionais que são aplicáveis internamente.
Quadro sinótico
Princípios Básicos Relativos à Independência do Poder Judiciário e aos Princípios de Bangalore
Natureza jurídica: Soft law, mas serve como parâmetro para interpretação dos diplomas normativos vinculantes, como os tratados de DH.
Pontos principais dos Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura - Mil novecentos e oitenta e cinco
Conjunto de Princípios para garantia da independência para o exercício da magistratura envolvendo:
1) princípios fundamentais;
2) garantia de exercício da liberdade de expressão e associação;
3) princípios relativos à seleção, formação e promoção;
4) garantia de condições de trabalho;
5) regulação sobre mediadas disciplinares, suspensão e destituição.
Princípios de Bangalore de Conduta Judicial
Seis valores:
1) independência
2) imparcialidade
3) integridade
4) idoneidade
5) igualdade
6) competência e diligência
P.S.:
Notas de rodapé:
* Organização das Nações Unidas ( ONU ). Escritório Contra Drogas e Crime ( UNDOC - sigla em inglês ). Comentários aos princípios de Bangalore de conduta judicial. Tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. - Brasília: Conselho da Justiça Federal, Dois mil e oito.
* 2 A garantia do acesso à justiça, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:
*3 A interpretação das normas, contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:
*4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, Também conhecida como Declaração de Paris, é melhor detalhada em:
*5 O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-civis-e-pol%C3%ADticos-no-brasil .
*6 Disponível versão em português em: < http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/princbasicos-magistratura.pdf > . Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte .
*7 O princípio da legalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .
*8 Organização das Nações Unidas ( ONU ). Escritório Contra Drogas e Crime ( UNODC - sigla em inglês ). Comentários aos Princípios de Bagalore de Conduta Judicial. Tradução de Marlos da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Dois mil e oito, Páginas Oitenta e nove e Noventa.
*9 Exemplo extraído dos "Comentários". Organização das Nações Unidas ( ONU ). Escritório Contra Drogas e Crime ( UNODC ). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial. Tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Dois mil e oito, Página Noventa e quatro.
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