O Protocolo de Minnesota sobre Investigação de Mortes Potencialmente Ilícitas ( PMIMPI ) de Dois mil e dezesseis ( * vide nota de rodapé ) consiste em um conjunto de regras de orientação sobre como proceder a investigação de mortes que possam ser tidas como ilícitas. A versão original do PMIMPI foi desenvolvida em Mil novecentos e noventa e um através de um processo conduzido pelo Comitê internacional de Direitos Humanos ( DH ) dos Advogados de Minnesota ( ( CIDHAM ) ( por isto a alcunha ), complementando os Princípios da Organização das Nações Unidas ( ONU ) sobre a Prevenção e Investigação Eficazes de Execuções Extralegais, Arbitrárias ou Sumárias ( PONUPIEEEAS ) e visando à criação de um "guia prático" de alcance internacional para aqueles que conduziam investigações de mortes em circunstâncias suspeitas. O PMIMPI busca evitar que a impunidade das violações ao direito à vida possa servir de estímulo a novas violações. Com base no sucesso do PMIMPI foi criado o Manual sobre a Investigação Efetiva e Documentação da tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ( MIEDTOTPCDD ), também conhecido como Protocolo de Istambul ( *2 vide nota de rodapé ) - analisado neste texto. A fim de garantir que o PMIMPI continuasse a manter sua relevância e refletir os avanços da técnica forense, em Dois mil e quatorze, o Relator Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, em colaboração com o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os DH ( ACONUDH ), iniciou um processo revisar e atualizar o PMIMPI ( * 3 vide nota de rodapé ).
O objetivo do PMIMPI é proteger o direito à vida ( *4 vide nota de rodapé ) e promover o acesso à justiça ( *5 vide nota de rodapé ), bem como o direito à reparação, por meio de uma investigação eficaz de toda e qualquer morte potencialmente injusta, incluindo os casos de suspeita de desaparecimento forçado ( por extensão ). O PMIMPI estabelece um protocolo de conduta na investigação de uma morte potencialmente ilícita ou caso de suspeita de desaparecimento forçado, bem como um conjunto comum de princípios e diretrizes para Estados, instituições e indivíduos que participam da investigação.
O PMIMPI é o que se chama de soft law no Direito Internacional ( DI ), que consiste no conjunto de normas não vinculantes, mas que servem como guias de interpretação de normas vinculantes. No caso, o PMIMPI é utilizado como vetor de interpretação do dever de prevenção e repressão à violação do direito à vida, sendo invocado por diversos órgãos internacionais como a Corte Europeia de DH ( CEDH ) e a Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ), o Comitê Interamericano de DH ( Comitê IDH ), entre outros.
O PMIMPI possui, como principais destinatários, policiais, médicos, advogados, agentes da justiça, da promotoria, organizações não governamentais ( ONGs ), portanto, todos os atores envolvidos em investigações de homicídios potencialmente ilegais. Sua aplicação se dá, essencialmente, às investigações realizadas em tempos de paz, porém, não se descarta sua utilização em casos de homicídios durante conflitos armados.
O PMIMPI se aplica à investigação de todas as "mortes potencialmente ilícitas" e, no que for possível, todos os casos de suspeita de desaparecimento forçado ( *6 vide nota de rodapé ). Ele se aplica às situações em que
1) a morte pode ter sido causado por atos ou omissões do Estado, seus órgãos ou agentes, ou pode ser imputável ao Estado, em violação de sua obrigação de respeitar o direito à vida. Inclui, por exemplo, todas as mortes possivelmente causadas por grupos paramilitares, milícias ou "esquadrões da morte" suspeitos de agirem sob a direção do Estado ou com seu consentimento ou aquiescência; bem como mortes causadas por militares ou forças de segurança privadas no exercício de funções de Estado;
2) a morte ocorreu quando a pessoa estava detida ou sob custódia do Estado, seus órgãos ou agentes. Esta hipótese inclui todas as mortes de pessoas detidas em prisões, em outros locais de detenção ( oficiais ou não ) e em outras instalações onde o Estado exerce maior controle sobre suas vidas;
3) a morte pode ser o resultado do não cumprimento por parte do Estado de sua obrigação de proteger a vida. Isto inclui, por exemplo, qualquer situação em que um Estado deixe de exercer a devida diligência para proteger uma pessoa ou pessoas contra ameaças externas ( previsíveis ou atos de violência por parte de atores não estatais ( *7 vide nota de rodapé ).
Também é obrigação geral do Estado investigar todas as mortes ocorridas em circunstências suspeitas, mesmo quando não são denunciadas ou quando o Estado foi o responsável pela morte ou que se absteve ilegitimamente de evitá-la.
O PMIMPI estabelece as seguintes regras gerais a respeito da condução das investigações, as quais devem ser:
1) imediatas;
2) eficazes e completas;
3) independentes e imparciais; e
4) transparentes.
Investigações imediatas:
A s investigações sobre as mortes potencialmente ilícitas devem ser conduzidas prontamente, para assegurar a repressão á violação do direito á vida e a promoção do direito a um recurso efetivo. Portanto, as autoridades públicas devem conduzir a investigação de modo o mais rápido possível, sem demora injustificada.
Investigações eficazes e completas
As investigações devem, na medida do possível, colher e verificar todos os testemunhos, documentos e demais provas. Durante as investigações, é essencial:
a) identificar a (s ) vítima ( s );
b) recuperar e preservar o material probatório relacionado á causa, circunstências da morte e á identidade do ( s ) possíveis autor ( es );
c) arrolar as testemunhas potenciais o obter seu depoimento em relação á morte e suas circunstâncias;
d) determinar a causa, modo, local e hora da morte e todas as circunstâncias relevantes. A investigação tem como obrigação distinguir entre morte por causas naturais, morte por acidente, suicídio e homicídio; e
e) delimitar os envolvidos e a responsabilidade individual de cada um.
Investigações independentes e imparciais
Os investigadores e os mecanismos de investigação devem ser independentes ( independência subjetiva ), imunizados de qualquer influência indevida, sendo percebidos como tal pela comunidade ( independência objetiva ). No tocante á imparcialidade, os investigadores não podem ter algum outro interesse a não ser o deslinde da situação.
Investigações transparentes
Os processos e resultados da investigação devem ser transparentes, o que significa que eles devem estar sujeitos aos escrutínio do público em geral e das famílias das vítimas, ressalvado o sigilo para assegurar a efetividade das investigações em curso. Tal transparência é exigida do Estado de Direito ( a publicidade dos atos estatais é regra - vide Artigo Trinta e sete, Caput, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito - CF -88 ), permitindo que a idoneidade das investigações seja averiguada por observadores externos. Permite também o acompanhamento das investigações pelos familiares das vítimas.
Os Estados devem adotar todas as medidas apropriadas para incorporar as disposições do PMIMPI em seu sistema jurídico interno e promover seu uso pelo si8stema policial e pelo sistema de justiça. No Brasil, recentemente o Supremo Tribunal Federal ( STF ) determinou que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infração penal, a investigação será atribuição do órgão do Ministério Público ( MP ) competente, devendo atender ao que exige o PMIMPI, em especial no que tange à oitiva das vítimas ou familiares ( Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais - ADPF - número Seiscentos e trinta e cinco Medida Cautelar, relator Ministro Edson Fachin, Plenário, Sessão Virtual de Sete de agosto de Sois mil e vinte ).
Quadro sinótico
Protocolo de Minesota sobre investigação de mortes potencialmente ilícitas
Natureza jurídica
Soft law, mas serve como vetor de interpretação do dever de prevenção e repressão à violação do direito à vida.
Ações ou omissões do Estado
Cabe o uso do PMIMPI tanto para mortes causadas por ações ou omissões dos agentes públicos quanto por particulares ( por exemplo, milícias ou "esquadrões da morte" ).
Morte enquanto estava sob custódia
O PMIMPI deve ser utilizado em relação a mortes de pessoas detidas em prisões, em outros locais de detenção ( oficiais ou não ) e em todas as instalações onde o Estado tem o dever de proteção do custodiado.
Morte resultante da não proteção do Estado
A morte pode ser o resultado do não cumprimento por parte do Estado de sua obrigação de proteger a vida. Isto inclui, por exemplo, qualquer situação em que um Estado deixe de exercer a devida diligência para proteger uma pessoa ou pessoas contra ameaças privisíveis ou atos de violência por parte de particulares.
As investigações devem ser
1) Imediatas;
2) Eficazes;
3) Abrangentes;
4) Independentes;
5) Imparciais e
6) Transparentes.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O Professor Luís Renato Vedovato ( Unicamp ) colaborou com informações para a produção deste texto.
*2 O Manual sobre a Investigação Efetiva e Documentação da tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ( MIEDTOTPCDD ), também conhecido como Protocolo de Istambul, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em:
*3 O Professor Luís Renato Vedovato ( da Unicamp ) colaborou com informações para a redação deste item.
*4 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*5 A garantia do acesso à justiça, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*6 A Convenção que protege as pessoas contra desaparecimento forçado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:
*7 Conferir em Protocolo de Minnesota sobre la Investigaciós de Muertes Potencialmente Ilícitas ( 2016 ), Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, Nova York / Genebra, Dois mil e dezessete.
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