No bojo da criação do Conselho de Direitos Humanos ( DH ) em
Dois mil e seis, foi criado o Mecanismo de Revisão Periódica Universal ( MRPU
). A essência do MRPU é o peer review – monitoramento pelos pares – pelo qual
um Estado tem a sua situação de DH analisada pelos demais Estados da
Organização das Nações Unidas ( ONU ) e que, futuramente, poderá vir a
substituir os procedimentos especiais.
O MRPU prevê que todos os Estados da ONU serão avaliados em
períodos de quatro a cinco anos, evitando-se a seletividade e os parâmetros
dúbios da escolha de um determinado país e não outro. O trâmite é simples e
previsto no anexo da Resolução número Cinco / Um do Conselho de DH, de Dezoito de
junho de Dois mil e sete. De início, cabe ao Estado a ser examinado apresentar
1)
Relatório nacional oficial ao Conselho de DH
sobre a situação geral de DH em seu território. Após, apresenta-se
2)
Uma compilação de todas as informações
referentes a DH no Estado examinado constante dos procedimentos especiais do
próprio Conselho de DH e demais órgãos internacionais de DH. Por fim, as
organizações não governamentais ( ONG ) e a instituição nacional de DH ( INDH )
podem também apresentar
3)
Informes e outros documentos relevantes, que
serão resumidos por equipe do Alto Comissariado da ONU para os DH ( ACONUDH ).
Após o Estado a ser examinado é questionado no Conselho de
DH em relação à promoção de DH constante da Carta da ONU ( * vide nota de
rodapé ), Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *2 vide nota de rodapé ) e
ainda nos tratados internacionais de DH eventualmente ratificados.
Esse exame tem como peça-chave o “diálogo construtivo” entre
o Estado sob revisão e outros Estados-membros da ONU ( membros ou não do Conselho
). Para tanto é formado um Grupo de Trabalho ( GT ) capitaneado pelo Presidente
do Conselho e composto pelos Quarenta e sete Estados-membros. Todos os
documentos acima expostos sobre a situação de DH devem ser apreciados em
reunião desse GT, previsto para durar três horas.
Esse diálogo permite ao Estado examinado responder ás
dúvidas e ainda opinar sobre os comentários e sugestões dos demais Estados. Não
há, então, condenação ou conclusões vinculantes. Busca-se a cooperação e adesão
voluntária do Estado examinado.
Para sistematizar o exame, são nomeados pelo Conselho três
Estados 9 escolhidos entre os diversos grupos regionais, por sorteio ),
conhecidos como “troika”, que atuam como verdadeiros relatores da revisão
periódica do Estado examinado.
Cabe à troika resumir as discussões, elaborando o chamado
Relatório de Resultado ( RR ) ou Relatório Final ( RF ), fazendo constar um
sumário dos passos tomados no exame, observações e sugestões dos Estados, bem
como as respostas e eventuais “compromissos voluntários” do Estado examinado.
Esse RR ou RF será apreciado pelo colegiado do Conselho de
DH. O Artigo Vinte e sete do Anexo da Resolução número Cinco / Um deixa claro
que o MRPU é um “mecanismo cooperativo”. Assim, o conteúdo do resultado do
exame deverá conter uma avaliação objetiva e transparente da situação de DH do
país, que inclua os avanços e desafios ainda existentes, bem como os
compromissos voluntariamente aceitos pelo Estado examinado.
O Brasil foi pioneiro na proposição de um novo mecanismo de
exame da situação de DH na ONU e, na condição de membro da primeira composição
do recém-criado Conselho, acatou ser submetido a exame já na primeira sessão do
Conselho. No primeiro ciclo do MRPU ( de Dois mil e oito a Dois mil e onze ), a
“troika” indicada foi composta por Gabão, Arábia Saudita e Suíça, que editou um
RR sobre o Brasil em maio de Dois mil e oito. Em Dois mil e doze o Brasil foi
submetido a nova revisão, no segundo ciclo do MRPU ( de Dois mil e doze a Dois
mil e dezesseis ), a “troika” foi Equador, Polônia e China. O Brasil recebeu
Cento e setenta recomendações, das quais acatou integralmente Cento e cinquenta
e nove, rejeitou Uma e acatou parcialmente Dez.
Em Dois mil e dezessete, o Brasil foi submetido ao terceiro
ciclo do MRPU ( que se iniciou em Dois mil e dezessete e deveria ter terminado
em Dois mil e vinte e um ), tendo sido escolhidos o Quirguistão, El Salvador e
Botsuana para atuar como relatores ( “troika” ). Inicialmente, o Brasil
apresentou a sua visão sobre o comprimento das recomendações acatadas em Dois
mil e doze. Ressalta-se que não é difícil para o Estado avaliado 9 qualquer que
seja ) apontar o comprimento das recomendações, que são propositalmente feitas
de modo genérico e programático. Assim, basta apontar a edição de uma lei ou
mesmo um investimento para que recomendações do tipo “fazer esforços”,
“promover”, “adotar medidas” sejam consideradas cumpridas. Por outro lado,
quando um Estado faz uma recomendação direta, cujo cumprimento é de fácil
aferição ( tudo ou nada ), basta que o Estado avaliado a recuse. Por exemplo,
em Dois mil e doze, a Dinamarca fez recomendação do tipo direto ao Brasil 9
união das polícias civil e militar, gerando a desmilitarização do policiamento
ostensivo ), que a recusou.
No terceiro ciclo brasileiro, houve intensa participação dos
Estados examinadores, com a apresentação de Duzentas e quarenta e seis
recomendações. Várias delas continuam a ser programáticas e genéricas 9 por
exemplo, adotar medidas para reformar o sistema prisional á luz dos DH – feita
pela Itália, Namíbia, Argélia, Áustria, Santa Sé, Irlanda ) e há inclusive
recomendação com potencial discriminatório, como a feita pela Santa Sé, que
sugeriu que o Brasil continuasse a proteger a “família natural e o casamento,
formado pelo marido e esposa” ( *3 vide nota de rodapé ).
Foram quatro recomendações rejeitadas pelo Brasil: a
formulada pela Santa Sé, Venezuela 9 duas referentes ao impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff e ao congelamento de gastos por Vinte anos da Emenda
Constitucional número Noventa e cinco / de Dois mil e dezesseis ) e ainda a do
Reino Unido 9 referente à adoção de critério transparente e meritocrático para
seleção de candidatos nacionais para órgãos da ONU ) ( *4 vide nota de rodapé ).
O resultado desse mecanismo, coso continuem a existir essas
recomendações genéricas, sem maior atenção a dados objetivos e mensuráveis,
tende a se restringir a fornecer um espaço político de visibilidade sobre a
situação de DH em um determinado país, sem maiores consequências ao Estado
avaliado.
Quadro sinótico
MRPU
Criação: Resolução do Conselho de DH, Dois mil e sete.
Composição: Os Membros do Conselho de DH avaliam o Estado.
Todos os Estados da ONU devem passar pelo MRPU a cada quatro anos.
Competência: Estabelecer um “diálogo constitutivo” com o
Estado examinado. Os compromissos são voluntários e não podem ser impostos.
P.S.:
Notas de rodapé:
*A Carta da ONU é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-manutencao-de-paz-e.html .
*2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos é melhor
detalhada em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-onu-declara-liberdade-e-igualdade-em-dignidade-e-direitos .
*3 Disponível em: < http://acnudh.org/wp-content/uploads/2017/05/A_HRC_WG.6_27_L.9_Brazil.pdf
> . Em português: < https://nacoiesunidas.org/wp-content/uploads/2017/08/RPU-Brasil.docx.docx.pdf
> . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
*4 As in formações de documentos sobre o Brasil e os três ciclos estão disponíveis em: < https://www.ohchr.org/EN/HRBodies/UPR/Pages/BRindex.aspx > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .
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