Jair Bolsonaro demonstrou um empenho fenomenal para comprar a vacina Covaxim por um preço 1.000% acima do anunciado pela própria fabricante, a farmacêutica indiana Bharat Biotech. A mais recente descoberta é que para que o suspeitíssimo negócio, autorizado pessoalmente por Jair Bolsonaro, pudesse se concretizar, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, incluiu uma emenda na medida provisória que trata da importação de vacinas.
A MP em questão, de número 1.026/21, permite que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas”, desde que aprovadas por determinadas autoridades sanitárias de outros países. No texto inicial da medida, não estava incluída a agência indiana, a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO). Em 3 de fevereiro, Barros tratou de incluí-la, possibilitando assim que a promessa feita por Bolsonaro ao governo indiano, de que o Brasil compraria o imunizante, se concretizasse.
Esse detalhe ajuda a entender o que já se configura como um verdadeiro escândalo. Veja abaixo o que se sabe sobre a transação e como Bolsonaro participou do processo desde o início:
1. Em dezembro de 2020, o governo já havia recusado ao menos 9 ofertas de compras das vacinas da Pfizer e do Butantan. Naquele mês, a recusa para adquirir doses tanto da Pfizer quanto da Janssen era de que havia impedimentos legais. Hoje, porém, sabe-se que foi preparada uma minuta que removia esse obstáculo, mas a ideia acabou misteriosamente abandonada e não foi incluída pelo governo na MP 1.026/21. Na prática, o governo Bolsonaro dizia não à Pfizer e à Janssen naquele momento;
2. Ainda em dezembro de 2020, a embaixada do Brasil na Índia enviou diversos comunicados sobre a vacina indiana Covaxin. Nesses comunicados, dois pontos são muito importantes: a) cada dose da vacina custaria apenas US$ 1,34; b) os testes de segurança da vacina estavam atrasados, havia muitas dúvidas sobre a transparência de seu desenvolvimento e o imunizante só deveria ser lançado em fevereiro de 2020;
3. Mesmo com todos os alertas, Bolsonaro deu OK para a compra. Em 8 de janeiro de 2021, ele escreveu ao primeiro ministro indiano, Narendra Modi, dizendo que a Covaxin havia sido escolhida pelo Brasil;
4. A compra da Covaxin foi muito rápida para o “padrão Bolsonaro”. Toda a negociação durou três meses, segundo apurou o Estado de S. Paulo. Vale lembrar que a Pfizer precisou de 11 meses para fechar negócio;
5. Outra diferença importante é que a Covaxin foi a única que o governo não negociou diretamente com a fabricante. O processo passou por uma empresa brasileira, a Precisa Medicamentos, dirigida por Francisco Maximiano;
6. Maximiano foi recebido na embaixada do Brasil na Índia em 7 de janeiro, um dia antes de Bolsonaro anunciar a compra da vacina. Naquela época, a empresa dele já era investigada no âmbito da Operação Falso Negativo, que apura a venda de testes para Covid-19 superfaturados;
7. Em 3 de fevereiro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, apresenta a emenda que permitiu a importação da Covaxin. Barros e Maximiano são próximos e se envolveram juntos em casos suspeitos. O deputado é alvo de uma ação do MPF por improbidade administrativa na qual é acusado de favorecer a empresa Global Gestão em Saúde, que tem Maximiano como um dos sócios;
8. Em 25 de fevereiro, o contrato entre o Ministério da Saúde é assinado. Só que, em vez de custar US$ 1,34, cada dose sai por US$ 15. O total a ser pago pelo governo brasileiro é R$ 1,6 bilhão, dos quais R$ 500 milhões devem ficar para a Precisa Medicamentos;
9. O Ministério Público Federal (MPF) passa a investigar a compra da Covaxin. Em 31 de março, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, chefe da Divisão de Importação, diz ao órgão que foi pressionado por superiores a “pedir uma exceção da exceção” à Anvisa para agilizar o processo de importação da Covaxin. Naquele mesmo dia, a Anvisa recusa a importação do imunizante;
10. Neste mês, o MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para área que cuida de combate à corrupção.
Operação abafa
Com a divulgação de todas essas informações, Bolsonaro e seus ministros passam a tentar se defender. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, buscou se justificar dizendo que o governo ainda não pagou nada à Bharat Biotech. Isso não explica nada, pois significa apenas que o contrato está sendo cumprido. Como a empresa indiana ainda não entregou nenhuma dose, não deveria mesmo ter recebido.
Já Bolsonaro foi defendido, nesta quarta-feira (23) pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor Luis Ricardo Miranda. O parlamentar foi à imprensa dizer que avisou Bolsonaro sobre irregularidades na compra da Covaxin em março, após a assinatura do contrato. Foi a segunda versão sobre o aviso que apareceu no mesmo dia.
Mais cedo, às 8h49, o site O Antagonista publicou matéria informando que Miranda havia alertado Bolsonaro em janeiro. “Miranda esteve com Bolsonaro nos dias 29 e 30 de janeiro, pelo menos. No dia 29, uma sexta-feira, o encontro, registrado no Instragram do deputado, foi no Palácio do Planalto. No dia seguinte, um sábado, o deputado passeou de moto com o presidente e detalhou a situação que envolvia a contratação da Covaxin pelo Ministério da Saúde”, informava a matéria. Duas horas depois, porém, Miranda mudou a história e disse que só falou a Bolsonaro sobre as irregularidades em março.
Independentemente da data ou se o alerta ocorreu mesmo ou não, Bolsonaro estava a par da compra desde o início, afinal foi ele quem informou pessoalmente o governo indiano sobre a decisão de adquirir a vacina ainda em janeiro. Além disso, partiu de sua secretaria de governo o texto da MP que excluía a possibilidade de compra da Pfizer e da Janssen. Como disse o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Miranda pode ter avisado Bolsonaro, mas “não sabia ele que o presidente da República estava diretamente envolvido”.
Com informações de pt.org.br .
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