A Convenção Suplementar sobre a Abolição do Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura ( CSAETEIPAE ) foi adotada em Genebra em Sete de setembro de Mil novecentos e cinquenta e seis. Sucedeu a Convenção sobre Escravatura ( CsE ) de Mil novecentos e vinte e seis, emendada pelo Protocolo de Mil novecentos e cinquenta e três, com o intuito de intensificar os esforços para abolir a escravidão ( * vide nota de rodapé ), o tráfico de escravos e as instituições e práticas análogas à escravidão. Possui, em Dois mil e vinte, Cento e vinte e quatro Estados Partes.
O tratado veio em resposta a um pr4oblema persistente em todo o mundo, que vem a ser as práticas análogas à escravidão, também denominadas "escravidão contemporânea". O último país a abolir a escravidão foi a Mauritânia, pelo Decreto número Oitenta e um mil duzentos e trinta e quatro, somente em novembro de Mil novecentos e oitenta e um, mas episódios de redução a condição análoga de escravo ainda ocorrem no mundo, inclusive no Brasil.
No Brasil, a CSAETEIPAE foi aprovada pelo Decreto Legislativo número Sessenta e seis de Mil novecentos e sessenta e cinco, junto com a CsE assinada em Genebra em Vinte e cinco de setembro de Mil novecentos e vinte e seis e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura em Sete de dezembro de Mil novecentos e cinquenta e três. Em Seis de janeiro de Mil novecentos e sessenta e seis, foi efetuado o depósito do instrumento brasileiro de adesão junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ) e, por meio do Decreto número Cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e três, de Primeiro de junho de Mil novecentos e sessenta e seis, deu-se a promulgação.
A CSAETEIPAE possui Quinze Artigos, divididos em Seis Seções. A Seção Quarta é responsável por apresentar as definições utilizadas para os fins da CSAETEIPAE. Define-se a escravidão, repetindo o texto de Mil novecentos e vinte e seis, como "o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade", sendo "escrevo" aquele indivíduo que se encontra nesta condição. Tráfico de escravos, para a CSAETEIPAE, "significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravisá-lo; todo ato de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para se vendida ou trocada, assim como, em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado".
Finalmente, "pessoa de condição servil" é definida como a pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão. São elas:
1) a servidão por dívidas, que é o "estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor destes serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração destes serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração destes serviços não for limitada nem sua natureza definida";
2) a servidão, entendida como "a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a esta outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição";
3) a instituição ou prática por meio da qual a mulher, sem que possa recusar, é prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas;
4) a instituição ou prática por meio da qual o marido, a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro, a título oneroso ou não;
5) a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida, com a morte do matido, por sucessão a outra pessoa, e
6) a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de Dezoito anos de idade seja entregue a um terceiro, mediante remuneração ou não, com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho.
Esta CSAETEIPAE está em linha com os demais tratados e normas do Direitos Internacional dos Direitos Humanos ( DH ), a começar pela própria Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *2 vide nota de rodapé ), que estabelece, em seu Artigo Quarto, que "ninguém será mantido em escravidão ou servidão" e que "a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas".
Por sua vez, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *3 vide nota de rodapé ) prevê, em seu Artigo Oitavo ( numerais Primeiro e Segundo ) que "ninguém poderá ser submetido à escravidão", bem como que "a escravidão e o tráfico de escravos, em todas as suas formas, ficam proibidos", além de dispor que ninguém poderá ser submetido à servidão".
A Organização Internacional do Trabalho ( OIT ), em Mil novecentos e cinquenta e sete, adotou a Convenção número Cento e cinco concernente à abolição do Trabalho forçado ( *4 vide nota de rodapé ). Além disto, a OIT previu a proibição da escravidão e suas práticas análogas na Convenção número Cento e oitenta e dois, de Mil novecentos e noventa e nove, sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil a ação imediata para sua eliminação ( *5 vide nota de rodapé ).
No que tange ao Direitos Internacional Humanitário ( *6 vide nota de rodapé ), o Protocolo Adicional Segundo às Convenções de Genebra ( *7 vide nota de rodapé ) prevê que são e permanecerão proibidos em qualquer tempo ou lugar "a escravidão e o tráfico de escravos em todas as suas formas" ( Artigo Quarto, numeral Dois, Alínea f ).
Também o Estatuto do Tribunal Internacional Penal ( TPI ) ( *8 vide nota de rodapé ) estipula que a escravidão pode constituir-se em crime contra a humanidade, definindo-a como "o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício deste poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças" ( Artigo número Sete, numeral Dois, Alínea c ).
Assim, os textos internacionais estão em linha com a CSAETEIPAE ora analisada, que definiu a escravidão ( também chamada de escravidão clássica ou chattel ) como sendo "o estado ou a condição de uma pessoa sobre a qual há o exercício de algum ou de todos os poderes que decorrem do direito de propriedade", fixando seus dois elementos tradicionais:
1) estado ou condição da vítima e
2) exercício de um ou mais atributos do direito de propriedade.
O primeiro elemento é comprovado quer exista uma situação jurídica conhecida ( escravidão de jure, que é o chattel, também chamada de escravidão tradicional ) ou uma situação de facto.
Nesta linha, a jurisprudência internacional alargou também o conceito de escravidão, adaptando-o às formas fáticas de escravidão contemporâneas, considerando que a diferença com a escravidão tradicional de jure ( chatell ) é apenas de grau ( *9 vide nota de rodapé ). Neste sentido, o TPI para a ex-Iugoslávia enumerou-se indicadores da existência de escravidão contemporânea em um caso concreto:
a) restrição ou eliminação da autonomia e da liberdade de movimento;
b) busca de benefício ao ofensor;
c) ausência de poder, explorando a vulnerabilidade da vítima;
e) a exploração feita, por exemplo, pela obrigatoriedade de trabalho, prostituição, entre outras formas e
f) situação de tráfico de pessoas ( *10 vide nota de rodapé ).
Esta lista de indicativos não é exaustiva e depende do caso concreto.
Assim, a proibição completa da escravidão e sua inserção como crime contra a humanidade é hoje norma costumeira do Direito Internacional ( *11 vide nota de rodapé ) e a CSAETEIPAE ora analisada é importante porque estendeu tal vedação a instituições e práticas análogas á escravidão, como servidão por dívidas.
Em Vinte e de outubro de Dois mil e dezesseis, a Corte Interamericana de DH condenou o Brasil pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas, previsto no Artigo Sexto, numeral Primeiro, da Convenção Americana de DH ( *12 vide nota de rodapé ), no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil ( *13 vide nota de rodapé ). Em Vinte de outubro de Dois mil e dezesseis, a Corte Interamericana de DH, no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil. Para a Corte Interamericana de DH, a proibição da escravidão é norma imperativa do Direito Internacional ( jus cogens ) e implica em obrigações erga omnes, sendo imposto aos Estados, qual tornam conhecimento de um ato constitutivo de escravidão, servidão ou tráfico de pessoas, iniciar a investigação estabelecer as responsabilidades dos escravizadores ( *14 vide nota de rodapé ).
Voltando à CSAETEIPAE, sua Seção Primeira, composta pelos Artigos Primeiro e Segundo, cuida de tais instituições e práticas análogas à escravidão. O Estado parte se compromete por meio dela, a tornar medidas legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias e viáveis para obter progressivamente a abolição das instituições e práticas análogas à escravidão, e especialmente fixar idades mínimas adequadas para o casamento, estimular a adoção de processos que permitam aos futuros cônjuges exprimir seus libre consentimento ao casamento, bem como fomentar registros de casamento.
A Seção Segunda, composta pelos Artigos Terceiro e Quarto, diz respeito tráfico de escravos, que consiste no ato de transportar ou tentar transportar escravos de um país a outro, por qualquer meio de transportes, e apresenta uma série de mandados de criminalização quanto a este ato. Novamente, o Direito Internacional dos DH conta com o instrumento penal para fazer valer os direitos fundamentais.
A CSAETEIPAE, determina que a prática de tráfico de escravos ou a cumplicidade nele deverá constituir infração penal, devendo ser as penas cominadas rigorosas, nos termos do Artigo Terceiro. Além disto, os Estados Partes ficam obrigados a tornar todas as medidas necessárias para impedir que navios e aeronaves autorizados a arvorar suas bandeiras transportem escravos, bem como para punir os responsáveis por este ato ou por utilizar o pavilhão nacional para esta finalidade. Ademais, os Estados Partes deverão tornar as medidas necessárias para que seus portos, seus aeroportos e suas costas não possam servir para o transporte de escravos. Como uma importante medida para garantir o objetivo da CSAETEIPAE, estabelece-se que todo escravo que se refugiar a bordo de um navio de de Estado Parte será livre ipso facto.
Na Seção Terceira, composta pelos Artigos Quinto e Sexto, a CSAETEIPAE versa sobre a escravidão e instituições e práticas análogas à escravidão. Por meio dela, o ato de escravizar uma pessoa ou incitá-la a alienar sua liberdade ou a de alguém na sua dependência, para escravizá-la, deverá constituir infração penal, bem como a participação neste ato, a tentativa ou a cumplicidade neles, a submissão ou o incitamento a submissão de uma pessoa na sua dependência a uma condição resultante de alguma das instituições ou práticas análogas à escravidão. Nos estados em que a escravidão ou as instituições e práticas análogas às escravidão não estejam ainda completamente abolidas, a CSAETRIPAE. prevê que o ato de mutilar, de marcar com ferro em brasa ou por qualquer outro processo um escravo ou uma pessoa de condição servil, para indicar sua condição, infligir um castigo ou por qualquer outra razão, bem como a cumplicidade em tais atos deverá constituir infração penal.
A Seção Quinta versa sobre a cooperação entre os Estados Partes e com a ONU para a aplicação das disposições da CSAETEIPAE e a comunicação de informações. Finalmente, a Seção Sexta, comporta pelos Artigos Nono a Quinze, traz as cláusulas finais da CSAETEIPAE. Deve-se ressaltar, ademais, que qualquer litígio que surgir entre os Estados Partes em relação à Convenção quanto à sua interpretação ( *15 vide nota de rodapé ) ou aplicação, quando não resolvido por meio de negociação, será submetido à Corte Interamericana de Justiça ( CIJ ) a pedido de uma das Partes, se não decidirem resolver a situação de outra maneira.
Quadro sinótico
CSAETEIPAE
Definições
1) Escravidão: "o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade", sento "escravo" aquele indivíduo que se encontra nesta condição.
2) Tráfico de escravos: "significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-lo; todo ato de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado".
3) Pessoa de condição servil: pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão. São elas:
a) a servidão por dívidas, que é o "estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor destes serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se o a duração destes serviços não for limitada nem sua natureza definida";
b) a servidão, entendida como "a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a esta outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição";
c) a instituição ou prática por meio da qual a mulher, sem que possa recusar, é prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas;
d) a instituição ou prática por meio da qual o marido, a família ou o clâ tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro, a título oneroso ou não;
e) a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida, com a morte do marido, por sucessão a outra pessoa, e
f) a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de Dezoito anos de idade seja entregue a um terceiro, mediante remuneração ou não, com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho.
Mecanismo de monitoramento
Não foi previsto um mecanismo internacional. Por outro lado, a CSAETEIPAE contém uma série de mandados de criminalização para os Estados Partes.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O direito ao trabalho, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também conhecida como Carta de Paris é melhor detalhada em:
*3 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*4 A Convenção número Cento e cinco da Organização Internacional do Trabalho concernente à abolição do Trabalho forçado foi incorporado internamente pelo Brasil pelo Decreto número Cinquenta e oito mil oitocentos e vinte e dois de Quatorze de julho de Mil novecentos e sessenta e seis.
*5 A Convenção número Cento e oitenta e dois, de Mil novecentos e noventa e nove, sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil a ação imediata para sua eliminação foi incorporada internamente no Brasil pelo Decreto número Três mil quinhentos e noventa e sete, de Doze de setembro de Dois mil.
*6 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*7 O Protocolo Adicional Segundo às Convenções de Genebra foi incorporado internamente pelo Brasil pelo Decreto número Oitocentos e quarenta e nove, de Vinte e cinco de junho de Mil novecentos e noventa e três.
*8 O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi incorporado internamento no Brasil pelo Decreto número Quatro mil trezentos e oitenta e oito, de Vinte e cinco de junho de Mil novecentos e noventa e três.
*9 Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia. Caso Prosecutor versus Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac e Zoran Vulkovic, julgamento do órgão de apelação em Doze de junho de Dois mil e dois, em especial o Parágrafo número Cento e dezessete.
*10 Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia. Caso Prosecutor versus Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac e Zoran Vulkovic, Sentença de Vinte e dois de fevereiro de Dois mil e um, em especial Parágrafo número Quinhentos e quarenta e dois.
*11 Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia. Caso Prosecutor versus Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac e Zoran Vulkovic, Sentença de Vinte e dois de fevereiro de Dois mil e um, em especial Parágrafo número Quinhentos e trinta e nove.
*12 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*13 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de Vinte de outubro de Dois mil e dezesseis, Parágrafo Duzentos e quarenta e nove.
*14 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentenças de Vinte de outubro de Dois mil de dezesseis, Parágrafo número Trezentos e sessenta e dois.
*15 A interpretação como um meio de restringir os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
Mais em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário