quarta-feira, 4 de maio de 2022

Direitos Humanos: convenção visa a extirpar o crime de genocídio

Tendo em vista o reconhecimento do genocídio ( * vide nota de rodapé ) como crime de jus congens ( *2 vide nota de rodapé ), bem como a necessidade de cooperação internacional para extirpá-lo, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio ( CPRCG ) ( *3 vide nota de rodapé ) foi aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão pela Resolução número Duzentos e sessenta AA ( Terceira ) da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ), em Nove de dezembro de Mil novecentos e quarenta e oito. Possui, em Dois mil e vinte, Cento e cinquenta e dois Estados Partes.


Foi editada como resposta às barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. Entrou em vigor internacional em Doze de janeiro de Mil novecentos e cinquenta e um, conforme determina seu Artigo Treze. É o primeiro tratado que estabelece, expressamente, o conceito de genocídio, cunhado em obra doutrinária de Lemkin, em Mil novecentos e quarenta e quatro, ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa, tendo se inspirado nas partículas genos ( raça, tribo ) e cídio ( assassinato ) ( *4 vide nota de rodapé ).


No Brasil, a CPRCG foi aprovada pelo Decreto Legislativo ( DL ) número Dois de Onze de abril de Mil novecentos e cinquenta e um, e o instrumento de ratificação ( IR ) foi depositado no Secretariado-Geral da ONU em Quinze de abril de Mil novecentos e cinquenta e dois. Finalmente, foi promulgada pelo Decreto número Trinta mil oitocentos e vinte e dois do Presidente Getúlio Vargas, em Seis de maio de Mil novecentos e cinquenta e dois.


A CPRCG é composta por dezenove Artigos. O Artigo Primeiro enuncia o genocídio, quer seja cometido em tempo de paz, quer em tempo de guerra, é um crime internacional, e os Estados Contratantes se comprometem, por meio dela, a preveni-lo e a puni-lo.


Em seu Artigo Segundo, a CPRCG é pioneira em definir o genocídio, que consiste na prática de quaisquer atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:


1) Assassinato de membros do grupo;

2) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;

3) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;

4) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e

5) A transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.


Exige-se, então, o dolo específico de destruir, em todo ou em parte, o grupo nacional, étnico, racial ou religioso.


De acordo, com a CPRCG, são punidos não só o genocídio, mas também o acordo com vistas a cometê-lo, o seu incitamento direto e público, a tentativa e a cumplicidade nele ( Artigo Terceiro ). As punições poderão ser aplicadas tanto a governantes e funcionários, quanto a particulares, ressaltando-se, novamente, a eficácia horizontal dos Direitos Humanos ( DH ) ( Artigo Quarto ). A CPRCG impede a consideração de tais atos como crimes políticos para fins de extradição, obrigando-se os Estados a conceder a extradição de acordo com a legislação e os tratados em vigor ( Artigo Sétimo ).


Por meio da CPRCG, as Partes ficam obrigadas a adotar as medidas legislativas necessárias para assegurar sua aplicação, especialmente para prever sanções penais eficazes ( mandado de criminalização ) que recaiam sobre as pessoas que tenham praticado qualquer um dos atos supramencionados ( Artigo Quinto ).


As pessoas acusadas da prática de genocídio ou aos atos a ele relacionados previstos no Artigo Terceiro devem ser julgadas por tribunais competentes do Estado em cujo território o ato tenha sido cometido ou por tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição ( Artigo Sexto ).


Este tratado é o primeiro a entrar em vigor trazendo menção a um "tribunal criminal internacional" que seria constituído para julgar  o genocídio. Contudo, somente em Mil novecentos e noventa e oito, com o Estatuto de Roma ( que entrou em vigor em Dois mil e dois ), foi constituído o primeiro Tribunal Penal Internacional ( TPI ) ( *5 vide nota de rodapé ) permanente apto a julgar crime de genocídio. O Tribunal Internacional Militar de Nuremberg ( TIMN ) não julgou o crime de genocídio, pois se entendeu que este crime ainda não havia sido tipificado no Direito Internacional.


É possível que as Partes Contratantes recorram aos órgãos competentes da ONU para que estes tomem as medidas que julgarem apropriadas para a prevenção e a repressão dos atos de genocídio, de acordo com a Carta da ONU ( *6 vide nota de rodapé ) ( Artigo Oitavo ). Ademais, discrepâncias quanto à interpretação, aplicação ou execução da CPRCG poderão ser submetidas à Corte Internacional de Justiça ( CIJ ), a pedido de uma das partes envolvidas na questão ( Artigo Nono ).


Aproveitando deste dispositivo, a Bósnia processou a Sérvia perante a CIJ, acusando-a de envolvimento com a prática de genocídio contra os bósnios muçulmanos durante a guerra de secessão na ex-Iugoslávia ( CIJ, Caso da Aplicação da CPRCG, julgado em Vinte e seis de fevereiro de Dois mil e sete ). Ao final, a CIJ apenas condenou a Sérvia por se omitir na prevenção do genocídio, mas considerou improcedente a acusação de ter praticado genocídio nos atos bárbaros em especial  nos massacres da comunidade muçulmana da Srebrenica, no qual se estima que Oito mil pessoas tenham sido assassinadas. Além de declarar o descumprimento do dever de prevenção, a CIJ condenou a Sérvia, que acusou a Croácia da prática de genocídio envolvendo a guerra de secessão da Iugoslávia em demanda promovida pela Croácia contra a Sérvia. Neste caso, a CIJ julgou improcedente a ação bem como a reconvenção - "counter-claim" ( contra-reivindicação ) - proposta pela Sérvia, que acusou a Croácia da prática de genocídio. Em ambas as situações - ação e reconvenção - a CIJ considerou que o genocídio envolve dois elementos:


1) a prática dos atos já listados e

2) a intenção de praticar o genocídio.


Nos casos provados de atos listados como de genocídio atribuídos à Croácia e Sérvia, a CIJ considerou que não foi provada a intenção. Assim, julgou improcedente tanto a ação quanto a reconvenção ( CIJ, Caso da Aplicação da CPRCG, julgado em Três de fevereiro de Dois mil e quinze ).


Observe-se que se previu que a CPRCG duraria dez anos, contados da data da entrada em vigor. Após este período, passaria a ficar em vigor por cinco anos, e assim sucessivamente, para as Partes Contratantes que não a tivessem denunciado seis meses pelo menos antes de expirar o termo ( Artigo Quatorze ).


Quadro sinótico


CPRCG


Definição de genocídio


1) todos os atos de assassinato de membros do grupo;

2) atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;

3) submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;

4) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

5) a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo, desde que tais atos sejam cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.    


P.S.:


Notas de rodapé:


* O crime de genocídio, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-defini%C3%A7%C3%A3o-e-a-puni%C3%A7%C3%A3o-do-crime-de-genoc%C3%ADdio-previsto-em-lei-no-brasil .


*2 jus congens: o direito cogente; norma cuja aplicação é obrigatória, sem possibilidade de a parte a ela renunciar. Fonte: Dicionário latim-português: termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Duzentos e vinte e seis. 


*3 A Convenção para a Prevenção e a Repressão ao Crime de Genocídio, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-do-brasil-na-preven%C3%A7%C3%A3o-e-puni%C3%A7%C3%A3o-ao-genoc%C3%ADdio .


*4 Lemkin, Raphael. Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupations - Analusis of Government - Proposals for Redress. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, Mil novecentos e quarenta e quatro, em especial, Página s Setenta e nove a Noventa e cinco ( Capítulo Nono "Genocide" ). 


*5 A criação do Tribunal Penal Internacional, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-um-tribunal-internacional-para-julgar-atrocidades-que-chocam-a-consci%C3%AAncia-da-humanidade .


*6 A Carta da Organização das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-manuten%C3%A7%C3%A3o-de-paz-e-seguran%C3%A7a-no-mundo .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-conven%C3%A7%C3%A3o-visa-a-extirpar-o-crime-de-genoc%C3%ADdio

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