A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) definiu que as " terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas " englobam um conjunto composto por quatro tipos de terras ( * vide nota de rodapé ):
1) terras por eles habitadas em caráter permanente,
2) as utilizadas para suas atividades produtivas,
3) terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem - estar e
4) as necessárias para a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições .
Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Estadual de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ), então Secretário-Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ) ( de chapéu ) com indígenas em Florianópolis/SC em Dois mil e vinte e dois .Para os indígenas, a terra tem importância central, já que dela dependem para sua sobrevivência física ( *2 vide nota de rodapé ) e cultural ( *3 vide nota de rodapé ). Por isso, a disputa pelas terras indígenas e suas riquezas representa o cerne dos conflitos entre indígenas e não indígenas no Brasil ( *4 vide nota de rodapé ). Nesse sentido,, o ministro Menezes Direito, em seu voto na petição número Três mil trezentos e oitenta e oito ( Caso Raposa Serra do Sol ), aduziu: " Não há indígena sem terra. A relação é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. ( ... ) . Sua organização social, seus costumes, língua, crenças e tradições estão, como se sabe, atrelados à tera onde vivem. ( ... ) . É nela e por meio dela que se organizam. É na relação com ela que forjam seus costumes e tradições. É pisando o chão e explorando seus limites que desenvolvem suas crenças e enriquecem sua linguagem, intimamente referenciada á terra. Nada é mais importante para eles. por isso, de nada adianta reconhecer - lhes os direitos sem assegurar - lhes as terras, identificando - as e demarcando - as " ( Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez ) .
Pela linguagem constitucional, a CF - 88 adotou o indigenato ( *5 vide nota de rodapé ). Por outro lado, há aqueles que defendem a tese do fato indígena, distinta da teoria do indigenato, apresentada pelo Ministro Menezes Direito ( Supremo Tribunal Federal - STF ) no julgamento do " Caso raposa Serra do Sol " ( Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito ), pela qual as terras indígenas são aquelas que, na data da promulgação da CF - 88, eram ocupadas pelos indígenas. Mencionando o Parágrafo Sexto do Artigo Duzentos e trinta eu m da CF - 88, o Ministro Defendeu que " o constituinte quis suplantar todas as pretensões e os supostos direitos sobre as terras indígenas identificadas a partir de Mil novecentos e oitenta e oito " . Finalmente, o Ministro Direito assim resume seu entendimento: " Conclui - se que uma vez demonstrada a presença dos indígenas em determinada área na data da promulgação da CF - 88 ( Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito ) e estabelecida a extensão geográfica dessa presença, constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra, nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos indígenas. Com isso, pouco importa a situação fática anterior ( posses, ocupações, etc. ) . o fato indígena a suplantará, como decidido pelo constituinte dos oitenta " 9 Petição número três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, voto do Ministro Direito ) . O principal critério para a definição do fato indígena foi chamado " marco temporal ", o qual o Ministro Relator, Ayres Britto, definiu como " chapa radiográfica ", ao passo que o Ministro Lewandowski denominou - o " fotografia do momento " .
Com isso, o STF entendeu que por " terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas " ( Artigo Vinte, Inciso Onze da CF - 88 ) devem ser entendidas aquelas que:
1) as comunidades indígenas ocupavam na data da promulgação da CF - 88 ( marco temporal ); conquanto que
2) as comunidades ostentassem o caráter de perdurabilidade no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica, com o uso da terra para o exercício das tradições, costumes e subsistência indígena, significando que " viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os indígenas ".
Por fim, o STF também adicionou dois outros critérios:
3) o marco da concreta abrangência fundiária e a finalidade da ocupação tradicional que contém a utilidade prática a que deve servir a terra tradicionalmente ocupada, reforçando o critério da ancestralidade da ocupação - STF, Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgado em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Britto ) .
Ainda que o STF, nesse mesmo caso ( Raposa Serra do Sol ), tenha acatado os marcos temporal de da tradicionalidade da ocupação, cabe notar que o Tribunal reconheceu a exceção do chamado " renitente esbulho ", pela qual as terras seriam ainda indígenas mesmo sem a ocupação no dia Cindo de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito, caso fosse comprovado que a ausência de ocupação houvesse se dado por " efeito de renitente esbulho por parte de não índios " ( STF, Petição número três mil trezentos e oitenta e oito, Relator Ministro Ayres Britto, julgada em Dezenove de março de Dois mil e nove, Plenário, diário da Justiça eletrônico de Primeiro de julho de Dois mil e dez, trecho do voto do Ministro Ayres Britto ) .
A teoria do fato indígena é mais restritiva que a teoria do indigenato, pois esta última legitima inclusive a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito ( data da promulgação da atual CF - 88 ). Ficou, então, criado o marco de Coco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito como data na qual deveria ser analisada a situação fática da existência da presença indígena e de sua ocupação tradicional. Cabe ressaltar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol não produziu efeito erga omnes ( *7 vide nota de rodapé ), mas tão somente inter partes ( *8 vide nota de rodapé ) . Foi a partir do voto vista do Ministro Gilmar Mendes no caso Guyrároka que, em sede de Recurso em Mandado de Segurança, o STF consolidou a tese do marco temporal para configurar a posse indígena em todos os casos similares, sob o argumento destacado pela Ministra Cármen Lúcia, citando o Ministro Roberto Barroso ( Relator dos embargos de Declaração no Caso " Raposa Serra do Sol " ) de que " embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o Acórdão do caso Raposa Serra do Sol ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em que se cogite de superação das suas razões " ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de Quatorze de outubro de Dois mil e quatorze ) . Todavia, em várias outras decisões após o Caso Raposa Serra do Sol, diversos Ministros salientaram a impossibilidade de se utilizar, fora daquele caso, a tese do renitente esbulho de forma automática, como se vê, por exemplo, na Reclamação número Quatorze mil quatrocentos e setenta e três ( Relator Ministro Marco Aurélio, decisão de Doze de dezembro de Dois mil e treze, Diário da Justiça eletrônico de Dezesseis de dezembro de Dois mil e treze ) . Pelo contrário, a aplicação da tese do marco temporal em sentido estrito ( que exige autotutela ou ainda busca de proteção judicial por parte dos indígenas ) é incompatível com o regime jurídico constitucional e convencional das terras indígenas no Brasil .
Grande parte dos conflitos entre as comunidades indígenas e a sociedade envolvente reside em terras nas quais os indígenas levou à morte e desaparecimento da comunidade indígena. Duas situações podem ser aferidas:
1) a dos chamados aldeamentos extintos, nos quais a ocupação por parte de não indígenas levou á morte e desaparecimento da comunidade indígena e
2) a de terras sujeitas a " renitente esbulho ", nas quais a ocupação e titulação privadas das terras indígenas gerou a expulsão das comunidades indígenas que, contudo, resistem e mantém o desejo do retorno .
No tocante aos aldeamentos extintos, a Súmula número Seiscentos e cinquenta do STF estabelece que: " Os incisos Primeiro e Onze do Artigo Vinte da CF - 88 não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto " . Como a essência da Súmula é justamente o reconhecimento da extinção do aldeamento, sua aplicação em áreas densamente urbanizadas como na cidade de São Paulo ( SP ) e cidades da Grande São Paulo não gera polêmica .
Já no tocante às terras indígenas sujeitas a renitente esbulho, duas interpretações são possíveis a respeito do comportamento da comunidade indígena envolvida:
1) Renitente esbulho em sentido amplo. Basta que haja a titulação oficial em nome de não indígenas ou ainda a presença de não indígenas tida como regular pela autoridade pública para gerar o afastamento in loco da comunidade indígena. Exigir resistência física ou jurídica ativa implica em aplicar às comunidades indígenas padrões de comportamento da sociedade envolvente, sem contar que se desconsiderar o histórico de violência e miserabilidade daqueles que perderam suas terras, mas que mantém o desejo de retomada daqueles que perderam suas terras, mas que mantém o desejo de retomada da área. De fato, em vários casos, a comunidade indígena mantém - se nas proximidades, em intensa situação de vulnerabilidade, inclusive sendo usada como mão de obra barata. Por esse enfoque, não são desconsideradas as diversas formas de resistência ( inclusive passiva, de manutenção do desejo na identidade coletiva com a terra ) das comunidades indígenas. Com essa visão ampla do "renitente esbulho ", a identificação da terra indígena volta a ser fruto de avaliação antropológica, que conta com estudos transdisciplinares para tanto 9 de origem étnico-histórica, sociológica, geográfica, cartográfica, ambiental, etc. ) .
2) Renitente esbulho em sentido estrito. Por essa ótica, o renitente esbulho exige situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até a data da promulgação da CF - 88 ( marco temporal ), sendo provado por
a) circunstâncias de fato ou, pelo menos,
b) por uma controvérsia possessória judicializada.
Desde o " Caso Raposa Serra do Sol ", o STF possui precedentes que adotaram a tese " renitente esbulho " em sentido estrito, mantendo a titularidade dos não indígenas, como no Caso da Terra Guyrároka, da comunidade indígena Guarani-Kaiowá ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de Quatorze de outubro de Dois mil e quatorze ) e no caso da Terra Indígena Limão Verde, da comunidade indígena Terena. a partir deste último caso, a tese do renitente esbulho em sentido estrito ganhou seus contornos atuais, tendo o Ministro Relator, Teori Zavascki condicionado à existência do esbulho ao critério do marco temporal, afirmando que, " há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual ( vale dizer, na data da promulgação da CF - 88 ), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada " ( Agravo de Recurso Extraordinário número Oitocentos e três mil quatrocentos e sessenta e dois - Agravo Regimental - Mandado de Segurança, Relator Ministro Teori Zavascki, julgado em Nove de dezembro de Dois mil e quatorze ) .
A exigência de circunstâncias de fato ou mesmo ação judicial reveladoras da existência de " renitente esbulho " pode, a depender do caso, gerar grande vantagem à sociedade envolvente, que possui poder para afastar as comunidades indígenas das suas terras tradicionais, que por meio de promessas, ameaças veladas, estímulo econômico singelo etc. No Caso da Terra Guyrároka, houve intenso debate entre os julgadores a respeito do laudo da FUNAI constante dos autos do Processo, pelo qual ficou atestado que os indígenas estavam afastados da terra havia Setenta anos. Para o Ministro Lewandowski, aquelas terras eram claramente de ocupação tradicional, conforme estabelecido pela CF - 88. Assim, já ao final do debate, foi mencionado que inclusive alguns indígenas continuaram na região a prestar serviço como peões, que o Ministro Lewandowski respondeu: " mas o Agronegócio quer isso mesmo: expulsar os indígenas e depois os contratar como boias-frias . É assim que está acontecendo no Brasil todo " ( Recurso em Mandado de Segurança número Vinte e nove mil e oitenta e sete, Relator para o Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de quatroze de outubro de Dois mil e quatorze, voto vencido do Ministro Ricardo Lewandowski ) . Para Deborah Duprat, a tese do renitente esbulho em sentido estrito viola os direitos dos povos indígenas, uma vez que " exigir a posse contínua e permanente, por toda a vida, dessas comunidades, num determinado território, é desconhecer o processo civilizatório e desenvolvimentista que foi empurrando-as para as margens " ( *9 vide nota de rodapé ) .
Aguarda - se, assim, o julgamento do Recurso Extraordinário número Um milhão dezessete mil trezentos e sessenta e cinco / Santa Catarina ( Relator Ministro Edson Fachin, em trâmite em setembro de Dois mil e vinte ), que possui repercussão geral. Foi proposta, pela Procuradoria geral da República ( PGR ), a seguinte tese, que resume a importância do caso para que seja afastada a tese do marco temporal em sentido estrito: " A proteção da posse permanente dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional independe da conclusão de processo administrativo demarcatório e não se sujeita a um marco temporal de ocupação preestabelecido . O Artigo Duzentos e trinta e um da CF - 88 reconhece aos indígenas direitos originários sobre essas terras, cuja identificação e delimitação deve ser feita por meio de estudo antropológico, o qual é capaz, por si só, de atestar a tradicionalidade da ocupação segundo os parâmetros constitucionalmente fixados, e de evidenciar a nulidade de quaisquer atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas áreas " .
P.S.:
Notas de rodapé:
* O s direitos dos indígenas na Constituição, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .
*2 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .
*3 O direito à cultura, no contexto dos Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .
*4 Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Décima - nona edição. Malheiros, Dois mil e um, Página Oitocentos e vinte e nove .
*6 Os direitos dos indígenas nos dispositivos constitucionais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_30.html .
*7 erga omnes: para com todos, o que é válido contra todos. Vieira ( supervisão ), Jair Lot. Dicionário latim - português: termos e expressões - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Cento e trinta e oito .
*8 inter partes: entre as partes. Vieira ( supervisão ), Jair Lot. Dicionário latim - português: termos e expressões - São Paulo: Edipro, Dois mil e dezesseis, Página Duzentos e quatorze .
*9 Souza, Oswaldo Braga de, com a colaboração de Klein, Tatiane. " Decisões recentes ameaçam direitos territoriais indígenas e abrem polêmica no STF ", Dezessete de outubro de Dois mil e quatorze. Disponível em: < https://www.socioambiental.org/en/node/3852 > . Último acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte .
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