O caso " Raposa Serra do Sol " consistiu, originalmente, em ação popular proposta por Senador da República, impugnando o modelo de demarcação ( * vide nota de rodapé ) contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima ( RO ) . Sustentou - se a existência de vícios no processo administrativo de demarcação, além do fato de que a demarcação contínua traria consequências desastrosas para o Estado de RO e comprometimento da segurança e soberania nacionais . No mérito, pediu - se a declaração de nulidade da Portaria número Quinhentos e trinta e quatro / Dois mil e cinco do Ministério da Justiça ( MJ ) e do Decreto de homologação da demarcação . A ação foi adjudicada ao Supremo Tribunal Federal ( STF ) , por ter se vislumbrado " conflito federativo " entre a União e o Estado de RO ( Artigo Cento e dois, Inciso Primeiro da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( *2 vide nota de rodapé ) ( *3 vide nota de rodapé ) .
Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina - CRA/SC - sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ), então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SC ( CEDH/SC ), com indígenas em Florianópolis em Dois mil e vinte e dois. Foto: Divulgação .
No Supremo Tribunal Federal ( STF ), o Ministro Menezes Direito, ao proferir o seu voto-vista, foi favorável á demarcação contínua das terras da região, mas apresentou condições a serem obedecidas. O STF julgou a ação parcialmente procedente, nos nos termos do voto do Relator ( exemplo de sentença manipulativa de efeito aditivo ), declarando constitucional a demarcação contínua da terra Indígena Raposa Serra do Sol .
Inicialmente, o STF consagrou o termo constitucionalismo fraternal ou solidário para traduziu o esforço da CF - 88 para efetivar a igualdade material das minorias, assegurando, no caso dos indígenas para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural ( *4 vide nota de rodapé ), concretizando o valor constitucional da inclusão comunitária pela via da identidade étnica. Nesse sentido, o STF julgou ser falso o antagonismo entre a matéria indígena e o desenvolvimento, pois o desenvolvimento que se fizer sem ou contra os indígenas viola o objetivo fundamental do Inciso Segundo do Artigo terceiro da CF - 88, que se assegura o desenvolvimento ecologicamente equilibrado ( *5 vide nota de rodapé ), humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena. A preservação do meio ambiente não pode ser prejudicada, na visão do STF, pelo reconhecimento das terras indígenas .
Por sua vez, para o STF, a CF - 88 não utilizou o termo " território indígena " de modo, proposital, tendo preferido " terras indígenas ", para traduzir a dimensão um conceito sociocultural desprovido de ambição de soberania . Assim, o STF entendeu que nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político, assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federativa . Como as terras indígenas são bens da União, o modelo de ocupação previsto pela CF - 88 exige a liderança constitucional da União . Por isso, a atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas com indígenas deve ser em linha com a atuação da União, que tem papel de centralidade institucional coadjuvado pelos próprios indígenas, suas comunidades e organizações, além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público Federal ( MPF ) .
Nesse sentido, o STF decidiu que somente á União, por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo, compete instaurar, sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas, tanto quanto efetivá - lo materialmente, nada impedindo que o Presidente da República ( PR ) venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional ( CDN ) ( Inciso terceiro do Parágrafo Primeiro do Artigo Noventa e um da CF - 88 ), especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira .
Para o STF, os direitos dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente reconhecidos, e não simplesmente outorgados, tendo a demarcação natureza de ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Por isso são considerados direitos originários, ou seja, direito mais antigo do que qualquer outro, " de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não indígenas " . Os títulos privados sobre terras indígenas foram considerados nulos e extintos pela CF - 88 ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto ) . Quanto à demarcação, o STF entendeu que o marco temporal de ocupação foi a data da promulgação da CF - 88 ( Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito ) para o reconhecimento, aos indígenas, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam . Porém, o STF reconheceu que a tradicionalidade da posse nativa ficaria mantida mesmo ausente a posse em Cinco de outubro de Mil novecentos e oitenta e oito em casos em que a reocupação não tenha ocorrido por efeito de renitente esbulho ( *6 vide nota de rodapé ) por parte de não indígenas .
O modelo aceito de demarcação das terras indígenas foi o da continuidade sendo impossível, para a manutenção da cultura indígena, a demarcação em " bolsões " ou " ilhas " . Contudo, para o STF, a exclusividade de usufruto das riqueza do solo, dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não indígenas, bem assim com
1) instalação de equipamentos públicos,
2) a abertura de estradas e outras vias de comunicação,
3) a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública, sob a liderança institucional da União, fiscalização do MP e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas . O STF foi expresso na proibição de as comunidades indígenas interditarem ou bloquearem estradas, cobrarem pedágio pelo uso delas e inibirem o regular funcionamento das repartições públicas . Também o STF reconheceu a compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira, podendo ser criados postos de vigilância sem autorização das comunidades .
Quanto ás salvaguardas ( ou condicionantes ), o STF reconheceu as seguintes:
1) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Segundo, da CF - 88 ) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto, da CF - 88, relevante interesse público da União, na forma de Lei Complementar ( LC );
2) o usufruto dos indígenas não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autoridade do Congresso Nacional ( CN ) ;
3) o usufruto dos indígenas não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do CN, assegurando aos indígenas a participação nos resultados da lavra na forma da lei;
4) o usufruto dos indígenas não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira;
5) o usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes ( Ministério da Defesa - MD - e CDN, serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio ( FUNAI ) - o que contraria a Convenção número Cento e sessenta e nove da Organização Internacional do Trabalho ( OIT );
6) a atuação da Forças Armadas e do Departamento da Polícia Federal ( DPF ) na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta ás comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;
7) o usufruto dos indígenas não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde ( *7 vide nota de rodapé ) e educação ( *8 vide nota de rodapé );
8) o usufruto dos indígenas na área afetada por unidades de conservação ambiental fica sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ( ICMBio );
9) o ICMBio responderá pela administração da érea da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando - se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI;
10) o trânsito de visitantes e pesquisadores não indígenas deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo ICMBio;
11) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;
12) o ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13) a cobranças de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;
14) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto da posse direta pela comunidade indígena ou pelos indígenas( Artigo Duzentos e trinta e um, parágrafo Segundo, da CF - 88, combinado com Artigo Dezoito, Caput, da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ) ;
15) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividades agropecuária ou extrativa ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Segundo, da CF - 88, bem como a renda indígena ( Artigo Quarenta e três da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três );
16) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos Artigos Quarenta e nove, Inciso Dezesseis, e Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Terceiro, da CF - 88, bem como a renda indígena ( Artigo Quarenta e três da Lei número Seis mil e um / Mil novecentos e setenta e três ), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições, sobre uns ou outros;
17) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18) os direitos dos indígenas relacionados às suas terras são imprescritíveis, e estas são inalienáveis e indisponíveis ( Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Quarto, da CF - 88 ); e
19) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.
Houve embargos de declaração ao Acórdão, destacando - se os embargos propostos pela Procuradoria Geral da República ( PGR ), que defendeu a prevalência dos direitos dos indígenas em detrimento de uma excessiva primazia dos interesses da União e tutela do meio ambiente . Para o STF, no Caso Raposa Serra do Sol foi feita uma ponderação diante do choque de direitos ( *9 vide nota de rodapé ) constitucionais e fins públicos relevantes, levando a compreensões e preferências .
Nem toda utilização de terras indígenas pela União ( para fins econômicos ou militares, ou para a prestação de serviços públicos ) depende da prévia edição da LC prevista no Artigo Duzentos e trinta e um, Parágrafo Sexto da CF - 88 . A LC referida no Parágrafo Sexto do Artigo Duzentos e trinta eum da CF - 88, por sua vez, é requisito para a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas . Não precisam de LC:
1) o patrulhamento de fronteiras;
2) a defesa nacional;
3) a conservação ambiental nas áreas;
4) a exploração de recursos hídricos ( Caso Belo Monte );
5) o uso do potencial energético ou
6) a pesquisa e lavra dos recursos naturais, presente o interesse público da União. A pesquisa e lavrade riquezas minerais pelos indígenas exige - tal qual como ocorre com os integrantes da sociedade envolvente indígenas - a adequada permissão, uma vez que os indígenas possuem apenas o usufruto do solo ( Leis número
Sete mil oitocentos e cinco / Mil novecentos e oitenta e nove e Lei número Onze mil seiscentos e oitenta e cinco / Dois mil e dezoito ) .
Quanto a direito de prévia consulta, o STF considerou que esse não é absoluto, devendo ceder diante de questões estratégicas relacionadas à defesa nacional. Por sua vez, o direito á consulta não implica poder de veto, pois, para o STF, " nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a CF - 88 atribuiu aos indígenas " ( Petição número três mil trezentos e oitenta e oito - Embargo de Declaração, Relator Ministro roberto Barroso, julgada em Vinte e três de outubro de Dois mil e treze, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e quatorze ) .
Finalmente, quanto á validade erga omnes dessas condicionantes para as demais causas de conflito sobre terras indígenas, o STF reconheceu que tais condições foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação das terras indígenas na localidade. Foram impostas por:
1) decorrerem da CF - 88 e
2) ainda pela necessidade de explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena, de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região.
Consequentemente, para as outras causas envolvendo matéria indígena, essas condicionantes não possuem força vinculante, mas os fundamentos adotados pelo STF ostentam força moral e persuasiva por serem fruto de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorrem um " elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões " ( grifo que não consta no voto do Relator, Petição número Três mil trezentos e oitenta e oito - Embargo de Declaração, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em Vinte e três de outubro de Dois mil e treze, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e quatorze ) .
P.S.:
Notas de rodapé:
* A demarcação de terras indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos_10.html .
* O direito dos indígenas de acordo com a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos_29.html .
*3 " Artigo Cento e dois. Compete ao STF, precipuamente, a guarda da CF - 88, cabendo - lhe: I - processar e julgar, originariamente: ( ... ) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal ( DF ), ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta. " .
*4 O modo de identificação étnica dos indígenas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .
*5 O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-meio-ambiente-e-acao.html .
*6 O direito dos indígenas ao retorno às terras esbulhadas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-o-direito-dos_6.html .
*7 O direito à saúde, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-saude.html .
*8 O direito à educação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-educacao.html .
*9 O conflito de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html .
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