quinta-feira, 11 de abril de 2024

Direitos Humanos: o direito à saúde

O direito à saúde assegura a promoção do bem-estar físico, mental e social de um indivíduo, impondo ao Estado a oferta de serviços públicos a todos para prevenir ou eliminar doenças e outros gravames. O direito à saúde possui faceta individual e difusa, pois há o direito difuso de todos de viver em um ambiente sadio ( * vide nota de rodapé ), sem risco de epidemia ou outros malefícios à saúde . Por isso, determina a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação ( Artigo Cento e noventa e cinco da CF - 88 ) .


Além disso, o direito à saúde possui a faceta de abstenção, tida como " negativa ", e a faceta prestacional, tida como " positiva " . Do ponto de vista da faceta de abstenção, há o direito individual ( *2 vide nota de rodapé ) de não ter sua saúde colocada em risco, b3em como há o direito de não ser obrigado - em geral - a receber um determinado tratamento . Assim, a pessoa tem direito à autodeterminação sanitária ou terapêutica, que consiste na faculdade de aceitar, recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos . Esse direito exige que seja dada ao indivíduo toda a informação necessária, para que a recusa ou o consentimento seja livre e esclarecido . Excepcionalmente, o direito de recusa de tratamento pode ser superado, em uma ponderação de direitos, com o direito à saúde de outros, como se vê em casos de epidemias .


Do ponto de vista prestacional, o direito à saúde habilita a pessoa a exigir um tratamento adequado por parte do Estado, podendo, inclusive, pleitear tal serviço de saúde judicialmente. Debate - se atualmente,


1) os limites da judicialização do direito á saúde, especialmente no que tange a tratamentos e medicamentos ainda não assegurados pelo Estado e

2) qual dos entes federados ( União, Estados ou Municípios ) deve arcar com os custos decorrentes da judicialização .


Inicialmente, cabe separar a


1) judicialização visando ao acesso a tratamentos e medicamentos já incorporados às políticas públicas sanitárias da

2) judicialização que busca obter tratamentos e medicamentos ainda não incorporados.


No tocante à primeira categoria, o direito à saúde é tido como direito subjetivo a políticas públicas de assistência à saúde, sendo ofensa a direito individual a falta ou falha injustificadas na sua prestação .


A demanda judicial por tratamento ou  medicamento incorporado à política pública de saúde ( via Sistema Único de Saúde - SUS ) é fundada  na obrigação do Estado de prestar o serviço de saúde de forma adequada ao proponente da ação . trata - se de intervenção judicial que não ofende à separação de poderes ( *3 vide nota de rodapé ), mas, sim, exige que o Estado cumpra aquilo com o que já havia se comprometido. Em geral, o autor da ação deve comprovar


1) a necessidade do tratamento ou do medicamento e

2) a prévia tentativa de sua abstenção na via administrativa, o que pode ser substituído pela oitiva judicial do administrador público sobre as condições para a prestação do serviço de saúde almejado ( Supremo Tribunal Federal - STF - voto do Ministro Roberto Barroso, no Recurso Extraordinário número Quinhentos e sessenta e seis mil quatrocentos e setenta e um, Relator Ministro marco Aurélio, ainda em trâmite em outubro de Dois mil e vinte ) .


Quanto ao fornecimento, por ordem judicial, de tratamento ou medicamento não constante de políticas públicas de saúde do SUS, a posição majoritária assumida pelo Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) e pelo STF é ampliativa, defendendo, em linhas gerais, que cabe ao Poder Judiciário zelar pela adequada implementação do direito à saúde. Contudo, preferencialmente, a busca da tutela judicial deve ser veiculada em ações civis públicas ( *4 vide nota de rodapé ), ações coletivas ou individuais que possam ser coletivizáveis, para evitar violação da igualdade ( com o uso do sistema de justiça para desviar recursos para a tutela de alguns ), cumprindo o princípio da universalidade do direito á saúde da CF - 88 ( nesse sentido, resumo de voto do Ministro Edson Fachin, no Recurso Extraordinário número Quinhentos e sessenta e seis mil quatrocentos e setenta e um, Relator ministro marco Aurélio, ainda em trâmite em outubro de Dois mil e vinte ) .


Além disso, a tutela judicial nessa hipótese tem parâmetros estritos. O STJ, em julgamento de recurso repetitivo, entendeu que o Poder judiciário, em face do dever do Estado em promover o direito á saúde, pode obrigar o Poder Público a fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS ( o que pode ser aplicado a tratamentos ), desde que haja a presença cumulativa de três requisitos :


1) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescritibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos produtos farmacológicos fornecidos pelo SUS;

2) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

3) existência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( ANVISA ) do medicamento ( STJ, Primeira Seção, Recurso Especial número Um milhão seiscentos e cinquenta e sete mil cento e cinquenta e seis - Rio de Janeiro, relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em Vinte e cinco de abril de Dois mil e dezoito - recurso repetitivo ) .


Por sua vez, o STF estabeleceu parâmetros próprios ( em repercussão geral ) para serem seguidos pelo Poder Judiciário na análise de pleitos referentes ao fornecimento de medicame3ntos não incorporados e que ainda não tenham sido aprovados pelo órgão de vigilância sanitária nacional. Dei início, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, bem como a ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial .


O registro sanitário representa uma garantia do direito à saúde e não uma etapa burocrática sem sentido . Ignorar a ausência de registro ofende, ainda, a separação das funções de poder e o papel indispensável do Poder Executivo na análise da eficácia dos medicamentos . O caso da " fosfoetanolamina sintética " ( a " pílula do câncer " ) é considerado um marco do fornecimento de medicamento sem registro, e, consequentemente, sem os testes suficientes . Houve a edição da Lei número Treze mil duzentos e sessenta e nove / Dois mil e dezesseis para permitir a produção e comercialização do produto sem que os testes fossem concluídos ( lei suspensa pela Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI - número Cinco mil quinhentos e um - Medida Cautelar, relator Ministro marco Aurélio, julgado em Dezenove de junho de Dois mil e dezesseis ) . Realizados testes, até hoje a eficácia da substância contra tumores não foi comprovada .


contudo, excepcionalmente, é possível a obtenção pela via judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido ( prazo superior ao previsto na Lei número Treze mil quatrocentos e onze / Dois mil e dezesseis, cujo Artigo Segundo chega a mencionar o prazo máximo, na tramitação ordinária, de trezentos e sessenta e cinco dias ), quando preenchidos três requisitos impostos pelo STF:


1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de " medicamentos órfãos " ( *5 vide nota de rodapé ) para doenças raras e ultrarraras;

2) a existência de registros do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;

3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.


Por fim, as ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão ser necessariamente propostas em face da União ( STF, Recurso Extraordinário número Seiscentos e cinquenta e sete mil setecentos e dezoito / Minas Gerais, Relator para o Acórdão Ministro Roberto Barroso, julgado em Vinte e dois de maio de Dois mil e dezenove ) .


Esses casos demonstram o aguçamento do debate sobre o dever do Estado de custear os serviços de saúde, o qual gerou a " judicialização da saúde ", especialmente em face de pedidos individuais de acesso a tratamentos ou remédios de alto custo ainda não disponibilizados na rede pública . O modelo de atendimento integral das demandas de saúde é justificado pela importância da saúde para a vida digna, que não poderia ser amesquinhada por considerações de respeito ao orçamento ou à reparação de poderes, devendo ser assegurado o acesso à Justiça ( *6 vide nota de rodapé ) .


Recentemente, ese modelo ( denominado pelo Ministro Barroso de " tudo para todos " - voto do Ministro Barroso no Recurso Extraordinário número Quinhentos e sessenta e seis mil quatrocentos e setenta e um, relator Ministro Marco Aurélio, ainda em trâmite em outubro de Dois mil e vinte ) sofre questionamento em face da necessidade de ponderar o direito à saúde do beneficiado pela tutela judicial com o direito à saúde dos demais ( que não ingressaram com ações judiciais ) e que tem de se satisfazer com um orçamento cada vez mais diminuto .


São apontadas as seguintes mazelas da " judicialização do direito á saúde " descontrolada e sem parâmetros:


1) falta de legitimidade democrática, pois não caberia ao Judiciário, indiretamente, orientar as prioridades do gasto público em saúde, outorgando tratamentos não previstos ou concedendo produtos farmacológicos não aceitos pelo SUS;

2) seletividade e elitismo, porque poucos teriam acesso á Justiça para obter tal tutela judicial sanitária;

3) falta de capacidade institucional para decidir sobre os motivos da ausência de determinado medicamento na lista de fornecimento gratuito ou o motivo da utilização de um tratamento e não outro e

4) criação de despesas desnecessárias relacionadas á alocação de servidores públicos para cumprir tais ordens judiciais, desorganizadas ainda mais o setor público de saúde.


O modelo alternativo seria o modelo da judicialização excepcional, que adota a regra geral de proibição de atuação do Poder Judiciário na tutela de tratamento não previstos ou concessão de medicamentos ainda não inseridos nas políticas públicas de saúde . Excepcionalmente e obedecendo aos diversos parâmetros acima expostos ( STF ( Recurso Extraordinário número Seiscentos e cinquenta e sete mil setecentos e dezoito / Minas Gerais, redator para o Acórdão Ministro Roberto Barrroso, julgado em Vinte e dois de maio de Dois mil e dezenove ), poderia o Poder Judiciário intervir. Anote - se que, mesmo se adotado o segundo modelo, não é afetada a tutela judicial do direito à saúde baseada nas políticas estatais já adotadas, mas implementadas de modo falho ou insuficiente ( STF, Suspensão de Tutela Antecipada número Cento e setenta e cinco Agravo Regimental, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em Dezessete de março de Dois mil e dez, Publicado no Diário da Justiça eletrônico de Trinta de abril de Dois mil e dez ) .


Por outro lado, o financiamento á saúde não pode gerar tratamento privilegiado no sistema público mediante paga, o que violaria a igualdade ( *7 vide nota de rodapé ) e o comando constitucional de acesso universal á saúde. Nesse sentido, o STF considerou constitucional regra de proibição da " dupla porta ", pela qual foi vedada, no âmbito do SUS, a internação em acomodações de qualidade superior, bem como o atendimento diferenciado por médico ( do SUS ou conveniado ), mediante pagamento adicional . Para o STF, a " dupla porta " institucionalizaria um procedimento de " diferença de classes " na rede pública de saúde, ofendendo o " acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, violando, ainda, os princípios da igualdade e da dignidade ( *8 vide nota de rodapé ) da pessoa humana " ( Recurso Extraordinário número Quinhentos e oitenta e um mil quatrocentos e oitenta e oito, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em três de dezembro de Dois mil e quinze, Publicado no Diário da Justiça eletrônico de Oito de abril de Dois mil e dezesseis, turma Quinhentos e setenta e nove ) .    


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-meio-ambiente-e-acao.html


*2 Os direitos individuais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-os-direitos.html .


*3 A separação de poderes como garantia dos direitos fundamentais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/02/direitos-humanos-doutrinas-e_22.html .


*4 O direito à ação civil pública, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-ministerio-publico-e.html .


*5 São denominados " medicamento órfãos " aqueles que, em condições regulares do funcionamento do mercado capitalista, não atrairiam interesse da indústria farmacêutica privada, pois atendem apenas um pequeno número de pacientes .


*6 O direito de acesso à Justiça, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/10/direitos-humanos-o-direito-de-acesso.html .


*7 O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html .


*8 O princípio da dignidade da pessoa humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .  

Nenhum comentário:

Postar um comentário