A doutrina e a jurisprudência habitualmente decompõem o princípio da proporcionalidade ( * vide nota de rodapé ) em três elementos ( também denominados subprincípios ou subcritérios ), a saber: a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos, a necessidade de tais medidas e finalmente a ponderação ( ou equilíbrio ) entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução ( proporcionalidade em sentido estrito ). Este detalhamento do princípio da proporcionalidade garante transparência e coerência no controle dos atos estatais, que é efetuado em geral pelos Tribunais.
Na aplicação da proporcionalidade, esses elementos são utilizados em momentos distintos e sucessivos. Se não houver o atendimento a um determinado elemento, nem se analisa o elemento seguinte, ou seja, não superado um primeiro elemento, o ato é considerado desproporcional.
Em um primeiro momento, o intérprete ( *2 vide nota de rodapé ) ( também chamado de idoneidade ), pelo qual é examinado se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental ( *3 vide nota de rodapé ) resulta, em abstrato, na realização do objetivo perseguido. Busca-se verificar se o meio escolhido é apto para atingir a finalidade, que também deve ser constitucionalmente legítima. Para Rothenburg, é o elemento mais "fácil de ser cumprido e mais difícil de ser criticado" ( *4 vide nota de rodapé ), como demonstra um precedente importante do Supremo Tribunal Federal ( STF ), no qual foi considerada inconstitucional a exigência legal de estatura mínima um metro e sessenta centímetros para concurso público de escrivão de polícia, pois o meio empregado ( exigência de estatura mínima ) não guardava pertinência lógica com o objetivo almejado por um concurso público para escrivão de polícia, cuja atividade é "estritamente escriturária" ( voto do Ministro Marco Aurélio ): selecionar os mais aptos a bem exercer suas funções ( *5 vide nota de rodapé ). Curiosamente, depois, o STF considerou constitucional a exigência de estatura mínima para o ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido, ou seja a finalidade da exigência ( estatura mínima ) que restringir o direito de exercício de determinada profissão é compatível com a finalidade almejada, que é a seleção dos mais aptos para o exercício de uma determinada atividade, no caso, de delegado de polícia ( *6 vide nota de rodapé ).
Após superado o momento de aferição da idoneidade, o intérprete deve avaliar o elemento da necessidade, também elemento da intervenção mínima ( ou ingerência mínima ) ou ainda exigibilidade. O elemento da necessidade busca detectar se a decisão normativa é indispensável ou se existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada, mas que seja menos restritiva, mas tão eficiente quanto a medida proposta. Novamente, o intérprete deve se apoiar em dados da realidade e até mesmo em prognósticos sobre o futuro para, incialmente, identificar as alternativas possíveis. Depois, deve avaliar se as demais medidas alternativas são, efetivamente, menos restritivas e igualmente eficientes para o atingimento do fim proposto.
Finalmente, o elemento da proporcionalidade em sentido estrito, também denominado regra ou mandato de ponderação, exige que o intérprete realize uma avaliação da relação custo-benefício da decisão normativa avaliada. Para ser compatível com a proporcionalidade em sentido estrito, a decisão normativa impor um sacrifício a um Direito Humano ( DH ) que seja nitidamente inferior ao benefício resultante do atingimento da finalidade almejada.
Assim, o elemento da proporcionalidade em sentido estrito realiza uma ponderação de bens e valores, ao colocar, de um lado, os interesses protegidos com a decisão normativa e, por outro lado, os interesses que serão objeto de restrição. Para a decisão normativa ser válida e conforme aos DH, o peso da proteção a um determinado valor tem de ser superior ao peso da restrição a outro valor. Busca-se o "equilíbrio da intervenção estatal em determinado em determinado direito fundamental" ( * 7 vide nota de rodapé ).
Este é o elemento que mais sofre crítica, pois seria irracional, uma vez que é impossível quantificar juridicamente o "peso" de cada direito envolvido e, depois, compará-los. Por isto, há autores que excluem a proporcionalidade em sentido estrito, optando por elementos do critério da proporcionalidade um pouco diferentes da enumeração tríplice vista acima. Entre eles, citem-se Dimoulins e Martins, que adotam quatro elementos ( licitude do fim almejado e dos meios utilizado ) dizem respeito a um exame formal, pois o fim almejado e o meio utilizado não podem ser, em si, vedados por norma constitucional. Já a adequação continua a ser a aptidão - em abstrato - da decisão normativa escolhida para a objeção da finalidade pretendida. Assim, para os citados autores, o elemento decisivo é o da necessidade, que, como viu-se acima, deve identificar as alternativas e chegar à utilização do meio menos gravoso para a obtenção da finalidade pretendida ( *8 vide nota de rodapé ).
Na linha de subdivisão do critério da proporcionalidade e invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Ale3manha, o Ministro Gilmar Mendes, em voto no STF sobre a descriminalização do uso de drogas, pontuou que há três elementos no controle judicial das restrições aos DH:
a) controle de evidência;
b) controle de justificabilidade ( ou de sustentabilidade ); e
c) controle material de intensidade.
O controle de evidência avalia, como viu-se, se as medidas são idôneas para a efetiva proteção de um direito. Já o controle de justificabilidade aprecia se a restrição foi adotada após uma apreciação objetiva e justificável das fontes de conhecimento, levando a um prognose de atuação em favor de determinado direito, fruto da restrição de outro. Finalmente, o controle material de intensidade verifica se a proteção de um direito não poderia ser realizada adotando-se um nível de restrição inferior ou menos lesivo a outro direito ( voto do Ministro Gilmar Mendes, STF, Recurso Especial número Seiscentos e trinta e cinco mil seiscentos e cinquenta e nove / São Paulo, sessão de Vinte de agosto de Dois mil e quinze, julgamento em curso ).
Quer seja adotada a divisão tríplice ou quadripartite do critério da proporcionalidade, o intérprete deve zelar por uma argumentação jurídica consistente, com uso de dados empíricos e objetivos, que demonstrem o acerto da decisão adotada. Consequentemente, os graus de intensidade da intervenção e os diferentes pesos das razões justificadoras devem ser explicitados pelos tribunais em marcos argumentativos ostensivos e transparentes, justamente para evitar qualquer crítica sobre eventual decisionismo e arbítrio sem reflexão ( *9 vide nota de rodapé ).
Em Dois mil e dezesseis, a Primeira Turma do STF reconheceu que a criminalização geral do aborto pelo Código Penal ( CP ) brasileiro de Mil novecentos e quarenta ofende o princípio da proporcionalidade em seus três subprincípios ( adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ). O relator para o acórdão, Ministro Barroso, salientou que:
1) em relação à adequação, a criminalização do aborto não é medida adequada, uma vez que é ineficaz para proteger a vida do feto ( *10 vide nota de rodapé ), uma vez que não há meios para impedir os abortos clandestinos ou mesmo impedir a difusão de medicamentos para a interrupção da gestação. Além disto, gera o efeito perverso de pôr em risco a saúde, a integridade pessoal e a vida das mulheres que que realizam estes abortos ilegais;
2) quanto à necessidade, o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos e sociais que dão causa à gravidez não planejada, bem como estabelecer políticas de aconselhamento e período de reflexão;
3) e, finalmente, quanto à proporcionalidade em sentido estrito, a tipificação penal da cessação geral do gravidez oferece proteção reduzida à vida do feto e comprime de modo exagerado os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, com impacto desproporcional sobre as mulheres pobres.
Para Barroso, "sopesando-se os custos e benefícios da criminalização, torna-se evidente a ilegitimidade constitucional da tipificação penal da interrupção voluntária da gestação, por violar os direitos fundamentais das mulheres e gerar custos sociais ( exempli gratia - por exemplo - problema de saúde pública e mortes ) muito superiores aos benefícios da criminalização" ( STF, Primeira Turma, Habeas Corpus número Cento e vinte e quatro mil trezentos e seis / Rio de Janeiro, relator originário Ministro Marco Aurélio, relator para o acórdão Ministro Roberto Barroso, julgado em Vinte e nove de novembro de Dois mil e dezesseis ) .
P.S:
Notas de rodapé:
* O princípio da proporcionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*2 Os Direitos Humanos sujeito a interpretação, são melhor detalhados em:
*3 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*4 Rothenburg, Walter Claudius. O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais. In: Princípios processuais civis na Constituição. Coordenador Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes. Rio de Janeiro : Elsevier, Dois mil e oito, Páginas Duzentos e oitenta e três a Trezentos e dezenove.
*5 Para o STF: "No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de estatura mínima, considerados homens e mulheres, de um metro e sessenta centímetros para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado" ( Recurso Especial número Cento e cinquenta mil quatrocentos e cinquenta e cinco, relator Ministro Marco Aurélio, julgado em Quinze de dezembro de Mil novecentos e oitenta e oito, Segunda Turma, Diário da Justiça de Sete de maio de Mil novecentos e noventa e nove ).
*6 Para o STF: "Razoabilidade da exigência de estatura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido. Violação ao princípio da isonomia. Inexistência" ( Recurso Especial número Cento e quarenta mil oitocentos e oitenta e nove, relator para o acórdão Ministro Maurício Corrêa, julgado em Trinta de maio de Dois mil, Segunda Turma, Diário da Justiça de Quinze de dezembro de Dois mil ).
*7 Carvalho Ramos, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem constitucional. Sétima edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e dezenove.
*8 Dimoulins, Dimitri; Martins, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, Dois mil e sete, Páginas Duzentos e quatro a Duzentos e vinte e dois.
*9 Carvalho Ramos, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e dezenove.
*10 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
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