segunda-feira, 11 de abril de 2022

Direitos Humanos: a proteção dos direitos essenciais baseada em teorias

A proteção de conteúdo essencial ( *vide nota de rodapé ) dos Direitos Humanos ( DH ) consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente composto por determinadas condutas abarcadas pelo âmbito normativo de um direito específico, que não pode ser afetado de forma alguma pela intervenção do Estado. Este núcleo é intocável, constituindo-se um "limite do limite" para o legislador e aplicador dos DH. A parte do direito que pode ser regulada ou limitada é somente aquela que não faz parte deste núcleo inexpurgável.


A teoria da proteção do conteúdo essencial origina-se de dispositivos expressos de determinadas Constituições, como, por exemplo, a Lei Fundamental de Bonn de Mil novecentos e quarenta e nove ( *2 vide nota de rodapé ) ( Artigo Dezenove ponto Dois - *3 vide nota de rodapé - , ao que tudo indica, a primeira a expressamente estabelecer tal proteção ), a Constituição de Portugal ( Artigo Dezoito ponto Três ), A Constituição da Espanha ( Artigo Cinquenta e três ponto Um ). Em comum a todas elas está o fato de terem sido redigidas após ditaduras. No plano internacional, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece, em seu Artigo Cinquenta e dois ponto Um que "qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial destes direitos e liberdades". Este dispositivo é fruto da influência alemã, e é evidente reação ao passado ditatorial recente de vários novos ingressantes da União Europeia ( ex-países comunistas, como Polônia e outros ).


No Brasil, não há adoção expressa na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) da proteção do conteúdo essencial, mas determinados autores, como Sarlet, sustentam que as cláusulas pétreas previstas no Artigo Sessenta, Parágrafo Quarto, da CF - 88, implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos DH ( *4 vide nota de rodapé ). Já Gilmar Mendes defende que a existência da garantia do conteúdo essencial é implícita ao próprio "modelo garantístico usado pelo Constituinte" ( *5 vide nota de rodapé ).


Há duas teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos DH: a teoria do conteúdo essencial absoluto e a teoria do conteúdo essencial relativo".


Para a teoria do conteúdo essencial absoluto, o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise, em abstrato, de sua redação, o que seria suficiente para identificar e separar os seus elementos essenciais dos não essenciais. Assim, seria possível identificar já na redação do direito um espaço de maior intensidade valorativa ( o coração do direito ) que não poderia ser afetado sob pena de o direito deixar realmente de existir ( *6 Vide nota de rodapé ).


Nas maioria dos casos, contudo, os DH apresentam uma redação concisa e lacônica, o que dificulta a identificação deste núcleo duro e intangível de determinado direito, o que torna a teoria absoluta irrealizável. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal ( STF ): " ( ... ) É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material de núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência deste mínimo essencial" ( Habeas Corpus número Oitenta e cinco mil seiscentos e oitenta e sete - dígito Zero - Rio Grande do Sul, voto do Ministro Gilmar Mendes ).


Por sua vez, a teoria relativa do conteúdo essencial dos DH sustenta que o núcleo essencial não é preestabelecido e fixo, mas determinável, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão ( *7 vide nota de rodapé ). A teoria relativa utiliza o princípio da proporcionalidade, para, de acordo com as exigências do momento, ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito. O núcleo essencial de determinado direito seria formado pelo mínimo insuscetível de restrição ou redução com base em um processo de ponderação. Para a teoria relativa, então, o conteúdo essencial decorre da proporcionalidade e, assim a simples aceitação da proporcionalidade implica respeitar o conteúdo essencial dos DH ( *8 vide nota de rodapé ).


No Brasil, há poucos casos de invocação da garantia de conteúdo essencial e neles não há definição sobre a teoria ( absoluta ou relativa ) adotada. Quando se menciona a garantia do conteúdo essencial dos DH em precedentes do STF, há o uso de uma garantia dupla dos DH. Em primeiro lugar, verifica-se se a restrição a determinado direito é aceitável de acordo com o princípio da proporcionalidade, em seguida, avalia-se se esta restrição não esvaziou totalmente o conteúdo essencial do direito em análise.


Neste sentido, o voto do Ministro Celso de Mello é claro ao adotar esta garantia dupla dos DH, ao decidir que: "Entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar hic et nunc, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta ( *9 vide nota de rodapé ), qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método de ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais ( *10 vide nota de rodapé )" ( voto do Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus número Oitenta e dois mil quatrocentos e vinte e quatro, relator para o acórdão Ministro Presidente Maurício Corrêa, julgado em Dezessete de setembro de Dois mil e três, Plenário, Diário da Justiça de Dezenove de março de Dois mil e quatro; repetido em outros votos do Ministro ).


Em caso envolvendo a não obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão de jornalista, o Ministro Gilmar Mendes adotou esta "garantia dupla", ao dispor que "a restrição legal desproporcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve ser declarada inconstitucional" ( Recurso Especial número Quinhentos e onze mil novecentos e sessenta e um, relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em Dezessete de junho de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Treze de novembro de Dois mil e nove ).


Em sentido contrário a esta posição do STF, posiciona-se Virgílio Afonso da Silva, para quem a garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é "simples decorrência do respeito à regra da proporcionalidade" ( posição da teoria relativa vista acima ). Assim, se eventual restrição a direitos fundamental passar no "teste da proporcionalidade", esta restrição é constitucional e apta a ser utilizada pelo intérprete ( *11 vide nota de rodapé ).


Quadro Sinótico


A proteção do conteúdo essencial dos DH


1) Proteção do conteúdo essencial dos DH: consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente, que não pode ser afetado de forma alguma, em todo direito fundamental. Trata-se de um núcleo permanente, que não pode ser afetado de forma alguma, em todo direitos fundamental. Trata-se de um núcleo intocável, constituindo-se em um "limite do limite" para o legislador e aplicador dos DH.

2) A proteção do conteúdo essencial origina-se de dispositivos expressos de determinadas Constituições ( Lei Fundamental de Bonn, Constituição de Portugal, Constituição da Espanha, Constituição do Chile ), que foram redigidas após ditaduras.

3) No plano internacional, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece a proteção do conteúdo essencial dos DH.

4) No Brasil, não há previsão expressa da proteção do conteúdo essencial, mas determinados autores sustentam que as cláusulas pétreas previstas no Artigo Sessenta, Parágrafo Quarto, da CF - 88 implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos DH.

5) Teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos DH:

a) Teoria do conteúdo essencial absoluto: sustenta que o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise, em abstrato, de sua redação, o que seria suficiente para identificar e separar seus elementos essenciais dos não essenciais.

b) Teoria do conteúdo essencial relativo: sustenta que o núcleo essencial não preestabelecido e fixo, mas determinável em cada caso, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão. A teoria relativa utiliza o critério da proporcionalidade, para, de acordo com as exigências do momento, ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito.                                                 


P.S.:


Notas de rodapé:


* O conteúdo essencial, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:

a) https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-considerados-indispens%C3%A1veis e

b) https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-valores-essenciais-retratados-nas-constitui%C3%A7%C3%B5es .


*2 A Constituição alemã de Mil novecentos e quarenta e nove é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-constitui%C3%A7%C3%A3o-alem%C3%A3-de-1949 .


*3 In verbis: "em nenhum caso poderá ser afetado o conteúdo essencial de um direito fundamental".


*4 Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Segunda edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Dois mil e um, Página Trezentos e cinquenta e quatro.


*5 Mendes, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, Dois mil e sete, Página Trezentos e cinco.


*6 Vieira de Andrade, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de Mil novecentos e setenta e seis. Reimpressão. Coimbra: Almedina, Mil novecentos e oitenta e sete, Páginas Duzentos e trinta e três e das Páginas Duzentos e trinta e cinco a Duzentos e trinta e seis.


*7 A delimitação dos Direitos Humanos, diante do conflito de direitos, é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-delimita%C3%A7%C3%A3o-dos-dh-diante-do-conflito-de-direitos .


*8 Silva, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, Dois mil e dez, em especial Página Duzentos e três.


*9 A perspectiva axiológica em caso concreto, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-proporcionalidade-de-direitos-esgotada-em-caso-concreto .


*10 A terminologia utilizada referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-terminologias-utilizadas-ao-longo-da-hist%C3%B3ria-dos-dh .


*11 Os Direitos Humanos sujeitos a interpretação, são melhor detalhados em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-interpreta%C3%A7%C3%A3o-de-um-dh-conforme-os-demais-dh .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-prote%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-essenciais-baseada-em-teorias .

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