O pensamento de Marx ( *43 vide nota de rodapé ) com relação às formas democráticas ( *36 vide nota de rodapé ) surgidas da revolução burguesa é fartamente conhecido: postulando a oposição entre a democracia real ( *47 vide nota de rodapé ) - substantivada pela igualdade econômica - e democracia formal ( *47 vide nota de rodapé ), define esta como forma ideal de dominação ( *19 vide nota e rodapé ) burguesa. Nesta mesma ótica, o cidadão ( *48 vide nota de rodapé ) - categoria central da democracia ( *47 vide nota de rodapé ) - é visualizado como expressão política ( *33 vide nota de rodapé ) do burguês e a igualdade ( *15 vide nota de rodapé ) que a democracia ( *47 vide nota de rodapé ) supõe como expressão ideológico-jurídica dos direitos burgueses.
Entretanto, e contrariamente à leitura realizada pelo marxismo vulgar ( *43 vide nota de rodapé ), esta posição não é tirada por Marx ( *43 vide nota de rodapé ) de um quadro teórico - pretensamente seu - segundo o qual a matéria determina a ideia e a infraestrutura e a superestrutura ( *49 vide nota de rodapé ). Marx ( *43 vide nota de rodapé ) de análise do concreto, da realidade que postula suas teses sobre o processo de transformação ( *43 vide nota de rodapé ). A concepção deste como ruptura radical constitui assim o fundamento de sua posição sobre a democracia ( *36 vide nota de rodapé ) de sua época. A forma de sentenças conclusivas, com as quais exprime esta posição, exprime a leitura empírica da realidade que observa: mecanismos democráticos ( *36 vide nota de rodapé ) restritos, dos quais participavam apenas a classe burguesa ( voto censitário ) com o objetivo de selecionar os governantes no interior da própria classe. Nestas condições, a luta de classes estava excluída do terreno político ( *33 vide nota de rodapé ), o Estado aparece exclusivamente como forma de dominação ( *19 vide nota de rodapé ) e não existe empiricamente alguma especificidade do estatal com relação ao social ( *50 vide nota de rodapé ). Considerações análogas podem ser feitas com relação aos Direitos Humanos proclamados pelas revoluções liberais ( *39 vide nota de rodapé ): na medida em que sua aplicação se restringia à classe burguesa, eles eram, empiricamente, direitos burgueses.
Na teorização marxista ( *43 vide nota de rodapé ) o Estado é uma relação social de dominação ( *19 vide nota de rodapé ). Sua natureza está determinada pela natureza da sociedade civil. Objetivado nas instituições e no direito, sua função é a de garantir - tendo como último recurso a coação - a manutenção e reprodução das relações de dominação ( *19 vide nota de rodapé ) em torno das quais se estrutura a sociedade civil ( *51 vide nota de rodapé ). Entretanto, a eficiência da dominação ( *19 vide nota de rodapé ) exercida desde o Estado requer que sua natureza seja velada e que sua função apareça como a de um árbitro situado acima dos conflitos que dividem a sociedade civil. Este objetivo é atingido através de mediações que se apresentam como fundamento do poder estatal e referencial de sua ação. A cidadania ( *48 vide nota de rodapé ) constitui um dos elementos desta mediação. Anulando as divisões concretas dos homens na sociedade civil, a cidadania os iguala abstratamente, servindo de fundamento a um poder que aparece assim como o representante do conjunto da sociedade.
Todavia, o conceito e a prática social da cidadania ( *48 vide nota de rodapé ) não podem ser vistos apenas como uma armadilha da ideologia burguesa, instrumento da legitimação da dominação ( *19 vide nota de rodapé ). Ela também resulta da luta política ( *33 vide nota de rodapé ) contra o poder. Por isto, aparecendo como o fundamento deste poder, a cidadania marca também seus limites, através do estabelecimento de instituições e normas que protegem os direitos dos cidadãos ( *48 vide nota de rodapé ) e dos homens em geral ( *51 vide nota de rodapé ).
A eficiência legitimadora das mediações tem - como outro lado da mesma moeda - a extensão das garantias reais face ao poder. E, como consequência deste reverso da moeda, não apenas maiores possibilidades de organização dos setores dominados ( *19 vide nota de rodapé ) na sociedade civil, mas também a interiorização dos conflitos no interior das próprias instituições do Estado. Esta consequências da cidadania ( *48 vide nota de rodapé ) - da democracia ( * 36 vide nota de rodapé ) que sustenta - não derivam da vontade da burguesia, mas constituem conquistas da luta de classes e das lutas dos dominados ( *19 vide nota de rodapé ) em geral. Nas formações sociais onde estas conquistas se estenderam e onde as condições do desenvolvimento ( *6 vide nota de rodapé ) econômico permitiram um grau apreciável de satisfação das necessidades da maior parte da população, a exploração ( *19 vide nota de rodapé ) capitalista do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) perde internamente seu caráter selvagem, fazendo com que tanto a organização social ( *40 vide nota de rodapé ) quanto o Estado exprimam o consenso da maior parte da população.
Como já se assinalou, este grau de integração social - econômica e ideológica - desmontou o processo histórico do qual Marx ( *43 vide nota de rodapé ) fazia derivar a formação de uma consciência problemática autônoma e - no contexto das inevitáveis crises econômicas do sistema - a possibilidade de uma ruptura radical. Pode-se lamentar saudosisticamente que esta possibilidade não possa mais ser postulada a partir da análise do real concreto ( *47 vide nota de rodapé ). Todavia, parece mais conveniente tentar compreender as condições reais nas quais pode-se processar a transformação social. Também se assinalou que a produção e reprodução de um Modo de Produção ( *46 vide nota de rodapé ) são resultantes da confluência da multiplicidade de relações sociais. Importa agora insistir em que o desenvolvimento da democracia ( *36 vide nota de rodapé ) possui também um reverso. O de seu próprio dinamismo, pelo qual as exigências e conquistas de margens sempre maiores de igualdade ( *15 vide nota de rodapé ) e liberdade, é suscetível é suscetível de tornar um número crescente de relações sociais, em diversos níveis da vida social, também crescentemente disfuncionais à dominação ( *19 vide nota de rodapé ) capitalista do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ). Não se está postulando uma ilusória perspectiva segundo a qual o capitalismo do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) como sistema seria derrocado por uma espécie de revolta cultural. A história recente dos países centrais desaconselha qualquer otimismo ingênuo. Todavia, esta mesma história dos dias atuais demonstra que a extensão da democracia é contraditória não com o socialismo ( *43 vide nota de rodapé ), mas com o capitalismo do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ). E também ensina que a crise econômica isoladamente, no quadro de um insuficiente desenvolvimento ( *6 vide nota de rodapé ) democrático ( *36 vide nota de rodapé ), não abre caminho da revolução, mas a rearticulação do sistema. É legítimo postular que estas rearticulações reproduziram em níveis superiores as contradições do capitalismo do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) e suas crises. Todavia, isto não permite projetar qualquer tipo de solução para estas crises. As soluções dependeram da evolução do saber prático-moral, quer dizer, do conjunto de valores, instituições e normas de comportamento social desenvolvidas na sociedade. E não parece difícil concluir que quanto mais estes valores, normas e instituições se constituam em torno da igualdade ( *15 vide nota de rodapé ) e da liberdade ( quer dizer da democracia - *36 vide nota de rodapé ), maiores são as chances de que as crises capitalistas do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) não sejam resolvidas com base em projetos autoritários.
P.S.:
Notas de rodapé:
* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:
*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:
*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 .
*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .
*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .
*7 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .
*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .
*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .
*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .
*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .
*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .
*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .
*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .
*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:
*20 A violência no campo é melhor detalhada em:
*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .
*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:
*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .
*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .
*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*32 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:
*33 A impossibilidade de fazer política a partir dos DH é melhor detalhada em:
*34 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .
*35 Os impactos do endividamento externo no exercício dos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
*36 O realismo inverossímil e o sentido da democracia para os DH são melhor detalhados em:
*37 O princípio do juiz natural é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*38 O direito à assistência jurídica integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*39 Os impactos da ideologia liberal sobre os Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*40 Os impactos dos movimentos sociais na democracia nos Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*41 O direito ao juiz natural ou neutro é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*42 A significação dos DH no Cone Sul é melhor detalhada em:
*43 A transformação social e a crise no paradigma marxista são melhor detalhados em:
*44 As relações entre Base e Estrutura são melhor detalhadas em:
*45 O reducionismo economicista é melhor detalhado em:
*46 O impacto do Modo de Produção nos DH é melhor detalhado em:
*47 A democracia real e seu impacto sobre os DH são melhores detalhados em:
*48 A questão da cidadania e seus impactos sobre os DH são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-cidadania-plena-versus-a-barb%C3%A1rie .
*49 Na interpretação do Modo de Produção de Produção, operada pelo marxismo vulgar, as formas políticas, como toda a superestrutura, refletem a base da sociedade. Do ponto de vista dinâmico, a transformação daquelas deriva - é determinada pela - da mudança prévia desta.
*50 Conforme Portantiero, Juan Carlos, "Socialismo y Democracia. Una Relación Difícil", in Punto de Vista, número Vinte, Página Um e seguintes. Buenos Aires, Mil novecentos e setenta e cinco.
*51 Conforme O'Donnell, Guillermo, "Apontes para uma Teoria do Estado" e "Tensões no Estado Burocrático-Autoritário e a Questão da Democracia", in Contrapuntos, Autoritarismo e Democratização, Vértice, São Paulo, Mil novecentos e oitenta e seis.
Referência
Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Cento e sessenta e cinco a Cento e sessenta e nove.
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