Acuado pela CPI da Covid e por três inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Bolsonaro fracassa em mais uma tentativa de intimidação. Na manhã desta segunda (16), enquanto ele disparava tiros de obus na Operação Formosa, seu “textão” pregando um “contragolpe”, veiculado no último sábado (14) via whatsapp, recebeu firme resposta de governadores de 14 estados e do Distrito Federal (veja a íntegra da carta).
“O Estado Democrático de Direito só existe com Judiciário independente, livre para decidir de acordo com a Constituição e com as leis. No âmbito dos nossos estados, tudo faremos para ajudar a preservar a dignidade e a integridade do Poder Judiciário”, diz a nota pública em solidariedade ao STF, aos ministros e às famílias, citando “constantes ameaças e agressões” à Corte.
Embora o texto não faça menção explícita a qualquer autoridade, as autoridades que a assinam são críticas de Bolsonaro. São eles os governadores da Bahia, Rui Costa (PT); do Ceará, Camilo Santana (PT); do Piauí, Wellington Dias (PT); do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT); do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB); do Maranhão, Flávio Dino (PSB); de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); de São Paulo, João Doria (PSDB); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania); do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB); de Alagoas, Renan Filho (MDB); de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD); do Amapá, Waldez Goés (PDT).
O clima entre Bolsonaro, o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esquentou na esteira dos ataques bolsonaristas às urnas eletrônicas. Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes abriu investigação contra ele pela divulgação nas redes sociais de inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre a invasão de um hacker ao sistema de computadores da Corte eleitoral.
A gota d’água (para Bolsonaro) veio na sexta-feira (13), quando Moraes determinou a prisão do ex-deputado e dirigente nacional do PTB, Roberto Jefferson, por participação em uma organização criminosa digital montada para atacar a democracia.
Contra-ataque pelas redes sociais
Bolsonaro começou o sábado afirmando no Twitter que pediria a abertura de processo contra Moraes e Luís Roberto Barroso, que também é o atual presidente do TSE: “Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pedido para que instaure processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”.
Ele se referia ao artigo que rege, entre outras coisas, o impeachment, tanto do presidente da República quanto de ministros do STF. A ideia do impedimento de um ministro do STF não é nova entre os bolsonaristas, mas é a primeira vez que Bolsonaro a considera formalmente em público.
Depois, o capitão “convidado” a se aposentar do Exército compareceu a uma formatura de alunos do primeiro ano da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), ao lado do ministro da Defesa, o general da reserva Walter Braga Netto.
“Se dediquem, se preparem, que o Brasil espera de todos vocês, mais até do que a nossa própria vida e mais importante que a vida, é a nossa liberdade”, disse Bolsonaro. Braga Netto afirmou que as Forças Armadas são “protagonistas dos principais momentos da história do país” e estão “sob autoridade suprema do presidente da República”.
No sábado à tarde, circulou em uma lista de transmissão no WhatsApp o texto sobre a necessidade de um “contragolpe” ao Judiciário. Nele, Bolsonaro convocou apoiadores a se manifestarem em 7 de setembro para mostrar que ele e as Forças Armadas têm apoio para uma ruptura institucional.
Embora não haja o selo de “Encaminhada” com que o WhatsApp marca as mensagens, o texto é assinado por um grupo de Facebook chamado “Ativistas direitas volver”. Na lista de transmissão, estão ministros de Estado, apoiadores e amigos do presidente.
“Hoje, fazer um contragolpe é muito mais difícil e delicado do que naquela época, além do grave aparelhamento acima relatado, temos uma constituição comunista que tirou em grande parte os poderes do Presidente da República”, diz o texto, que prossegue lembrando um vídeo de Bolsonaro, no início de agosto, pedindo para o povo brasileiro ir mais uma vez às ruas, na Avenida Paulista, “dar o último aviso”.
“Desta vez, ele reforçou que o contingente deveria ser absurdamente gigante, ou seja, o tamanho desta manifestação deverá ser o maior já visto na história do país, a ponto de comprovar e apoiar, inclusive internacionalmente, para que dê a ele e às FFAA, para que, em caso de um bastante provável e necessário contragolpe que terão que implementar em breve, diante do grave avanço do golpe já em curso há tempos e que agora avança de forma muito mais agressiva, perpetrado pelo Poder Judiciário, esquerda e todo um aparato, inclusive internacional, de interesses escusos”, prosseguiu o “textão”.
A mensagem acabou vazando em uma reportagem publicada no portal Metrópoles no domingo à noite. Nesta segunda, Bolsonaro reclamou do vazamento da mensagem com auxiliares. Nos bastidores, eles alegam que o texto “não representa necessariamente o pensamento do presidente”, e seria apenas “para reflexão”.
Mas em resposta ao chamado, as “tropas” bolsonaristas se mobilizaram nas redes sociais para convocar a invasão da Embaixada da China. A ideia é que a iniciativa ocorra durante a mobilização golpista marcada para o 7 de setembro, em resposta à prisão de Roberto Jefferson.
O presidente nacional da sigla petebista pregava a expulsão do embaixador Yang Wanming do Brasil. No dia da prisão dele, o embaixador comemorou a ação da PF e desejou um “lindo dia para todos”.
Em postagem no Twitter, o líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Bohn Gass (RS), pediu bom senso. “Não sou adepto do quanto pior, melhor. Por isso, reitero: Bolsonaro, trate de impedir a invasão da embaixada chinesa que seus celerados seguidores estão tramando. Não pq a China é nosso maior parceiro comercial, mas pq embaixadas são territórios sagrados para a paz mundial”, conclamou o deputado.
Em uma segunda postagem, Bohn Gass comentou sobre a motivação das ações bolsonaristas. “Todos os sinais que o Planalto, a primeira flamiglia e os celerados apoiadores deles emitem, são de desespero. Vocês concordam?”, questionou.
Caminhoneiros desautorizam Sérgio Reis
Entre os “celerados” está o cantor sertanejo e ex-deputado Sergio Reis. Em um áudio e um vídeo que circulam em grupos de WhatsApp e no Twitter, ele convocou uma greve nacional de caminhoneiros em protesto contra os 11 ministros do Supremo.
“Nós vamos parar 72 horas. Se não fizer nada, nas próximas 72 horas, ninguém anda no País, não vai ter nem caminhão para trazer feijão para vocês aqui dentro”, disse Reis em uma reunião, em Brasília, com representantes do agronegócio, sentado ao lado do presidente da Aprosoja, Antonio Galvan.
“Nada vai ser igual, nunca foi igual ao que vai acontecer em 7, 8, 9 e 10 de setembro, e se eles não obedecerem nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar, e ai do caminhoneiro que furar esse bloqueio”, ameaçou.
“Enquanto o Senado não tomar essa posição que nós mandamos fazer, nós vamos ficar em Brasília e não saímos de lá até isso acontecer. Uma semana, dez dias, um mês e os caras bancando tudo, hotel e tudo, não gasta um tostão. E se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras, nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”, continuou, dando a entender que Bolsonaro apoia o movimento.
Mas representantes dos caminhoneiros negam a adesão ao movimento. “A grande maioria não vai participar, pelo menos dos nossos associados”, afirmou o presidente da Associação Nacional de Transporte do Brasil (ANTB), José Roberto Stringasci, ao Estado de São Paulo. Segundo ele, a entidade representa 45 mil motoristas autônomos.
“Não nos envolvemos com política, nem a favor de governo ou contra governo, nem a favor do STF ou contra o STF”, disse em vídeo Wallace Landim, o Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava).
Chorão ainda mandou um recado direto para o cantor e ex-deputado. “Ele não representa os caminhoneiros. O Sérgio Reis defende o agro e virou as costas para a categoria. Agora, ele vem dizer que é líder da categoria? Esse movimento não é dos caminhoneiros, querem nos usar”, afirmou Chorão, em entrevista ao Brasil de Fato.
Segundo Chorão, a maior parte dos caminhoneiros, hoje, é crítica ao desgoverno Bolsonaro. “Em 2018 tinha 80% da categoria apoiando o Bolsonaro. Hoje, isso não existe mais, fomos abandonados pelo governo. Temos negociado, mas quando as negociações avançam, essa turma do Sérgio Reis, do agronegócio, breca nossos avanços”, encerrou.
Em entrevista para o Jornal Brasil Atual desta segunda, o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rogério Dultra dos Santos, a prisão de Roberto Jefferson foi “corretíssima”, e o mesmo pode acontecer com Sérgio Reis e outros personagens que sustentam a retórica golpista.
“Estamos numa situação de extrema instabilidade política. Esses ataques ao STF e ao Congresso Nacional têm se multiplicado. A gente percebe, nas redes e no Whatsapp, movimentações de extremistas, insuflando os cidadãos em relação a esse tipo de movimentação. Isso deve ser não só repudiado, mas combatido diretamente pelos poderes da República. Não há nenhuma dúvida disso”, defendeu o jurista.
“O Executivo está acusando o Congresso e o STF, me parece, sem nenhum fundamento. Essas acusações, se se comprovarem sem fundamento, colocam diretamente o Poder Executivo em rota de colisão contra os demais poderes. Isso se chama crise. Crise republicana, crise da democracia. Estamos sob risco efetivo. E não podemos brincar com esse tipo de situação, que é extremamente perigosa”, concluiu o professor, integrante da organização Juristas pela Democracia.
Com informações de pt.org.br .
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