segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Golpe de Estado: mulheres relembram 5 anos do golpe contra Dilma como violência política

“Quer ser homem? Então vou te tratar como homem!”. Essas palavras foram ouvidas pela vereadora de Niterói (RJ), Verônica Lima em julho deste ano. As agressões verbais, acompanhadas de comentários lesbofóbicos, intimidação e ameaça de agressão física, vieram de um colega parlamentar e aconteceram durante uma sessão na Câmara Municipal.


No início de agosto, a vereadora de Americana (SP), Professora Juliana sofreu ataques nas redes, promovidos por um vereador bolsonarista que disseminou um vídeo em que dizia que a vereadora deveria lavar a boca com ácido sulfúrico para falar do Presidente do país.

Já em março deste ano, uma associação de mulheres indígenas contrárias à mineração ilegal foi alvo de um ataque de garimpeiros ilegais em Jacareacanga, no sudoeste do Pará.

Meses antes, em dezembro de 2020, durante sessão do plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, enquanto a deputada Isa Penna (PSOL) conversava com integrantes da Mesa Diretora, um outro parlamentar se aproximou por trás e apalpou o seio da deputada.

No dia 12 de agosto completou 38 anos do assassinato da presidenta do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB), Margarida Maria Alves. Em razão de sua luta, provocou a ira de fazendeiros da região. Margarida Alves se tornou símbolo de luta e resistência por vida digna no campo, mas também de luta contra a violência.

A violência política contra as mulheres está cada vez mais latente na sociedade brasileira e atinge principalmente mulheres negras, mulheres trans, lésbicas. Mulheres com mandato parlamentar e mulheres que presidem sindicatos, associações ou outros espaços políticos são alvo desse tipo de violência.

São inúmeros os exemplos de violência política contra as mulheres e eles alcançam várias esferas.

É sobre esse assunto que vamos tratar nesta segunda matéria da série sobre violência política de gênero, no marco dos 5 anos do golpe que tirou do cargo a primeira presidenta eleita do país.

Para a doutora e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Flávia Biroli, a violência política de gênero tem sido conceituada como uma reação à participação das mulheres na política.

“Pode ser uma reação ao aumento dessa participação, à maior visibilidade das mulheres na política ou mesmo à pressão, demanda das mulheres por participar da política”, conceitua.

Biroli observa que o contexto de violência política contra as mulheres se define a partir do momento em que as mulheres lutam para reduzir a sub-representação histórica, o controle histórico dos homens sobre os recursos e espaços em que as decisões políticas são tomadas. “Trata-se de uma disputa pela manutenção desse espaço como um espaço de controle masculino ou por uma igualdade maior, pela paridade de gênero nesses espaços”.

O problema da violência contra as mulheres é estrutural na sociedade capitalista e patriarcal. Quando se trata de violência política de gênero, ela se manifesta de várias formas: agressões físicas, psicológicas, morais, sexuais, virtuais, institucionais, raciais, de gênero, LGBTQI+fóbicas entre outras.

No Brasil, um dos casos mais emblemáticos e extremos de violência política foi o assassinato de Marielle Franco, no dia 14 de março de 2018 e que até hoje não se tem informações sobre “Quem mandou matar e por que”. “Foi a forma de se apagar uma voz, uma existência política muito potente que colocava em xeque as formas muito limitadas da política, a representação que é muito estreita e que colocava também em cheque a relação entre o Estado e formas paralelas, criminosas, de poder”, ressalta a professora Flávia Biroli.

Para ela, as mulheres brasileiras tomaram o assassinato de Marielle Franco como um marco na sua exigência não só por participação, “mas uma participação que se dê de forma segura, que participar politicamente não tenha como um custo as suas próprias vidas”.

A pesquisa “A Violência Política Contra Mulheres Negras”, realizada pelo Instituto Marielle Franco e lançada em dezembro de 2020, mapeou oito tipos de violência política que se manifestaram contra as mulheres negras candidatas nas eleições municipais de 2020.

Pesquisa “A violência política contra as mulheres negras” do Instituto Marielle Franco

“Entre as candidatas negras entrevistadas, 78,1% delas relataram ter sofrido algum tipo de violência virtual, sendo este o tipo de violência política mais relatada”, apresenta trecho da pesquisa. 

A pesquisa mostrou que entre as situações de violências relatadas pelas entrevistadas estão “comentários e/ou mensagens machistas e/ou misóginas em suas redes sociais, por e-mail, ou outros aplicativos de mensagem (20,7%), ter recebido comentários racistas em suas redes sociais (18%), ter participado de reunião virtual que foi invadida (17,1%), ter tido a sua própria reunião virtual invadida (12,6%), ter sido vítima de ataques com conteúdos machistas durante uma live (9,9%), ter sido vítima de ataques com conteúdos racistas durante uma live (8,1%), ter sido vítima de criação e disseminação de notícias falsas sobre si, sobre membros de sua família e/ou sua campanha (5,4%), ter sofrido invasões nas redes, contas e dispositivos pessoais, ter sofrido algum tipo de censura nas suas redes sociais (manipulação de algoritmo, remoção de postagens) e ter recebido comentários e/ou mensagens LGBTfóbicas nas redes sociais, por e-mail ou aplicativos de mensagens (1,8% cada)”.

Violência Institucional


A pesquisa também pontua que a violência institucional contribui para manutenção de poder de um grupo dominante, reproduzindo desigualdades, desvantagens e discriminações dirigidas a determinados grupos excluídas historicamente das estruturas de disputa de poder.

No âmbito da violência institucional, a pesquisa revelou que entre os principais tipos de violências relatados está o recebimento menor de “recursos do seu partido do que a candidata acredita que seria justo (32,9%), ter sido ofendida, insultada, difamada e/ou intimidada para aceitar determinadas decisões partidárias, ou mesmo para desistir da sua candidatura (29,1%), não ter recebido nenhum recurso financeiro do seu partido político para realização de sua campanha (12,6%), ter sofrido outros episódios de discriminação (atos machistas, LGBTfóbicas) em órgãos da justiça eleitoral (6,3%), ter sofrido racismo em órgãos de justiça eleitoral (2,5%), ter sido assediada sexualmente para aceitar determinadas decisões partidárias ou de campanha ou para desistir da sua candidatura (2,5%), ter sido ameaçada de morte para aceitar determinadas decisões partidárias ou de campanha ou para desistir da sua candidatura (1,2%), entre outros”. 

Agora é crime


Em julho, o Senado aprovou uma lei que criminaliza a violência política e impõe que os partidos políticos realizem ações de prevenção a esse tipo de violência.

O texto teve origem na Câmara Federal e conceitua a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, bem como qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e das suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.

A lei determina que o estatuto do partido político deve conter normas sobre prevenção, sanção e combate à violência política contra a mulher. E faz alterações no Código Eleitoral para incluir a previsão de crimes contra a mulher na política. Dentre essas alterações, proíbe a propaganda que deprecie a condição da mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia.

“Estamos vivendo um processo de escalada do autoritarismo, de ataque à democracia e ameaça à vida das pessoas que ocupam cargos públicos e eletivos, principalmente contra as mulheres que ocupam espaços políticos e de poder. É preciso, mais do que nunca, que a sociedade e partidos políticos desenvolvam ações e estratégias para eliminar a violência política e proteger as mulheres no exercício de sua vida política para a garantia da democracia”, destaca Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT.

Como enfrentar a violência política contra as mulheres será o tema da matéria que vai ao ar no dia 20 de agosto.

Com informações de Elas por Elas e pt.org.br .

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