O que são as eficácias vertical, horizontal e diagonal dos Direitos Humanos ( DH )? Quais as teorias existentes acerca da eficácia horizontal? Inicialmente, dada a redação de subordinação entre a sociedade e o Estado, e para proteger aquela de eventuais arbítrios deste, sempre tiveram os DH irradiação centrífuga, com emanação do poder de comando atingindo os comandados verticalmente, bem como limitando a atuação deste poder.
Comissão de Constituição de Justiça ( CCJ ) do Congresso nacional ( CN ): analisando a eficácia das normas legais, constitucionais e convencionais de Direito. Foto: PT no Senado ( Divulgação ) .Todavia, com a crescente influência dos textos constitucionais ( * vide nota de rodapé ) nas democracias ( *2 vide nota de rodapé ) ocidentais, vitaminada pela atribuição de força normativa aos preceitos magnos, ocorreu uma verdadeira miscigenação dos direito constitucional e dos DH com outras áreas jurídicas até então não misturáveis, no fenômeno doutrinariamente conhecido por " constitucionalização / humanização do direito privado ", em que o valor da autonomia privada, antes absoluto, foi secundarizado em prol do interesse público. Nesta frequência, ato contínuo passou-se a admitir como plausível a hipótese de que o DH emanam, também, do homem, em sua relação horizontal com seus congêneres, e não só do Estado ( *3 vide nota de rodapé ) .
Tal hipótese surgiu na segunda metade do Século Vinte, na Alemanha, conhecido por Drittwirkung, abrasileirada como " eficácia horizontal ", ou " eficácia privada ", ou " eficácia externa " dos direitos fundamentais ( *4 vide nota de rodapé ), tendo ganhado força na Europa, principalmente na Áustria, na Espanha e em Portugal ( além de seu nascedouro germânico, obviamente ), fazendo com que a Constituição Portuguesa de Mil novecentos e setenta e seis, por exemplo, em seu Artigo Dezoito / Primeiro, previsse a vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos fundamentais .
Em suma, na nova hermenêutica constitucional, A Constituição está de fato - não apenas teoricamente - no centro do sistema jurídico. De uma supremacia meramente formal, agregou-se uma valia material e axiológica à Constituição. Passou a ser um modo de olhar e interpretar os ramos do Direito, num processo chamado por alguns de filtragem constitucional, do qual decorreu uma constitucionalização do direito infraconstitucional ( *5 vide nota de rodapé ).
Não se pode esquecer, contudo, da chamada eficácia diagonal dos DH / fundamentais, aplicada às relações entre particulares em que haja subordinação entre estes, notadamente nas relações de trabalho ( empregador / empresa e empregado ) . De acordo com tal prisma de eficácia, em algumas hipóteses, mesmo nas relações entre particulares, alguns agentes encontram-se em posição desfavorável, desprivilegiada em relação a outros agentes, o que faz com que tal relação deva ser equilibrada por uma incidência proporcional ( *6 vide nota de rodapé ) de direitos fundamentais / DH. Apesar de haver posições bastante restritivas e críticas quanto a esta teoria, sobretudo em se pensando que as teorias das eficácias horizontal e vertical foram feitas em se pensando apenas nos agentes " indivíduo " e " Estado " singularmente considerados, sem qualquer carga valorativa entre estes ( não se fala em Estados mais o menos importantes / indivíduos mais ou menos importantes ), pode-se pensar na lógica de aplicação da eficácia diagonal também às relações consumeristas ( *7 vide nota de rodapé ), principalmente nos casos de consumidor hipervulnerável.
Isto posto, nada obstante as eficácias vertical e diagonal, convém dispensar especial atenção às teorias existentes para aplicar a eficácia horizontal dos DH / fundamentais na esfera privada .
Teoria da ineficácia horizontal ( ou doutrina da State Action )
Oriunda do direito norte-americano, para esta teoria dos DH não podem ser aplicados ás relações entre particulares, de foram que não existe uma " eficácia horizontal " de DH. Segundo Daniel sarmento ( *8 vide nota de rodapé ), " é praticamente um axioma do Direito Constitucional norte-americano, quase universalmente aceito tanto pela doutrina como pela jurisprudência, a ideia de que os direitos fundamentais, previstos no Bill of Rights ( *9 vide nota de rodapé ) da Carta estadunidense, impõem, impõem limitações apenas para os Poderes Públicos e não atribuem aos particulares direitos frente a outros particulares com exceção apenas da Décima-terceira Emenda, que proibiu a escravidão. para justificar esta posição, a doutrina apoia-se na literalidade do texto constitucional, que se refere apenas aos Poderes Públicos na maioria das suas cláusulas consagradoras de direitos fundamentais. Além do argumento liberal ( *10 vide nota de rodapé ), outra justificativa invocada pela doutrina da state action liga-se aos pacto federativo. Nos Estados Unidos da América ( EUA ) , cumpre não esquecer, compete aos Estados, e não à União, legislar sobre Direito Privado, a não ser quando a matéria normatizada envolva o comércio interestadual ou internacional. Assim, afirma-se que a state action preserva o espaço de autonomia dos Estados, impedindo que as cortes federais, a pretexto de aplicarem a Constituição, intervenham na disciplina das relações privadas " .
Por tal teoria, a única e histórica razão para a existência dos DH / fundamentais é a proteção contra os arbítrios estatais, de modo que, entre particulares, já bastam as regras implícitas de convívio social comumente norteadas pela autonomia privada .
Essa doutrina, contudo, apesar de minoritária e restrita aos EUA, já começa a encontrar combate dentro da própria Suprema Corte Norte-americana .
Teoria da eficácia horizontal indireta
é a teoria adotada pelos alemães ( Mittelbare Drittwirkung ), e cujo defensor principal é Günter Düring, que a desenvolveu em Mil novecentos e cinquenta e seis.
A ideia é que os DH só se aplicam indiretamente aos particulares, sob o argumento de que, do contrário, caso houvesse uma aplicação direta dos DH às relações entre particulares, isso acabaria aniquilando por completo a autonomia da vontade, o que levaria à consequente extinção do direito privado. conforme Claus-Wilhelm Canaris ( *11 vide nota de rodapé ), " somente o Estado é destinatário dos direitos fundamentais, de acordo com a opinião prevalente na Alemanha. Não obstante elas também produzem efeitos sobre as relações entre sujeitos jusprivatistas, embora apenas ' mediatamente '. Conforme já afirmado, várias vezes, os direitos fundamentais devem ser considerados na concretização das clásulas gerais juscivilistas. Porém, ainda não está inteiramente esclarecido como esse efeito ' mediato " pode ser explicado de forma dogmaticamente precisa. Mais especificamente, não se compreende sem mais nem menos se e porque os direitos fundamentais possuem eficácia no quadro das cláusulas gerais juscivilistas como direito constitucional específico e não apenas atual como outros recursos de concretização - por exemplo, regras da moral social " . Neste diapasão, o autor ressalta o risco de se admitir uma eficácia incondicionada de direitos fundamentais entre particulares: " Aplicada coerentemente, a consequência da doutrina da ' eficácia externa imediata ' implica que todos os direitos fundamentais conduzem, sem mais nem menos, a proibições de intervenções no âmbito das relações jusprivativistas e a direitos e a direitos de defesa em face de outros jusprivativistas. Assim, eles não carecem mai de nenhuma implementação no próprio sistema de regras do Direito Privado. Mais especificamente, o recurso às cláusulas gerais se torna inteiramente supérfluo " .
Pela teoria da eficácia indireta a produção de efeitos entre particulares das normas de direitos fundamentais não pode se fundar exclusivamente na Constituição, precisando ser modulada pelas normas e parâmetros do direito privado. Sendo assim, a atividade do legislador de direito privado é necessária e, no máximo, cabe ao juiz efetuar interpretação conforme os direitos fundamentais das normas de direito privado ( *12 vide nota de rodapé ) . O importante é que, desde esta teoria, os direitos fundamentais nas relações privadas não são mais direitos subjetivos constitucionais, e sem normas objetivas de princípio.
Segundo a doutrina alemã defensor desta teoria, as " portas de entrada " dos DH na relação entre particulares seriam as cláusulas gerais do direito privado e ou os conceitos jurídicos indeterminados. Neste sentido, defende Silva ( *13 vide nota de rodapé ) que é principalmente pelas cláusulas gerais, que ligam o sistema de valores de direitos fundamentais do direito privado por requererem um preenchimento valorativo - mas não só por elas - , que os direitos fundamentais produzem efeitos no direito privado .
Teoria da eficácia horizontal direta
Trata-se da teoria adotada em Portugal, na Espanha, e na Itália, embora, tal como a teoria anterior, também tenha sido desenvolvida na alemanha, na década de Cinquenta. Seu principal entusiasta foi Hans Carl Nipperdey, então presidente do Tribunal Federal do Trabalho ( TFT ) alemão ( Bundesarbeitgericht ) .
A teoria da eficácia direta ou imediata, segundo Steinmetz, preconiza que " as normas de direitos fundamentais são imediata ou diretamente aplicáveis às relações jurídicas entre particulares. O conteúdo, a forma e o alcance da eficácia jurídica dessas normas não dependem, necessariamente, da vigência de regulações legislativas concretizadoras específicas, nem de interpretação e de aplicações judiciais de textos de cláusulas gerais ". No Brasil, Silva se encontra os defensores desta teoria .
Explica Steinmetz, na defesa de uma posição intermediária, que são fundamentos da eficácia direta o princípio da supremacia da Constituição, a posição preferente dos direitos fundamentais na ordem constitucional e o princípio da dignidade da pessoa humana ( *14 vide nota de rodapé ); assim, somente se afastaria a eficácia imediata quando houvesse regulamentações legislativas que concretizassem direitos fundamentais que fossem constitucionalmente possíveis ou conformes aos direitos fundamentais. Isto é, em determinados casos a legislação infraconstitucional pode oferecer uma resposta suficiente aos conflitos entre particulares ser for plenamente compatível com as limitações constitucionais e seus pressupostos éticos .
Assim, essa doutrina reconhece a aplicabilidade direta, sem quaisquer mecanismos intermediários, dos DH entre particulares. No Brasil, observa-se uma tendência por este terceiro posicionamento adotado no Recurso Extraordinário número Duzentos e um mil oitocentos e dezenove / Rio de Janeiro ( *15 vide nota de rodapé ) .
Uma análise concisa de tais teorias:
Teoria da eficácia vertical
Tradicionalmente, sempre tiveram os DH irradiação centrífuga, isto é, com emanação do poder de comando, atingindo os comandados, verticalmente, bem como limitando a atuação deste poder de comando.
Teoria da eficácia diagonal
Aplicada às relações entre particulares em que haja subordinação entre estes, notadamente nas relações de trabalho ( empregador / empresa e empregado ) .
Teoria da ineficácia horizontal
Os DH não podem ser aplicados às relações entre particulares, de forma que não existe uma " eficácia horizontal " de DH. Por tal teoria, a única e histórica razão, para a existência dos DH / fundamentais é a proteção contra os arbítrios estatais, de modo que, entre particulares, já bastam as regras implícitas de convívio social comumente norteadas pela autonomia privada .
Teoria da eficácia horizontal indireta
A produção de efeitos entre particulares da normas de direitos fundamentais não pode se fundar exclusivamente na Constituição, precisando ser modulada pelas normas e parâmetros do direito privado.
Teoria da eficácia horizontal direta
Essa doutrina reconhece a aplicabilidade direta, sem quaisquer mecanismo intermediários, dos DH entre particulares. No Brasil, observa-se uma tendência por este terceiro posicionamento .
P.S.:
Notas de rodapé:
* A influência do positivismo nacionalista constitucional dos Estados nos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-positivismo.html .
*2 O direito à democracia, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/05/direitos-humanos-os-direitos-politicos.html .
*3 Robert Alexi ( Teoria de los derechos fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales: Madrid, Dois mil e dois, Página Quinhentos e sete ) fala em " efeito de irradiação " das normas jusfundamentais por todo o ordenamento jurídico, com a ajuda do conceito de ordem valorativo objetivo. É o que os alemães chamam de Ausstrahlungswirkung, conforme Ingo Wolfgang Sarlet ( A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Dois mil e um, Página trezentos e quarenta e três ) .
*4 A terminologia referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .
*5 Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Sétima edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e nove, Páginas Trezentos e quarenta a trezentos e quarenta e um.
*6 O princípio da proporcionalidade, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-principio-da_31.html .
*7 O direito do consumidor, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e_19.html .
*8 Sarmento, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Segunda edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, Dois mil e seis, Página Cento e oitenta e nove .
*9 A Declaração de Direitos ( ou Bill of Rights ) é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-declaracao-de-direitos.html .
*10 As contribuições do liberalismo aos Direitos Humanos, são melhor detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-contribuicao-do_21.html .
*11 Canaris, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária, número trezentos e doze. Porto alegre: Notadez, Dois mil e três, Página Dezessete .
*12 Steinmetz, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos fundamentais. In: Silva, Virgílio Afonso ( Organizador ) . Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, Dois mil e sete, Páginas Dezenove a Vinte .
*13 Silva, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações particulares. São Paulo: Malheiros, Dois mil e oito, Páginas Setenta e oito a Setenta e nove .
*14 O princípio da dignidade da pessoa humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-principio-da.html .
*15 Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma. Recurso Extraordinário número Duzentos e um mil oitocentos e dezenove / Rio de Janeiro. Relator Ministra Ellen Gracie. Diário da Justiça de Onze de outubro de Dois mil e cinco .
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