A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a "dignidade da pessoa humana" ( Artigo Primeiro, Inciso Terceiro ) ( * vide nota de rodapé ). Além disto, o texto constitucional brasileiro afirma que toda a ação econômica tem como finalidade assegurar a todos uma existência digna ( Artigo Cento e setenta ) ( *2 vide nota de rodapé ). Por sua vez, no Artigo Duzentos e vinte e seis, Parágrafo Sétimo, ficou determinado que o planejamento familiar é fruto de livre decisão do casal, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana. Já o Artigo Duzentos e vinte e sete determina que cabe á família, a sociedade e ao Estado assegurar dignidade à criança, a adolescente e ao jovem ( *3 vide nota de rodapé ). No Artigo Duzentos e trinta, a CF - 88 prevê que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas ( *3 vide nota de rodapé ), defendendo sua dignidade e bem-estar.
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos ( DUDH ) ( *4 vide nota de rodapé ) estabelece, já no seu preâmbulo, a necessidade de proteção da dignidade humana por meio da proclamação dos direitos elencados naquele diploma, estabelecendo, em seu Artigo Primeiro, que "todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos". Os dois Pactos Internacionais ( sobre direitos civis e políticos - *5 vide nota de rodapé - e o sobre os direitos sociais, econômicos e culturais - *6 vide nota de rodapé - ) da Organização das Nações Unidas ( ONU ) têm idêntico reconhecimento, no preâmbulo, da "dignidade inerente a todos os membros da família humana". A Convenção Americana de Direitos Humanos ( DH ) ( *7 vide nota de rodapé ) exige o respeito devido à "dignidade inerente ao ser humano" ( Artigo Quinto ). Já a Convenção Europeia de DH, em que pese não possuir tal menção à dignidade humana, foi já interpretada pela Corte Europeia de DH no sentido de que a "dignidade e a liberdade do homem são a essência da própria Convenção" ( *8 vide nota de rodapé ). No plano comunitário europeu, a situação não é diferente. Simbolicamente, a dignidade humana está prevista no Artigo Primeiro da Carta de Direitos Fundamentais ( *9 vide nota de rodapé ) da União Europeia de Dois mil ( atualizada em Dois mil e sete ), que determina que a dignidade do ser humano é inviolável, devendo ser respeitada e protegida.
A raiz da palavra "dignidade" vem de dignus, que ressalta aquilo que possui honra e importância. Com São Tomás de Aquino ( *10 vide nota de rodapé ), há o reconhecimento da dignidade humana, qualidade inerente a todos os seres humanos, que os separa dos demais seres e objetos. Aquino defende o conceito de que a pessoa é uma substância individual de natureza racional, centro da criação pelo fato de ser imagem e semelhança de Deus. Logo, o intelecto e a semelhança dom Deus geram a dignidade que é inerente ao homem, como espécie.
Para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim, as coisas possuem preço; os indivíduos possuem dignidade ( *11 vide nota de rodapé ). Nesta linha, a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo, com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio, nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados, não possuindo preço. Consequentemente, o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciprocamente respeitá-los.
Assim, a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência ( *12 vide nota de rodapé ). Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente á nacionalidade ( *13 vide nota de rodapé ), opção política ( *5 vide nota de rodapé ), orientação de gênero ( *15 vide nota de rodapé ), credo ( *14 vide nota de rodapé ), etc.
Tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais, a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental, mas não como um direito autônomo ( *16 vide nota de rodapé ). De fato, a dignidade humana é uma categoria jurídica que, por estar na origem de todos os DH, confere-lhes conteúdo ético. Ainda, a dignidade humana dá unidade axiológica a um sistema jurídico, fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer.
Deferentemente do que ocorre com direitos como liberdade ( *17 vide nota de rodapé ), igualdade ( *18 vide nota de rodapé ), entre os outros, a dignidade humana não trata de um aspecto particular da existência, mas sim de uma qualidade inerente a todo ser humano, sendo um valor que identifica o ser humano como tal. Logo, o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto, em permanente processo de desenvolvimento e construção.
Há dois elementos que caracterizam a dignidade humana: o elemento positivo e o elemento negativo. O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo, degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano. Por isto, a própria CF - 88 dispõe que "ninguém será submetido a tortura ( *19 vide nota de rodapé ) nem a tratamento desumano ou degradante" ( Artigo Quinto, Inciso Terceiro ) e ainda determina que " a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" ( Artigo Quinto, Inciso Sessenta e um ).
Já o elemento positivo do conceito de dignidade humana consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas ( * 20 vide nota de rodapé ) de sobrevivência ( * 21 vide nota de rodapé ) a cada ser humano. Neste sentido, a CF - 88 estabelece que a atual ordem econômica tem "por fim assegurar a todos a existência digna" ( Artigo Cento e setenta, Caput ).
Na mesma linha, há aqueles que defendem que o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um "conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade" ( *22 vide nota de rodapé ). para compor este mínimo existencial indispensável à promoção da dignidade humana, é necessário, na lição de Barcellos, levar em consideração a implementação dos direitos à educação ( *23 vide nota de rodapé ) básica, à saúde ( *3 vide nota de rodapé ), à assistência social ( *24 vide nota de rodapé ) e acesso à justiça ( *25 vide nota de rodapé ) ( com a prestação da assistência jurídica gratuita integral - *26 vide nota de rodapé ) ( *22 vide nota de rodapé ). Por sua vez, Maria Celina Bodin de Moraes assinala que o conteúdo da dignidade humana pode ser composto por quatro princípios: igualdade, integridade física, psíquica, liberdade e solidariedade ( * 27 vide nota de rodapé ) ( *28 vide nota de rodapé ). Por fim, Barroso, a dignidade humana é um princípio que pode ser dividido em três componentes:
1) o primeiro consiste no valor intrínseco de cada ser humano, que é único e especial, merecendo proteção;
2) o segundo consiste na autonomia, que permite que cada indivíduo tome decisões que devem ser respeitadas; e
3) o terceiro componente é o valor comunitário, que consiste na interferência estatal e social legítima na fixação dos limites da autonomia ( *29 vide nota de rodapé ).
Existem dois deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana. O dever de respeito que consiste na imposição de limites à ação estatal, ou seja, é a dignidade um limite para a ação dos poderes públicos. Há também o dever de garantia, que consiste no conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento.
P.S.:
Notas de rodapé:
* O direito à dignidade da pessoa humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*2 "Artigo Cento e setenta da CF - 88. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social ( ... )".
*3 A proteção à infância, adolescência e à juventude é melhor contextualizada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ( DUDH ) é melhor detalhada em:
*5 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - PIDCP é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-civis-e-pol%C3%ADticos-no-brasil .
*6 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-civis-e-pol%C3%ADticos-no-brasil .
*7 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*8 Corte Europeia de Direitos Humanos, Pretty vs. Royaume - Uni, julgamento de Vinte e nove de abril de Dois mil e dois, Recueil Dois mil e dois, parágrafo Sessenta e cinco.
*9 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*10 O legado judaico-cristão na construção dos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
*11 Kant, Immanuel. Fundamentaão da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril, v. Vinte e cinco, Mil novecentos e setenta e quatro ( Coleção Os Pensadores ).
*12 Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Dois mil e um, Página Sessenta; Perez Luño, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y constitución. Madrid: Tecnos, Dois mil e um.
*13 O direito à nacionalidade é melhor detalhado em:
*14 A liberdade de culto é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-35 .
*15 A diversidade de gênero entre os participantes da sociedade é melhor detalhado em:
*16 André Ramos Tavares entende que há uma consubstancialidade parcial entre a dignidade humana e determinados direitos, ou seja, uma identidade parcial entre o conteúdo da dignidade e o direitos em questão. Tavares, André Ramos. Princípio da consubstancialidade parcial dos direitos da pessoa humana. Rio de Janeiro: Revista da AJURIS, Volume Trinta e dois, número Noventa e nove, setembro de Dois mil e cinco, Páginas Vinte e dois a trinta e nove.
*17 O direito à liberdade é melhor detalhado em:
*18 A promoção da igualdade é melhor detalhada em:
*19 A lei dos crimes hediondos, como a tortura e outros, é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .
*20 Os direitos essenciais são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-considerados-indispens%C3%A1veis .
*21 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*22 Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, Dois mil e dois, em especial a Página Trezentos e cinco.
*23 O direito à educação é melhor detalhado em:
*24 A contribuição dos defensores dos direitos sociais na construção dos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*25 A garantia do acesso à justiça é melhor detalhado em:
*26 O direito à assistência jurídica integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*27 A solidariedade ou a fraternidade é melhor detalhada em:
*28 Moraes, Maria Celina Bodin de. Conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: Sarlet, Ingo Wolfgang ( Organizador ). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Dois mil e três.
*29 Barroso, Luís Roberto. "Aqui, lá e em todo lugar": a dignidade humana no Direito Contemporâneo e no discurso transnacional, Revista dos Tribunais, ano Cento e um, volume Novecentos e dezenove, maio de Dois mil e doze, Páginas Cento e vinte e sete a Cento e noventa e seis. Conferir também Barroso, Luís, roberto. A dignidade humana á luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Editora Fórum, Dois mil e treze.
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