quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Direitos Humanos: evolução histórica - o surgimento do conceito da universalidade dos DH

O surgimento dos Direitos Humanos ( DH ) está envolvido num histórico complexo no qual pesaram vários fatores:


1) tradição humanista,

2) recepção do direito romano,

3) senso comum da sociedade da Europa na Idade Média,

4) tradição cristã, entre outros ( * vide nota de rodapé )

A evolução histórica e filosófica dos Direitos Humanos: o surgimento da universalidade como característica dos DH. Foto: Ministério das Relações Exteriores 9 MRE ) ( Divulgação ).


É a partir do período axial ( do ano Oitocentos antes de Cristo ao ano Duzentos Antes de Cristo ), ou seja, mesmo antes da existência de Cristo, que o ser humano passou a ser considerado, em sua igualdade ( *2 vide nota de rodapé ) essencial, como um ser dotado de liberdade ( *3 vide nota de rodapé ) e razão. Surgiam assim os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais ( *4 vide nota de rodapé ), porque a ela inerentes. Foi durante este período que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Contudo, foram necessários séculos para que a Organização das Nações Unidas ( ONU ) ( *5 vide nota de rodapé ) , que pode ser considerada a primeira organização internacional a englobar a quase totalidade dos povos do planeta Terra - , proclamasse, na abertura da uma Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *6 vide nota de rodapé ) de Mil novecentos e quarenta e oito, que " todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos " ( *7 vide nota de rodapé ).


Não obstante, a própria base filosófica da temática dos direitos inatos ao homem passou por transformações, da ruptura do naturalismo ( *8 vide nota de rodapé ) e da construção do contratualismo ( *9 vide nota de rodapé ) e do positivismo ( *10 vide nota de rodapé ), com posterior retorno ao jusnaturalismo, agora sob novas perspectivas .


Logo, relevante compreender o que ocorreu em meio a estes séculos que separaram a primeira concepção de direitos inatos ao homem do processo de internacionalização ( *11 vide nota de rodapé ) dos DH .


Antígona e a primeira menção à lei natural


Qual registro filosófico da lei natural foi feito na tragédia Antígona? Como isto influenciou a concepção de DH? Em Antígona, encontra-se o primeiro registro consistente da discussão " direito posto versus direito natural " . Na tragédia, Antígona, uma das filhas do rei Édipo que havia falecido durante o exílio, retorna a tebas, o0nde toma conhecimento da morte de seus irmãos em luta fratricida. Contudo, o rei de Tebas, Creonte, nega que Polinices, o irmão que havia atacado Tebas, ora defendida por Eteócles, tenha o seu corpo enterrado ( *12 vide nota de rodapé ) .


Discordando do pensamento de Creonte, Antígona o confronta e, fundamentada no respeito a um costume sagrado sobre o qual não poderia prevalecer o Decreto do rei, enterra o corpo de Polinices, o que gera revolta de Creonte, que determina ordem reversa. desenterrado o cadáver, Antígona é flagrada novamente tentando enterrá-lo e é levada do rei ( *3 vide nota de rodapé, Páginas Noventa a Noventa e cinco ) .


Neste ponto, destaca-se a manifestação de Antígona que consubstancia as premissas da lei natural, ao ser questionada sobre a ousadia em desobedecer Creonte: " sim, pois não foi decisão de Zeus; e a justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal Decreto entre os humanos; tampouco acredito que tua proclamação tenha legitimidade para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, nunca escritas, porém irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém pode dizer desde quando vigoram! Decretos como o que proclamaste, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem merecer a punição dos deuses! ( ... ) ( *3 vide nota de rodapé, Página Noventa e seis ) .


Hêmon, filho de Creonte que iria desposar Antígonas, também o confronta, questionando se a sua decisão doi acertada, considerada a vontade dos deuses. Contudo, Creonte nega que qualquer rei, divino ou não, tenha mais poder sobre a sua cidade do que ele mesmo ( *3 vide nota de rodapé, Páginas Cento e quatro a Cento e seis ) . Após, Creonte delibera e se arrepende de sua decisão, mas o faz tarde demais: Antígona é executada e Hêmon se suicida, assim como a sua mãe, esposa de Creonte ( *3 vide nota de rodapé, Páginas Cento e dezesseis a Cento e vinte ) .


Na tragédia grega denota-se o debate sobre a validade absoluta ( *13 vide nota de rodapé ) do direito posto ou invalidade em relação ao direito natural, sendo o primeiro posicionamento defendido por Creonte e o segundo posicionamento defendido por Antígona . Logo, desde as raízes da civilização grega se iniciou uma intensa discussão sobre os limites do direitos posto, considerando que existiram normas que repousam no conhecimento comum da humanidade e que devem ser respeitadas acima de tudo. Que é isso senão a essência filosófica dos DH?


Expõe Lafer ( *14 vide nota de rodapé ) sobre o conceito de direito natural: " o direito natural se contrapõe ao direito positivo, localizado no tempo e no espaço, e funciona, neste paradigma, como um ponto de Arquimedes para a análise metajurídica: tem como pressuposto a ideia de imutabilidade de certos princípios, que escapam à história, e a universalidade destes princípios trascendem a geografia. a estes princípios, que são dados e não postos por convenção, os homens têm acesso através da razão comum a todos, e são estes princípios que permitem qualificar as condutas humanas como boas ou más - uma qualificação que promove uma contínua vinculação entre norma e valor e, portanto, entre Direito e Moral " .


O reconhecimento de princípios universais, independentemente de previsões expressas nos ordenamentos jurídicos internos, é a  essência dos DH na contemporaneidade. Claro, há diferenças em comparação com a concepção de direito natural ( por exemplo a historicidade é uma característica reconhecida dos DH, mas do direito natural ), Contudo, o cerne se encontra no reconhecimento de diretrizes universais de forte cunho axiológico, valorativo, que servem de diretiva mas só para o Direito, mas também para o comportamento humano.


Discussão filosófica na polis grega


Como a concepção de justiça aparecia na civilização grega? Do ano Mil e cem ao ano Oitocentos Antes de Cristo, a civilização grega passou por um período denominado Idade das Trevas. A Moral dos gregos deste período tinha vaga ligação com sua religião, ora politeísta, não se considerando um dever de lutar contra o mal e a favor da justiça. contudo, já se espelhava neste momento os rumos que a civilização grega tomaria a seguir ( *15 vide nota de rodapé ) .


Tamanho o estágio de  evolução que a cultura grega atingiu  que faz jus à seguinte  descrição, segundo Burns ( *15 vide nota de rodapé, Página Noventa e um ): " entre todos os povos do mundo antigo, aquele cuja cultura mais claramente exemplificou o espírito do homem ocidental foi o helênico ou grego. Nenhuma dessas nações possuía tamanha dedicação à liberdade, pelo menos para si própria, ou uma crença tão firme na nobreza das realizações humanas. Os gregos glorificavam o homem como a mais importante criatura do universo e recusavam submeter-se às imposições dos sacerdotes ou dos déspotas ou mesmo humilhar-se diante de seus deuses . suas atitudes eram essencialmente laicas e racionalistas. Exaltavam o espírito de livre exame e colocavam o conhecimento acima da fé. Em grande parte, foi devido a essas razões que exaltaram sua cultura ao mais alto nível que o mundo antigo  estava destinado a atingir " .


Por volta do ano Oitocentos Antes de Cristo as comunidades de aldeias começaram a ceder lugar para unidades políticas maiores, surgindo as chamadas cidades-estado ou polis, como Tebas, Esparta e Atenas. inicialmente eram monarquias, transformaram-se em oligarquias e, por volta dos Séculos Cinco e Seis Antes de Cristo tornaram-se democracias ( *15 vide nota de rodapé, Páginas Noventa e quatro e Noventa e cinco ) .


Com a Guerra do Peloponeso ( entre os anos Quatrocentos e trinta eum a Quatrocentos e quatro Antes de Cristo ), entre Atenas e Esparta, acabou a supremacia de Atenas e foi destruída a liberdade em todo o mundo grego. após a morte de Alexandre Magno ( no ano Trezentos e vinte e três Antes de Cristo ), a civilização grega chegou ao fim e cedeu espaço á civilização helenística, uma ruptura brusca, mas que manteve certa  continuidade em alguns aspectos, entre eles o filosófico ( *15 vide nota de rodapé, Páginas Cento e dois a Cento e vinte e cinco ) .


No berço da civilização grega se fortificou a discussão a respeito da existência de uma lei natural inerente a todos os homens. As premissas da concepção de lei natural estão justamente na discussão promovida na Grécia antiga, no espaço da polis. Neste sentido, destaca Assis ( *16 vide nota de rodapé ) que, originalmente, a concepção de lei natural está ligada não só à de natureza, mas também à de diké: a noção de justiça simbolizada a partir da deusa diké é muito ampla e abstrata, mas com a legislação passou a ter um conteúdo palpável, de modo que a justiça deveria corresponder às lei da cidade; entretanto, é preciso considerar que os costumes primitivos trazem o justo por natureza, que pode se contrapor ao justo por convenção ou legislação, devendo prevalecer o primeiro, que se refere ao naturalmente justo, sendo esta a origem da ideia de lei natural .


Os sofistas, seguidores de Sócrates ( que viveu entre os anos Quatrocentos e setenta e Trezentos e noventa e nove Antes de Cristo ), o primeiro grande filósofo grego, questionaram essa concepção de lei natural, pois a lei estabelecida na polis, fruto da vontade dos cidadãos, seria variável  no tempo e no espaço, não havendo que se falar num direito imutável; ao passo que Aristóteles ( que viveu entre os anos Trezentos e oitenta e quatro e Trezentos e vinte e dois Antes de Cristo ), que o sucedeu, estabeleceu uma divisão entre a justiça  positiva e a natural, reconhecendo que a lei posta poderia não ser justa ( *16 vide nota de rodapé, Páginas Trezentos e dezenove a Trezentos e vinte e um ) .


Aristóteles ( *17 vide nota de rodapé ), defensor da lei natural, foi influenciado por um filósofo que costumava elogiar ao traçar este ponto do seu pensamento, qual seria Sófocles, autor de famosas tragédias gregas, entre os quais se destaca a Antígona.


Aristóteles ( *18 vide nota de rodapé ), em Retórica, concorda com a distinção feita por Sófocles: " lei particular é aquela que cada comunidade determina e aplica a seus próprios membros; ela é em parte escrita e em parte não escrita . A lei universal é a lei da natureza. Pois, de fato, há em cada um alguma medida do divino, uma justiça natural e uma injustiça que está associada a todos os homens, mesmo naqueles que não têm associação ou pacto com outro. É esse o exato significado em Antígona, de Sófocles, quando ela diz que o enterro de Polinices foi um ato justo a despeito da proibição, pois entende que foi justo por natureza " .


Como o conceito de direito natural se relaciona ao que pode ou não ser considerado justo, vale estudar como o pensador entendia a justiça. Aristóteles associa a justiça tanto ao homem, enquanto uma virtude, quanto à lei, na condição de um atributo necessário. Por um lado, segundo Aristóteles ( *19 vide nota de rodapé ), a justiça é  uma disposição de caráter que leva as pessoas a agirem de modo justo, a desejarem o justo, bem como a injustiça é uma disposição que leva as pessoas a agirem da maneira contrária. De outro lado, Aristóteles ( *19 vide nota de rodapé, Página Cento e quatro ), parte do pressuposto de que o homem justo é o que cumpre a lei porque esta é justa, tendo em vista que o legislador busca por meio dela o bem comum, ou seja, a felicidade da sociedade política .


Sendo assim, um homem seria injusto sempre que infringisse a lei, a qual necessariamente refletiria o que se espera de um homem virtuoso. Em outras palavras, de acordo com Aristóteles ( *19 vide nota de rodapé , Página Cento e cinco ), a lei determina a prática de atos de um homem corajoso, temperante, calmo, enfim, determina o respeito às virtudes; em consequência, justiça é a virtude completa  em relação ao próximo .


No entanto, o filósofo não nega que pode ser elaborada uma lei que não respeite os ditames das virtudes ou os direitos inerentes ao ser humano. Aristóteles ( *19 vide nota de rodapé, Página Cento e dezessete ) aponta que a justiça política, aquela entre membros da sociedade iguais, é em parte natural e em parte legal: por um lado, a parte natural tem a mesma força em todos os lugares que independe do pensamento do homem; por outro lado, a parte legal é aquela que tem por início algo que n´~ao seria injusto, mas que passa a ser por assim ficar estabelecido pelo legislador; assim, existe uma justiça por natureza e outra por convenção, embora ambas sejam mutáveis. Se a lei posta considera injusto algo que seja justo perante a parte natural doa justiça, não caberá ao homem virtuoso cumpri-la .


Após o pensamento de Aristóteles, relevante  destacar o surgimento do estoicismo, doutrina que se desenvolveu durante Seis séculos desta era, mas que trouxe ideias que prevaleceram durante toda a Idade Média e mesmo além dela. O estoicismo organizou-se em torno de alguns temas centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem ( *20 vide nota de rodapé ), considerado filho de Zeus e possuidor, como consequência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais ( *7 vide nota de rodapé, Página Dezesseis ) .


Logo, o pensamento grego foi seguido pelas correntes filosóficas que o seguiram, como o estoicismo e o cristianismo ( *21 vide nota de rodapé ), o que demonstra que o conceito de lei natural tal  como originalmente concebido continuou fazendo parte do pensamento ocidental até que originasse a concepção contemporânea de DH. Entre outros pensamentos que foram influenciados por tal discussão grega, tem-se o da jovem república romana ( *22 vide nota de rodapé ), como pesadores como Cícero .


Discussão filosófica na jovem república romana


Qual a essência das regras da eterna justiça afirmadas por Cícero ? Antes que houvesse declinado o esplendor grego, a civilização romana começou a se desenvolver no Ocidente. Aos tempos das conquistas de Alexandre, tal civilização já possuía força na península italiana. Durante cinco séculos cresceu o poder romano e, ao fim do Século Primeiro Antes de Cristo, Roma impôs seu domínio sob o mundo helenístico ( *15 vide nota de rodapé, Página Cento e trinta e nove ) .


Em fins do Século Seis Antes de Cristo, a monarquia foi derrubada e substituída por uma jovem república. Contudo, por mais de Dois séculos após sua fundação, a história romana foi de constantes guerras. Na jovem república, as mudanças políticas pouco alteraram a estrutura da monarquia. As classes dividiam-se entre patrícios e plebeus, os quais disputavam espaço, sendo que no Século Cinco Antes de Cristo, os plebeus conseguiram suas primeiras vitórias, culminando uma delas na edição da Lei ds Doze Tábuas. Assim, no início da república, não se abandonou o princípio de que o povo deveria ser governado , não governar ( *15 vide nota de rodapé, Páginas Cento e quarenta e dois a Cento e quarenta e quatro ) .


Contudo, nos últimos Dois séculos de história republicana, Roma foi influenciada pela civilização helenística. Na filosofia ocorreu o mesmo: Cícero, pai da eloquência romana e filósofo escolhido para estudo no presente texto, foi muito influenciado pelos estoicos, embora também assimilasse muitas das ideias de Aristóteles ( *15 vide nota de rodapé, Páginas Cento e cinquenta e um a Cento e cinquenta e dois ) .


O filósofo foi um dos principais responsáveis pela discussão sobre a diferença entre o lícito moral e o lícito jurídico, entendendo caber ao homem bom e justo desrespeitar leis postas que contrariem a justiça universal. Esta é a base do conceito romano de lei natural, bem percebido na seguinte assertiva de Cícero ( *23 vide nota de rodapé ): " a razão reta, conforme á natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandados, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica importante ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, uma antes e outra depois, mas uma, sempiterna e imutável, entre todos os povos em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação, embora tenha conseguido evitar todos os outros suplícios " .


Em outras palavras, caso um homem virtuoso se confronte com uma lei que contraria tais ditames, segundo Cícero ( *23 vide nota de rodapé, Página Noventa e cinco ), " nem por isso deve deixar de seguir e observar as regras da eterna justiça, em lugar das de uma justiça convencional, posto que dar a cada um seu direito é próprio do homem bom e justo " . Neste ponto, percebe-se uma ligação entre a virtude, que é inerente à Moral, e a justiça, ligada ao Direito, a qual se mostra essencial para os fundamentos do direito natural: caberá ao homem virtuoso descumprir a lei posta que contrarie os ditames da justiça.


O período da república, no qual se desenvolveu o pensamento do filósofo, se encerrou por volta do ano Vinte e sete Depois de Cristo, cedendo lugar ao principado ou período inicial  do Império ( entre os ano Vinte e sete e o ano Cento e oitenta Depois de Cristo ) e, posteriormente, á época das revoltas ( entre o ano Cento e oitenta ao ano Duzentos e oitenta e quatro Depois de Cristo ) e período final do império ( entre o ano Duzentos e oitenta e quatro e o ano Seiscentos e dez Depois de Cristo ) ( *15 vide nota de rodapé, páginas Cento e cinquenta e quatro a Cento e cinquenta e cinco ) .


Ressalta-se que, durante o principado, o direito romano alcançou um alto grau de desenvolvimento, adotando a tripartição direito civil ( jus civil ), direitos das gentes ( jus gentium ) e direito natural ( jus naturale ), sendo o último o mais interessante, baseado no ideário estoico  e, principalmente, no pensamento de Cícero. isto demonstra que muitos dos conceitos semeados nas civilizações anteriores e no período da república romana se mantiveram no arcabouço teórico de toda a civilização romana .


Discussão filosófica na Idade Média


Há influência do cristianismo nos DH? Ademais, lei divina, lei natural e lei humana se associam em que termos na filosofia de Santo Tomás de Aquino? Dois fatores foram responsáveis pela queda do Império Romano:


1) um fator interno, o cristianismo, e

2) um fator externo, correspondente á força dos bárbaros germânicos.


Ao contrário do que alguns acreditam do que alguns acreditam, o povo germânico não era selvagem e nem desprovido de polidez, podendo competir no mesmo patamar que o romano ( *15 vide nota de rodapé, Página Cento e setenta e dois ) : " a princípio, o cristianismo era penas uma dentre várias manifestações da tendência geral no sentido do espiritualismo, mas no Século Quatro foi adotado como a religião oficial de Roma, e a partir de então tornou-se uma das maiores forças que plasmaram o desenvolvimento do Ocidente. enquanto o cristianismo se propagava, o Império Romano estava indubitavelmente declinando " .


O pensamento desenvolvido por pensadores como São Gerônimo ( que viveu do ano Trezentos e quarenta ao ano Quatrocentos e vinte Depois de Cristo ) durante o período de declínio do Império Romano do Ocidente, consistente num conjunto de ideias em relação ao mundo e a Deus, veio a influenciar o ideário do Ocidente por aproximadamente Oitocentos anos ( *15 vide nota de rodapé, Páginas Cento e noventa a Cento e noventa e um ) . Então, estes arcabouços teóricos iniciais foram profundamente utilizados durante a chamada Idade Média, que teve como marco uma acentuada tend~encia para o cristianismo .


Tendo em vista que durante toda a Idade Média o ideário filosófico, ora baseado na religião, foi um denominador comum, seria contraproducente adentrar em todos os diversos acontecimentos que cercaram o período, bastando estudar algumas das concepções religiosas que cercaram o reforço do conceito de lei natural, notadamente com base no ideário de São Tomás de Aquino.


Com efeito, entendeu Aquino ( *24 vide nota de rodapé ) que a lei é um dos modos pelos quais Deus instrui os homens para alcançarem o bem. Como a lei pertence á razão, e esta busca um fim último formado pela bem-aventurança e pela felicidade, para Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e vinte e quatro ) a lei também visa à bem aventurança e à felicidade, mas voltadas ao bem comum .


Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e vinte e nove ), supondo que o mundo e toda a comunidade do universo são regidos pela razão divina e que a própria razão do governo das coisas em Deus fundamenta-se em lei, entendeu que existe uma lei eterna ou divina, pois a razão nada concebe no tempo e é sempre eterna. Com base nisso, Aquino ( *24 vide nota de rodapé,  Página Quinhentos e trinta e um ) chamou de lei natural " a participação da lei eterna na lei racional " .


Assim, para o filósofo, existem tipos de lei: a lei eterna ou divina, a lei natural e a lei humana, todas elas com elementos conexos .


Quanto à lei eterna, explicou Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e quarenta e sete ): " a lei eterna nada é senão a razão da divina sabedoria, segundo é diretiva de todos os atos e movimentos " . Nesta linha, prosseguiu Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e quarenta e nove ): " ninguém pode conhecer a lei eterna segundo é em si mesma, a não ser os bem-aventurados, que veem a essência de Deus. Mas, toda criatura racional conhece-a segundo uma irradiação dela, ou maior ou menor " . Este conhecimento mínimo, segundo Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e cinquenta ), existe porque  todo conhecimento da verdade é uma irradiação da lei eterna, que é a verdade imutável, e todos conhecem um pouco da verdade .


A lei eterna existe em um plano superior e serve de diretriz para as leis que se estabelecem no plano humano, quais sejam a lei natural e a lei humana. Não obstante, o fato de não se a lei eterna ou divina conhecida de modo absoluto não impede a sua influência nas leis natural e humana, porque estas serão mais adequadas o possível á lei divina, segundo o conhecimento humano existente, que evolui através dos tempos .


Sobre o conteúdo da lei natural, definiu Aquino ( 24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e sessenta e dois ) que " todas aquelas coisas que devem ser feitas ou evitadas pertencem aos preceitos da lei de natureza, que a razão prática naturalmente apreende ser bens humanos " . Logo, a lei natural determina o agir virtuoso, o que se espera do homem em sociedade, independentemente da lei humana .


Conforme Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e sessenta e dois ), a ordem das inclinações naturais estabelece a ordem dos preceitos das leis da natureza, de modo que pertencem à lei natural as coisas que dizem respeito à inclinação para o bem, ou seja, para a procura de obras desejadas como fim, por exemplo, que o homem evite a ignorância e não ofenda outros homens.


Em relação á mutabilidade da lei natural, Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página quinhentos e sessenta e nove ): " pode-se entender que a lei natural muda, de dois modos. De um modo, por algo que se lhe acrescenta. E dessa maneira nada proíbe que a lei natural seja mudada: muitas coisas, com efeito, foram acrescentadas à lei natural, úteis para a vida humana, tanto pela lei divina, quanto também pelas leis humanas. De outro modo, entende-se a mudança da lei natural a modo de subtração, a saber, de modo que deixe de ser lei natural algo que antes fora segundo a lei natural. E assim quanto aos primeiros princípios da lei da natureza, a lei da natureza é totalmente mutável " .


Sob um enfoque jurídico, aplicando o pensamento do filósofo, é possível dizer que novos direitos naturais podem surgir conforme a evolução da sociedade, mas que não é possível extinguir direitos anteriores e sem, no  máximo, compreendê-los de uma forma melhor para o homem. Assim, alguns direitos naturais anteriores poderão sofrer  restrições com o surgimento de outros direitos naturais .


Com efeito, compreende Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página Quinhentos e setenta e seis ), não é lei aquela que não for justa, reta segundo a regra da razão; e não deve ser considerada como lei, mas como corrupção da lei, a lei humana que discorda da lei natural, eis que a primeira regra da razão é a lei da natureza .


Segundo Aquino ( *24 vide nota de rodapé, Página quinhentos e setenta e nove ), são qualidade da lei positiva: ser congruente com a religião, ou seja, ser honesta, enquanto proporcional ( *25 vide nota de rodapé ) à lei divina; convir à disciplina, isto é, ser justa e possível segundo a natureza, os costumes ( *26 vide nota de rodapé ), o lugar ( *27 vide nota de rodapé ) e o tempo ( *28 vide nota de rodapé ), bem como adequada às possibilidades ( *29 vide nota de rodapé ) de cada um; ser suficiente para a salvação .


Até  aqui, percebe-se que o pensador defendeu a necessária compatibilidade entre a lei natural e a lei humana - sob pena de invalidade da última - , definindo a lei natural como o reflexo da lei eterna na lei racional . Ainda, o filósofo aproxima a Moral do Direito ao defender que a mesma lei natural que deve repercutir na lei humana é a responsável por prescrever as ações esperadas do homem virtuoso.


Com a concepção medieval de pessoa humana é que se iniciou um processo de elaboração em relação ao princípio da igualdade de todos, independentemente das diferenças existentes, seja de ordem biológica ( *30 vide nota de rodapé ), seja de ordem cultural ( *31 vide nota de rodapé ) . Foi assim, então, que surgiu o conceito universal de DH, com base na igualdade essencial da pessoa ( *43 vide nota de rodapé, Página Vinte ) .                   


P.S.:


Notas de rodapé:


* Costa, Paulo Sérgio Weyl A. Direitos Humanos e Crítica Moderna. Revista Jurídica Consulex . São Paulo, ano Treze, número Trezentos, Páginas Vinte e sete a Vinte e nove, julho de Dois mil e nove, Página Vinte e oito . Com efeito, são muitos os elementos relevantes para a formação do conceito de DH tal qual perceptível na atualidade, de forma que é difícil estabelecer um histórico linear do processo de formação destes DH. Entretanto, é possível apontar alguns fatores históricos e filosóficos diretamente ligados à construção de uma concepção contemporânea de DH.


*2 O princípio da igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_7.html .


*3 O direito ao deslocamento, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/06/direitos-humanos-o-direito-ao.html .


*4 A universalidade como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-universalidade-e.html .


*5 A Carta da Organização das Nações Unidas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-manutencao-de-paz-e.html .


*6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também conhecida como Declaração de Paris, é melhor detalhada em: https://www.administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-onu-declara-liberdade-e-igualdade-em-dignidade-e-direitos .


*7 Comparato, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. Terceira edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e quatro, Páginas Onze e Doze .


*8 O jusnaturalismo, como fundamento dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-jusnaturalismo-como.html .


*9 O contratualismo, como fundamento dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-teoria-geral-dos-dh.html .


*10 O positivismo como fundamento dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-positivismo.html .


*11 A internacionalização dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-universalidade-e.html .


*12 Sófocles, Édipo rei / Antígona. São Paulo: Martins Claret, Dois mil e três, Páginas oitenta e três a oitenta e quatro .


*13 O relativismo, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/07/direitos-humanos-caracteristicas.html .


*14 Lafer, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, dois mil e nove, Página Dezesseis .


*15 Burns,  Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. Quadragésima-primeira edição. Atualização: Robert E. Lerner e Stantish Meacham. São Paulo: Globo, Dois mil e um, Volume Primeiro, Páginas Noventa e um a Noventa e quatro .


*16 Assis, Olney Queiroz. O estoicismo e o Direito: justiça, liberdade e poder. São Paulo: Lúmen, Dois mil e dois, Páginas Trezentos e onze a trezentos e quatorze .


*17 Aristóteles ( que viveu entre os anos Trezentos e oitenta e quatro a Trezentos e vinte e dois Antes de Cristo )  , que nasceu em Estagira, entrou na academia de Platão aos Dezessete anos de idade, permanecendo seu discípulo por Vinte anos. Contudo, escreveu mais intensamente que Platão e abordou maior variedade de assuntos. Além disso, fugiu em muitos pontos das ideias defendidas por Platão e, antes mesmo, por Sócrates .


*18 Aristóteles. Retórica. São Paulo: Rideel, Dois mil e sete, Página Sessenta e nove.


*19 Aristóteles. Ética a Nicômano. Página Cento e três.


*20 O princípio da dignidade da pessoa humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .


*21 O legado judaico-cristão, na construção dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-o-legado-judaico.html .


*22 A contribuição do direito romano, na construção dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-contribuicao-do.html .


*23 Cícero, marco Túlio. Da República. Rio de Janeiro: Ediouro, Mil novecentos e noventa e cinco, Página Cem .


*24 Aquino, São Tomás de. Suma teológica. Direção Gabriel C. Galache e Fidel Garcia Rodriguez. coordenação Geral Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira. Edição Joaquim Pereira. São Paulo: Loyola, Dois mil e cinco, Volume Quarto, Parte Segunda, Seção Primeira, questões Quarenta e nove a Cento e quatorze, Página Quinhentos e vinte e dois .


*25 O princípio da proporcionalidade, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-principio-da_31.html .    


*26 Os costumes, ou direito consuetudinário, no contexto dos Direitos Humanos, são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-imprescritibilidade.html .


*27 A territorialidade, no contexto dos Direitos Humanos, é  melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/08/direitos-humanos-direito-nacionalidade.html .


*28 A imprescritibilidade, como característica dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-imprescritibilidade.html .


*29 A primazia do possível, como uma das características do Direito, também é extensiva aos Direitos Humanos.


*30 O direito à igualdade, independentemente das diferenças biológicas, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-aplicacao-do-direito.html .


*31 O direito à diversidade cultural, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-diversidade-das.html .

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