segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Direitos Humanos: a contribuição do liberalismo e das declarações de direitos

As revoluções liberais ( * vide nota de rodapé ), inglesa, americana e francesa, e suas respectivas Declarações de Direitos ( *2 vide nota de rodapé ) marcaram a primeira clara afirmação histórica dos Direitos Humanos ( DH ).


A chamada "Revolução Inglesa" foi a mais precoce, pois tem como marcos a Pettition of Rights, de Mil seiscentos e vinte e oito e Bill of Rights, de Mil seiscentos e oitenta e nove ( *2 vide nota de rodapé ), que consagraram a supremacia do Parlamento e o império da lei ( *3 vide nota de rodapé ).


Por sua vez, a "Revolução Americana" retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, culminado em Mil setecentos e setenta e seis, e a criação da primeira Constituição do mundo, a Constituição norte-americana, sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes, o que legitimou a emancipação.


Neste sentido, foi editada a "Declaração do Bom Povo de Virgínia" ( *4 vide nota de rodapé ) em Doze de junho de Mil setecentos e setenta e seis ( pouco menos de um mês da declaração de independência, em Quatro de julho ): composta por Dezoito Artigos, que contém afirmações típicas da promoção de DH com viés jusnaturalista, como por exemplo, "todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes" ( Artigo Primeiro ) e ainda "todo poder é inerente ao povo, e consequentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis" ( Artigo Segundo ). A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América ( EUA ) de Quatro de julho de Mil setecentos e setenta e seis ( escrita em grande parte por Thomas Jefferson ) estipulou, já no seu início, que "todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida ( *5 vide nota de rodapé ), à Liberdade ( *6 vide nota de rodapé ) e a busca da Felicidade. Que para garantir estes Direitos, são instituídos Governos entre os Homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados", marcando o direito político de autodeterminação dos seres humanos, governados a partir de sua livre escolha.


Curiosamente, a Constituição norte-americana de Mil setecentos e oitenta e sete não possuía um rol de direitos, uma vez que vários representantes na Convenção de Filadélfia ( que editou a Constituição ) temiam introduzir DH em uma Constituição que organizaria a esfera federal, o que permitiria a consequente federalização de várias facetas da vida social. Somente em Mil setecentos e noventa e um, este receio foi afastado e foram aprovadas as dez emendas que, finalmente, introduziram um rol de direitos na Constituição norte-americana ( *7 vide nota de rodapé ).


Já a "Revolução Francesa" gerou um marco para a proteção de DH no plano nacional: a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão ( *2 vide nota de rodapé ), adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em Vinte e sete de agosto de Mil setecentos e oitenta e nove. A Declaração Francesa é fruto de um giro copernicano nas relações sociais na França e, logo depois, em vários países. O Estado francês pré-Revolução era ineficiente, caro e incapaz de organizar minimamente a economia de modo a atender as necessidades de uma população cada vez maior. As elites religiosas e da nobreza também se mostraram insensíveis a qualquer alteração do status quo capitaneada pela monarquia. Este impasse político na cúpula para a ruptura, que se iniciou na autoproclamação de uma "Assembleia Nacional Constituinte", em junho de Mil setecentos e oitenta e nove, pelos representantes dos Estados Gerais ( instituição representativa dos três estamentos da França pré-Revolução: nobreza, clero e um "terceiro estado" que aglomerava a grande e pequena burguesia, bem como a camada urbana sem posses ). Em Doze de junho de Mil setecentos e oitenta e nove, iniciaram-se os motins populares em Paris ( capital da França ), que culminaram, em quatorze de julho de Mil setecentos e oitenta e nove, na tomada da Bastilha ( prisão quase desativada ), cuja queda é, até hoje, o símbolo maior da Revolução Francesa.


Em Vinte e sete de agosto de Mil setecentos e oitenta e nove, a Assembleia Nacional Constituinte adotou a "Declaração Francesa dos Direitos do Homem e dos Povos", que consagrou a igualdade ( *8 vide nota de rodapé ) e liberdade ( *6 vide nota de rodapé ) como direitos inatos a todos os indivíduos. O impacto na época foi imenso: aboliram-se privilégios, direitos feudais e imunidades de várias castas, em especial da aristocracia de terras. O lema dos então revolucionários era de clareza evidente: "liberdade, igualdade e fraternidade ( *9 vide nota de rodapé )" ( liberté, egalité et fraternité ).


A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamou os DH a partir de uma premissa que permeará os diplomas futuros: todos os homens nascem livres e com direitos iguais. Há uma clara influência jusnaturalista, pois, já no seu início, a Declaração menciona "os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem". São apenas dezessete artigos, que acabaram sendo adotados como preâmbulo da Constituição francesa de Mil setecentos e noventa e um ( *10 vide nota de rodapé ) e que condensam várias ideias depois esmiuçadas pelas Constituições e tratados de DH posteriores, como, por exemplo: soberania popular, sistema de governo representativo, igualdade de todos perante a lei, presunção de inocência ( *11 vide nota de rodapé ), direito à propriedade ( *12 vide nota de rodapé ), à segurança ( *13 vide nota de rodapé ), liberdade de consciência ( *14 vide nota de rodapé ), de opinião ( *15 vide nota de rodapé ), bem como o dever do Estado Constitucional de garantir os DH. Este dever de garantia ficou expresso no sempre lembrado Artigo Dezesseis da referida Declaração, que dispõe: "Toda sociedade onde a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição".


Também é importante marco para o desenvolvimento futuro dos DH o projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Mil setecentos e noventa e um, proposto por Olympe de Gouges, que reivindicou a igualdade de direitos de gênero. Ainda em Mil setecentos e noventa e um foi editada a primeira Constituição da França revolucionária, que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês, implantando-se uma monarquia constitucional, mas, ao mesmo tempo, reconheceu o voto censitário ( não universal ). Em Mil setecentos e noventa e um, o Rei Luís Dezesseis tentou fugir para reunir-se a monarquias absolutistas que já ensaiavam intervir no processo revolucionário francês. Após a invasão da França e derrota dos exércitos austro-prussianos ( atual Alemanha ), os revolucionários franceses decidem executar o Rei Luís Dezesseis e sua mulher, a Rainha Antonieta ( em Mil setecentos e noventa e três ).


Este contexto de constante luta dos revolucionários com os exércitos das monarquias absolutistas europeias impulsionou a Revolução Francesa para além das fronteiras daquele país, uma vez que os revolucionários temiam que as intervenções estrangeiras não cessariam até a derrota dos demais Estados autocráticos. Este desejo de espalhar os ideais revolucionários distinguiu a Revolução Francesa das anteriores revoluções liberais ( inglesa e americana, mais interessadas na organização da sociedade local ), o que consagrou a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão como sendo a primeira com vocação universal.


Este universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos DH no Século Vinte, com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos ( DUDH ) ( *16 vide nota de rodapé ).


Quadro sinótico


A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos


1) As revoluções liberais, inglesa, americana e francesa, e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira afirmação histórica dos DH.

2) "Revolução Inglesa": teve como marcos a Petition of Rights, de Mil seiscentos e vinte e oito, que buscou garantir determinadas liberdades individuais, e o Bill of Rights, de Mil seiscentos e oitenta e nove, que consagrou a supremacia doa Parlamento e império da lei.

3) "Revolução Americana": retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, culminado em Mil setecentos e setenta e seis, e ainda a criação da Constituição norte-americana de Mil setecentos e oitenta e sete. Somente em Mil setecentos e noventa e um foram aprovadas Dez Emendas que, finalmente, introduziram um rol de direitos na Constituição norte-americana.

4) "Revolução Frances": adoção da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional Constituinte francesa, em Vinte e sete de agosto de Mil setecentos e oitenta e nove, que consagra a igualdade e liberdade, que levou à abolição de privilégios, direitos feudais e imunidades de várias castas, em especial da aristocracia de terras. Lema dos revolucionários: "liberdade, igualdade e fraternidade ( "liberté, egalité et frataernité ).

5) Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã: de Mil setecentos e noventa e um, proposto por Olympe de Gouges, reivindicou a igualdade de direitos de gênero.

6) Mil setecentos e noventa e um: edição da primeira Constituição da França revolucionária, que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês, implantando-se uma monarquia constitucional, mas, ao mesmo tempo, reconheceu o voto censitário ( não-universal ).

7) Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão consagra como sendo a primeira com vocação universal. Este universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos DH no Século Vinte, com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos.   


P.S.:


Notas de rodapé:

* Os impactos da ideologia liberal sobre os Direitos Humanos são melhor detalhados em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-desafios-dos-defensores-de-dh-na-pol%C3%ADtica-liberal-democr%C3%A1tica-1 .

*2 As declarações inglesa, americana e francesa de Direitos são melhor detalhadas em:


a) https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-declara%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-de-1689 ;

b) https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-declara%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-dos-eua-de-1791 e

c) https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-declara%C3%A7%C3%B5es-transcendentes-universalistas-e-amb%C3%ADguas .


*3 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


*4 A Declaração de Virgínia de Mil setecentos e setenta e seis é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-declara%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-de-virg%C3%ADnia-de-1776 .


*5 O direito à vida é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .

*6 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .

*7 A declaração de direitos dos EUA de Mil setecentos e noventa e um é melhora detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-declara%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-dos-eua-de-1791 .

*8 O direito à igualdade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-plano-de-promo%C3%A7%C3%A3o-da-igualdade-racial .

*9 A fraternidade é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-fraternidade-como-uma-evolu%C3%A7%C3%A3o-e-ao-mesmo-um-decl%C3%ADnio-dos-dh .

*10 A Constituição francesa de Mil setecentos e noventa e um é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-constitui%C3%A7%C3%A3o-francesa-de-1791 .

*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .

*12 O direito à propriedade é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .

*13 A criminalidade como consequência das violações de DH é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-a-criminalidade-e-as-viola%C3%A7%C3%B5es .

*14 A liberdade de consciência é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-prote%C3%A7%C3%A3o-da-liberdade-de-consci%C3%AAncia .

*15 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .

*16 A Declaração Universal dos Direitos Humanos é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-manuten%C3%A7%C3%A3o-de-paz-e-seguran%C3%A7a-no-mundo .

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-do-liberalismo-e-das-declara%C3%A7%C3%B5es-de-direitos .

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