A teoria externa adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior, oriundos de outros direitos ( * vide nota de rodapé ). Esta teoria visa à superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos Direitos Humanos ( DH ) em colisão ( *2 vide nota de rodapé ) em dois momentos.
No primeiro momento, delimita-se o direito prima facie envolvido, ou seja, identifica-se o direito que incide aparentemente sobre a situação fática. Neste primeiro instante, o intérprete ( *3 vide nota de rodapé ) aprecia se a situação em análise encaixa-se em um conteúdo prima face ( aparente ) de um determinado direito. Para tanto, o intérprete usa provisoriamente o direito de acordo com a literalidade do dispositivo, inclusive com as exceções previstas expressamente no texto da norma ( por exemplo, ao se identificar o direito de reunião - *4 vide nota de rodapé - , o parecia de acordo com as limitações expressas do texto da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito - CF - 88 - : "Inciso Dezesseis - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso á autoridade competente" ).
Caso a situação fática se amolde no texto prima facie do direito, o intérprete deve, em um segundo momento, investigar se há limites justificáveis impostos por outros direitos, de modo a impedir que o direito aparente ( ou direito prima facie ) seja considerado um direito definitivo.
Assim, há um procedimento de interpretação bifásico da teoria externa: os direitos inicialmente protegidos ( direitos prima facie ) são identificados, mas só serão efetivamente aplicados sobre a situação fática, caso não exista uma restrição justificável criada externamente por outro direito. Há uma compreensão do direito prima facie por parte dos demais direitos, gerando sua delimitação definitiva.
A justificação - ou não - da delimitação da ação do direito prima facie será feita pelo critério da proporcionalidade, que fundamenta racionalmente as restrições impostas. No mesmo exemplo de gritar falsamente "fogo" em uma sala de cinema lotada, a teoria externa desenvolve o seguinte raciocínio bifásico: em primeiro lugar, identifica o direito prima facie envolvido, que é a liberdade de expressão de algo; em segundo lugar, verifica-se se há limite externo, fruto da existência de outro direitos e bens constitucionalmente protegidos ( que representam, no limite, direitos de terceiros ), o que, no caso, resulta na identificação do direito à integridade física ( * 5 vide nota de rodapé ) e à vida ( *6 vide nota de rodapé ) daqueles que serão feridos ou mortos no pânico. Na ponderação em sentido amplo dos diversos direitos envolvidos, a limitação à liberdade de expressão ( *7 vide nota de rodapé ) é perfeitamente justificável, graças ao critério da proporcionalidade.
Também cabe mencionar que as duas teorias ( interna - *12 vide nota de rodapé - e externa ) poderia resultar na mesma conclusão, como se viu no exemplo do cinema, em especial em casos de casos caricatos e simples, como o apresentado. São nos chamados casos difíceis ( hard cases ), ou seja, casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa, contendo valores morais ( *8 vide nota de rodapé ) contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução, que a insuficiência da teoria interna se apresenta, levando a inúmeros precedentes judiciais a utilizarem a teoria externa em casos envolvendo, por exemplo, o conflito referente ao direito à integridade física do suposto pai e ao direito à identificação da criança ( *9 vide nota de rodapé ) ( que, assim, exige a realização do exame de DNA, que dá a certeza pretendida ), revela que é difícil o intérprete concluir pelo "conteúdo verdadeiro" do direito. Sarmento sustenta que nos casos difíceis o intérprete que optar pela teoria interna fará, antes, uma ponderação camuflada ou escamoteada, para depois expor um conteúdo verdadeiro do direito delimitado. Adotar a teoria externa nos casos difíceis resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete ( *10 vide nota de rodapé ).
O critério da proporcionalidade, então, é chave mestra da teoria externa, pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastá-lo da regência de determinada situação fática.
A principal crítica contra a teoria externa é que esta impulsiona uma inflação de conflitos sujeitos ao Poder Judiciário, resultando em aumento da imprevisibilidade e insegurança jurídica sem maior controle da decisão ( a depender da ponderação ), bem como maior déficit democrático, uma vez que o Poder Judiciário ditaria a última interpretação.
A resposta à crítica está no reconhecimento da inevitabilidade dos conflitos de DH, que são oriundos da própria redação do catálogo de direitos que conta na CF - 88 e dos tratados de DH. Esta redação é repleta de conceitos indeterminados e com valores morais contrastantes e polêmicos oriundos das sociedades plurais e complexas. No caso brasileiro, os valores contrastante estão na própria CF - 88 ( compromissária ), que adotou a proteção de direitos dos mais diversos matizes. Não é possível esconder os dilemas que assolam os casos de DH, apelando para os limites internos de um direito, que são igualmente difíceis de serem descritos sem recair no decisionismo. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) adotou em vários precedentes a teoria externa para solucionar choques de direitos, como se vê no voto do Ministro Gilmar Mendes: "Há referência na concepção constitucional presente, que prevê a ampla defesa ( Artigo Quarenta, CF - 88 ), sopesada com a garantia de uma razoável duração do processo ( Artigo Quinto, Inciso Setenta e oito, redação da Emenda Constitucional número Quarenta e cinco, de Oito de dezembro de Dois mil e quatro ). É com base na ponderação entre os dois valores acima identificados que a decisão de primeira instância admitia que uma mera conta de "apelo" seria suficiente para devolver a Juízo superior a matéria discutida. A presunção não se concretizou, na medida em que não se admitiu que a cota "apelo" fosse suficiente para instrumentalizar as razões de recurso, em prejuízo da autarquia, e da autoridade da decisão desafiada" ( Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Quinhentos e vinte e nove mil setecentos e trinta e trinta e três, voto do relator Ministro Gilmar Mendes, julgada em Dezessete de outubro de de Dois mil e seis, Segunda Turma, Diário da Justiça de Primeiro de Dezembro de dois mil e seis ). Ou ainda no voto da Ministra Cármen Lúcia, que "a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado ( *11 vide nota de rodapé ) e, especificamente, os princípios que se expressam nos Artigos Cento e setenta, Incisos Primeiro e Sexto, e seu Parágrafo Único, Artigos Cento e noventa e seis e Duzentos e finte e cinco, todos da CF - 88" ( Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF - número Cento e um, relator Ministra Cármen Lúcia, julgada em Onze de março de Dois mil e nove, Plenário, Informativo número Quinhentos e trinta e oito ). Finalmente, a Ministra Ellen Gracie sustentou a legitimidade da imposição de condições judiciais ( alternativas á prisão processual ), uma vez que "não há direito absoluto à liberdade de ir e vir ( CF - 88, Artigo Quinto, Inciso Quinze ) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto" ( Habeas Corpus número Noventa e quatro mil cento e quarenta e sete, relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em Vinte e sete de maio de Dois mil e oito, Segunda Turma, Diário da Justiça eletrônico de Treze de junho de Dois mil e oito ).
Próxima também desta teoria externa está a posição de Hesse, para quem os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática. A concordância prática defende que os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si, gerando uma compatibilidade da aplicação destas normas jurídicas de idêntica hierarquia, mesmo que, no caso concreto, seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos. A concordância prática exigirá do aplicador que tome em consideração os direitos envolvidos, tanto para complementação como para modificação recíproca. Para se chegar a tal resultado, faz-se um juízo de ponderação para que se chegue à atuação harmonizada, podendo ocasionar restrições a um dos direitos envolvidos. O STF possui vários precedentes de uso da posição de Hesse, como se vê: "O sigilo bancário, como dimensão dos direitos à privacidade ( Artigo Quinto, Inciso Décimo, da CF - 88 ) e ao sigilo de dados ( Artigo Quinto, Inciso Doze, da CF - 88 ), é direito fundamental sob reserva legal, podendo ser quebrado no caso previsto no Artigo Quinto, Inciso Doze, in fine, ou quando colidir com outro direito albergado na CF - 88. Neste último caso, a solução do impasse, mediante a formulação de um juízo de concordância prática, há de ser estabelecida através da devida ponderação dos bens e valores, in concreto, de modo a que se identifique uma 'relação específica de prevalência entre eles" ( Recurso Extraordinário número Quatrocentos e setenta e seis mil trezentos e sessenta e um / Santa Catarina, relator Ministro Dias Toffoli, julgado em Dezoito de abril de Dois mil e onze, publicado em Vinte e oito de abril de Dois mil e onze ).
P.S.:
Notas de rodapé:
* Também denominada "pensamento de intervenção e limites ( Novais, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, Dois mil e três, Página Duzentos e noventa e dois.
*2 A colisão entre os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*3 A interpretação dos Direitos Humanos conforme os demais DH e melhor detalhada em:
*4 O direito de reunião, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .
*5 O direito à integridade física, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*6 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*7 O direito à liberdade de expressão e a vedação da censura prévia são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-39 .
*8 Os valores morais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*9 O direito á identidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado, exemplificado e contextualizado em:
*10 Sarmento, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, Dois mil, em especial Página Duzentos e cinquenta e nove.
*11 O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado e contextualizado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*12 A delimitação dos Direitos Humanos com base na teoria interna é melhor detalhada em:
Mais em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário