Resumo
Todos aprendem, desde muito cedo, a desmembrar os problemas, a fragmentar o mundo. Aparentemente, isto torna tarefas e assuntos complexos mais administráveis, mas, em troca, paga-se um preço oculto relativamente alto. Não se consegue mais perceber as consequências das ações; perde-se a noção intrínseca de conexão com o todo. Quando se quer divisar o quadro geral, tenta-se montar os fragmentos na mente, listar e organizar todas as peças. Mas como diz o físico David Bohm, a tarefa é inglória - é como tentar montar os fragmentos de um espelho quebrado para enxergar um reflexo verdadeiro. Depois de algum tempo, acaba-se desistindo de ver o todo.
Introdução
As ferramentas e ideias apresentadas neste texto servem para acabar com a ilusão de que o mundo é feito de forças separadas, sem relação entre si. Quando se desiste desta ilusão, pode-se construir as organizações que aprendem, organizações nas quais as pessoas expandem continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, onde se estimulam padrões de pensamento novos e abrangentes, a aspiração coletiva ganha liberdade e onde as pessoas aprendem continuamente a aprender juntas.
Como publicou recentemente a revista Fortune:
- Esqueça suas antigas ideias sobre liderança. A empresa mais bem-sucedida na década de noventa será a organização que aprende.
- A capacidade de aprender mais rápido do que seus concorrentes - disse Arie de Geus, ex-vice presidente de planejamento da Royal Dutch / Shell, - pode ser a única vantagem competitiva sustentável.
À medida que o mundo torna-se mais interligado e os negócios mais complexos e dinâmicos, o trabalho precisa ligar-se em profundidade à aprendizagem. Não basta mais ter uma única pessoa aprendendo pela empresa, um Ford, um Sloan ou um Watson. Simplesmente não é mais possível encontrar soluções na alta gerência e fazer com que todos os outros sigam as ordens do grande estrategista. As organizações que realmente terão sucesso no futuro serão aquelas que descobrirem como cultivar nas pessoas o comprometimento e a capacidade de aprender em todos os níveis da organização.
As organizações que aprendem são possíveis porque, no fundo, todos são aprendizes. Não é preciso ensinar uma criança a aprender. Na verdade, não é preciso ensinar algo à crianças. Elas são intrinsecamente curiosas, excelentes aprendizes, que aprendem a andar, falar e viver por conta própria. As organizações que aprendem são possíveis não só porque aprender faz parte da natureza humana, mas também porque o homem adora aprender. A maioria, em uma ou outra ocasião, já participou de uma excelente equipe, um grupo de pessoas que funcionavam juntas de uma forma extraordinária - que confiavam umas nas outras, que complementavam seus pontos fortes e compensavam suas limitações que tinham um objetivo em comum maior do que os objetivos individuais e que geravam resultados extraordinários. Peter M. Senge chegou a dizer que conheceu várias pessoas que experimentaram este tipo de trabalho em equipe - nos desportos, no teatro ou nos negócios. Muitas chegaram a dizer que passaram grande parte de suas vidas tentando reviver esta experiência. Elas teriam participado de uma organização que aprende. A equipe que se tornou excelente não começou excelente - aprendeu a produzir resultados extraordinários.
Poder-se-ia argumentar que a comunidade de negócios global está, como um todo, aprendendo a aprender em conjunto, tornando-se uma comunidade que aprende. Se antes muitos setores eram dominados por um único e incontestável líder - uma IBM, uma Kodak, uma Procter & Gamble, uma Xeros - hoje existem, em todos os setores, principalmente no industrial, dezenas de excelentes companhias. O exemplo dos japoneses impulsiona as empresas norte-americanas e europeias; as coreanas e europeias, por sua vez, impulsionam os japoneses. Ocorrem melhorias radicais na Itália, na Austrália, e em Cingapura - que rapidamente passam a influenciar o mundo inteiro.
Existe também outro movimento, mais profundo em alguns aspectos, rumo à organização que aprende, que faz parte da evolução da sociedade industrial. A afluência material da maioria alterou gradualmente a forma pela qual as pessoas encaram o trabalho - que evoluiu do que Daniel Yankelovich chamou de visão instrumental do trabalho, onde este era apenas um meio para o fim, para uma visão mais sagrada, onde as pessoas buscam os benefícios intrínsecos do trabalho.
- Nossos avós trabalhavam seis dias por semana para ganhar o que hoje a maioria de nós recebe em uma única tarde - diz Bill O'Brien, diretor-presidente da Hanover Insurance - A agitação na administração de organizações continuará até construirmos organizações que sejam mais coerentes com as mais elevadas aspirações humanas, as que estão além de comida, abrigo e posses - complementa.
E mais: muitas das pessoas que cultivam estes valores encontram-se atualmente em cargos de liderança. Senge diz ter chegado a conhecer um número cada vez maior de líderes organizacionais que, embora ainda sejam minoria, sentem-se parte de uma profunda evolução na natureza do trabalho como instituição social.
- Por que não podemos realizar um bom serviço no trabalho? - perguntou recentemente Edward Simon, presidente da Herman Miller - a meu ver, a organização é hoje a única instituição com chances de atenuar profundamente as injustiças existentes no mundo. Antes, porém, teremos de derrubar as barreiras que nos impedem de aprender e de nos direcionarmos de acordo com nossas visões - pondera.
Talvez o motivo mais notável para a construção de organizações que aprendem é o fato de só agora estar começando a haver um entendimento das aptidões que tais organizações devem possuir. Durante muito tempo, os esforços para criá-las resumiam-se a tatear no escuro até descobrir as habilidades, as áreas de conhecimento e os caminhos para o seu desenvolvimento. O que distinguirá fundamentalmente as organizações que aprendem das organizações controladoras e autoritárias tradicionais será o domínio de determinadas disciplinas básicas. Por isto, as disciplinas na organizações que aprende são vitais.
Disciplinas da organização que aprende
Em uma manhã fria e clara de dezembro de mil novecentos e três, em Kitty Hawk, Carolina do Norte ( Estados Unidos da América - EUA ), o frágil avião de Wilbur e Orville Wright provou para os norte-americanos que voar com um sistema motorizado era possível. Inventou-se assim, para os americanos, o avião; no entanto, o público em geral só teve acesso à aviação comercial trinta anos depois.
Os engenheiros dizem que uma nova ideia é inventada quando funciona comprovadamente em laboratório. Ela só se torna uma inovação quando pode ser reproduzida de modo confiável em uma escala significativa a custos razoáveis. Se for suficientemente importante, como o telefone, o computador digital ou o avião comercial, a ideia é chamada de inovação básica e cria um novo setor da economia ou transforma um já existente. Neste sentido, as organizações que aprendem foram inventadas, mas ainda não constituem uma inovação.
Engenharia, quando uma ideia passa de invenção a inovação, reúnem-se diversas tecnologias componentes. Provenientes de progressos realizados em diversos campos de pesquisa, estes componentes formam gradualmente um conjunto de tecnologias imprescindíveis ao sucesso umas das outras. Até que este conjunto se forme, a ideia, embora possível em laboratório, não pode ser colocada em prática.
Os irmãos Wright provaram que o voo motorizado era possível mas o McDonnel Douglas DC-3, lançado em mil novecentos e trinta e cinco, inaugurou a era das viagens aéreas comerciais. O DC-3 foi o primeiro avião capaz de se sustentar tanto econômica quanto aerodinamicamente. Durante estes trinta anos que se passaram ( período típico de incubação das inovações básicas ) diversos experimentos em aviação comercial fracassaram. Assim, como os experimentos iniciais com as organizações que aprendem, os primeiros aviões não eram confiáveis e eficazes em relação aos custos em uma escala adequada.
O DC-3, pela primeira vez, reuniu cinco tecnologias componentes críticas que formaram um conjunto de sucesso. Eram elas: a hélice de inclinação variável, o trem de pouso retrátil, um tipo de fuselagem leve chamado monocoque, um motor radial refrigerado a ar e flaps de asa. Para dar certo, o DC-3 precisava de todos os cinco; quatro não bastavam. Um ano antes, fora introduzido o Boeing 247 com todos os elementos, menos os flaps de asa. os engenheiros descobriram que sem eles o avião era instável na decolagem e aterrissagem e tiveram de reduzir o tamanho do motor.
Hoje, acredita-se, cinco novas tecnologias componentes estão gradualmente convergindo para inovar as organizações que aprendem. embora desenvolvidas em separado, cada uma delas, na opinião de Senge, será essencial para o sucesso das outras, como ocorre em qualquer conjunto. Cada uma proporciona uma dimensão vital na construção de organizações realmente capazes de aprender, de ampliar continuamente sua capacidade de realizar suas mais altas aspirações:
Pensamento sistêmico
As nuvens ficam pesadas, o céu escurece, as folhas giram no chão: sabe-se que vai chover. Sabe-se também que, depois da tempestade, a água da chuva alimentará os lençóis d'água, a quilômetros de distância, e que pela manhã o céu estará claro outra vez. Todos estes eventos estão distantes no tempo e no espaço, mas estão conectados em um mesmo padrão. Um tem influência sobre o outro, uma influência que, em geral, não é aparente. Só será possível o entendimento do sistema de uma tempestade contemplando o todo, não uma parte individual do padrão.
As empresas e os outros feitos humanos também são sistemas. Estão igualmente conectados por fios invisíveis de ações inter-relacionadas, que muitas vezes levam anos para manifestar seus efeitos umas sobre as outras. Como todos fazem parte deste tecido, é duplamente difícil ver o padrão de mudança como um todo. Ao contrário, há a tendência à concentração em fotografias de partes isoladas do sistema, havendo a pergunta de por que os problemas mais profundos parecem nunca ter solução. O pensamento sistêmico é um quadro de referência conceitual, um conjunto de conhecimentos e ferramentas desenvolvido ao longo dos últimos cinquenta ou oitenta anos para esclarecer os padrões como um todo e promover uma ajuda para se ver como fazer a mudança efetiva.
Embora as ferramentas sejam relativamente novas, a visão de mundo subjacente é extremamente intuitiva; experimentos realizados com crianças pequenas mostram que elas aprendem o pensamento sistêmico com muita rapidez.
Domínio pessoal
A palavra domínio poderia sugerir controle sobre as pessoas ou sobre as coisas. Mas pode significar também um nível especial de proficiência. Um perito artesão não controla a arte da cerâmica ou da tecelagem. As pessoas com alto nível de domínio pessoal conseguem concretizar os resultados mais importantes para ela - na verdade, veem a vida como um artista veria uma obra de arte. Fazem isto comprometendo-se com seu próprio aprendizado ao longo da vida.
Domínio pessoal é a disciplina de continuamente esclarecer e aprofundar a visão pessoal, de concentrar as próprias energias de desenvolver paciência e de ver a realidade objetivamente. Como tal, é uma pedra de toque essencial para a organização que aprende - seu alicerce espiritual. A capacidade e o comprometimento de uma organização em aprender não podem ser maiores do que seus integrantes. As raízes desta disciplina nas tradições espirituais ocidentais e orientais, bem como em tradições seculares.
Porém, surpreendentemente, poucas organizações estimulam o crescimento de seus funcionários desta forma. Isto resulta em um desperdício de recursos:
- Ao ingressarem nas organizações, as pessoas são brilhantes, bem-educadas, com alto grau de energia, cheias de vontade e desejo de fazer a diferença - afirma O'Brien, da Hanover - Quando chegam aos trinta anos de idade, poucas estão em rápida ascendência; as outras cumprem o seu horário para fazer o que e importante para elas no fim de semana. Perdem o senso de compromisso, de missão, e a vitalidade com a qual iniciaram suas carreiras. Aproveita-se muito pouco da energia pessoal e quase nada de seu espírito. - conclui.
E é surpreendente como poucos adultos trabalham no sentido de desenvolver rigorosamente seu próprio domínio pessoal. Quando pergunta-se à maioria o que querem da vida, eles primeiro falam de coisas das quais gostariam de se livrar.
- Gostaria de que a minha sogra se mudasse lá de casa ( ... ) gostaria de me ver livre das minhas dores nas costas... - dizem.
A disciplina do domínio pessoal, por outro lado, começa esclarecendo as coisas que são realmente importantes para o indivíduo, levando-o a viver a serviço de suas mais altas inspirações.
Neste texto, o interesse é especial na conexão entre aprendizagem pessoal e aprendizagem organizacional, nos compromissos recíprocos entre indivíduo e organização, e no espírito especial de uma organização composta de pessoas dispostas a aprender.
Modelos mentais
São pressupostos profundamente arraigados, generalizações ou mesmo imagens que influenciam a forma humana de ver o mundo e de agir. Muitas vezes, não se está e estado de consciência de modelos mentais ou dos efeitos destes sobre o comportamento humano. Por exemplo, é possível a observação que uma ( pessoa ) colega de trabalho se veste com elegância e dizer a si mesmo:
- Ela ( pessoa )é uma pessoa de classe!...
E quanto a alguém que se veste de forma mais descuidada, pode-se achar:
- Ela ( pessoa ) não se importa com a opinião dos outros...
Os modelos mentais do que pode ou não ser feiro em diferentes contextos gerenciais não são menos arraigados. Muitas ideias novas sobre novos mercados ou sobre práticas organizacionais obsoletas não são colocados em prática porque entram em conflito com poderosos modelos mentais implícitos.
A Royal Dutch / Shell, uma das primeiras grandes organizações a entender as vantagens da aceleração da aprendizagem organizacional, percebeu isto ao contatar quão difusas eram as influências dos modelos mentais ocultos, principalmente daqueles que haviam se tornado amplamente compartilhados. O extraordinário sucesso da Shell no seu gerenciamento em meio às mudanças radicais e à imprevisibilidade da crise mundial do petróleo das décadas de setenta e oitenta decorreu, em grande parte, do aprendizado de como trazer á tona e questionar os modelos mentais dos gerentes ( no início da década de setenta, a Shell era a mais fraca das sete grandes organizações petrolíferas; no final da década de oitenta, tornara-se a mais forte ). Arie de Geus, ex-vice-presidente de Planejamento, aposentado recentemente da Shell, diz que a adaptação e o crescimento contínuos em um ambiente de negócios em mudança dependem da aprendizagem institucional, processo pelo qual as equipes gerenciais compartilham os modelos mentais da organização, de seus mercados e de seus concorrentes. Por este motivo, pensa-se no planejamento como aprendizagem e no planejamento corporativo como aprendizagem institucional.
O trabalho com modelos mentais começa por virar o espelho para dentro; aprender a desterrar as próprias imagens internas do mundo, a levá-las à superfície e mantê-las sob rigorosa análise. Inclui também a capacidade de realizar conversas ricas em aprendizados, que equilibrem indagação e argumentação, em que as pessoas exponham de forma eficaz seus próprios pensamentos e estejam abertas à influência dos outros.
A construção de uma visão compartilhada
Se existe uma ideia sobre liderança que tenha inspirado as organizações durante milhares de anos foi a capacidade de ter uma imagem compartilhada do futuro que se busca criar. É difícil pensar em alguma organização que tenha se mantido em uma posição de grandeza na ausência de metas, valores e missões profundamente compartilhados na organização. A IBM tinha o serviço; a Polaroid a fotografia instantânea; a Ford tinha o transporte público para as massas e a Apple a computação para as massas. Embora radicalmente diferentes, em termos de conteúdo e tipo, todas estas organizações conseguiram reunir as pessoas em torno de uma identidade e um senso de destino comuns.
Quando existe uma visão genuína ( em oposição á famosa declaração de missão ), as pessoas dão tudo de si e aprendem, não porque são obrigadas, mas porque querem. Porém, muitos líderes têm visões pessoais que nunca se traduzem nas visões compartilhadas de uma empresa que gira em torno do carisma de um líder ou de uma crise que estimula temporariamente a todos. No entanto, se tiverem escolha, a maioria das pessoas opta por perseguir um objetivo nobre, não apenas em épocas de crise, mas o tempo todo. O que falta é uma disciplina capaz de traduzir a visão individual em uma visão compartilhada - não um livro de receitas, mas um conjunto de princípios e práticas orientadoras.
A prática da visão compartilhada envolve as habilidades de descobrir imagens de futuro compartilhadas que estimulem o compromisso genuíno e o envolvimento, em lugar da mera aceitação. Ao dominar esta disciplina, os líderes aprendem como é contraproducente tentar ditar uma visão, por melhores que sejam as suas intenções.
Aprendizagem em equipe
Como uma equipe de gerentes comprometidos, com QI acima de cento e vinte, pode ter, coletivamente, um QI de sessenta e três? A disciplina da aprendizagem em equipe enfrenta este paradoxo. Sabe-se que as equipes podem aprender; nos desportos, no teatro, na ciência e até mesmo, ocasionalmente, nos negócios existem exemplos notáveis nos quais a inteligência da equipe excede a inteligência de seus membros, e nos quais o grupo desenvolve capacidades excepcionais de ação coordenadas. Quando as equipes realmente estão aprendendo, não só produzem resultados extraordinários como também seus integrantes crescem com maior rapidez do que ocorreria de outra forma.
A disciplina da aprendizagem em equipe começa pelo diálogo, a capacidade dos membros de deixarem de lado as ideias preconcebidas e participarem de um verdadeiro pensar em conjunto. Para os gregos, dia-logos denotava o livre fluxo de significado em um grupo, permitindo novas ideias e percepções que os indivíduos não conseguiram ter sozinhos. É interessante observar que muitas culturas primitivas, como a dos índios norte-americanos, preservaram a prática do diálogo, mas esta prática se perdeu quase que totalmente na sociedade moderna. Hoje, os princípios e as práticas do diálogo estão sendo redescobertos e inseridos em um contexto contemporâneo. ( Diálogo difere de discussão, que é mais comum e tem sus raízes em percussão e concussão, que significam literalmente atirar as ideias de um lado para outro em uma competição do tipo tudo ou nada. )
A disciplina do diálogo envolve também o reconhecimento dos padrões de interação que dificultam a aprendizagem nas equipes. Os padrões de defesa frequentemente são profundamente enraizados na forma de operação da equipe. Se não forem detectados, minam a aprendizagem. Se percebidos, e trazidos à tona de forma criativa, podem realmente acelerar a aprendizagem.
A aprendizagem em equipe é vital, pois as equipes, e não os indivíduos, são a unidade de aprendizagem fundamental nas organizações modernas. Este é um ponto crucial: se as equipes não tiverem capacidade de aprender, a organização não a terá.
Se uma organização que aprende fosse uma inovação de engenharia, como o avião ou um computador pessoal, os componentes seriam chamados de tecnologias. Para uma inovação no comportamento humano, os componentes precisam ser vistos como disciplinas. Não entende-se por disciplina uma ordem cumprida ou a forma de punição, mas sim um corpo de teoria e técnica, as quais devem ser estudadas e denominadas para serem colocadas em prática. Uma disciplina é um caminho de desenvolvimento para a aquisição de determinadas habilidades ou competências. Em qualquer disciplina - de tocar piano á engenharia elétrica - há pessoas que nascem com um dom, mas todos podem ter proficiência através da prática.
Praticar uma disciplina é ser um eterno aprendiz. Nunca se chega a um lugar; passa-se a vida aprimorando disciplinas. Jamais será possível dizer:
- Somos uma organização que aprende.
Da mesma forma que não será possível dizer:
- Sou uma pessoa iluminada.
Quanto mais se aprende, maior é a consciência do tamanho da própria ignorância. Assim, uma organização não pode ser excelente no sentido de ter chegado a um estado permanente de excelência; encontra-se sempre no estado de praticar as disciplinas de aprendizagem, de se tornar melhor ou pior.
A ideia de que as organizações podem se beneficiar de disciplinas não é inteiramente nova. Afinal, disciplinas gerenciais como a contabilidade existem há muito tempo. Mas as cinco disciplinas diferem das disciplinas gerenciais mais familiares na medida em que são disciplinas pessoais. cada uma tem a ver com a forma de pensar, com o que realmente se quer, e como se interage e se aprende uns com os outros. Neste sentido, assemelham-se mais às disciplinas artísticas do que às disciplinas gerenciais tradicionais. Além disto, embora a contabilidade seja útil para acompanhar os números, nunca serão abordadas as tarefas mais sutis de construção de organizações, de ampliação de suas capacidades de inovação e criatividade, de desenvolvimento de uma estratégia e de elaboração de políticas e estruturas por meio da assimilação de novas disciplinas. Talvez seja por isto que muito frequentemente, as grandes organizações subam de modo acelerado, desfrutando do seu momento ao sol, e depois voltem silenciosamente à sua posição de mediocridade.
A prática de uma disciplina é diferente da emulação de um modelo. Muitas vezes, as inovações gerenciais são descritas em termos das melhores práticas das chamadas empresas líderes. Embora seja interessante, frequentemente acredita-se que estas descrições podem causar mais danos do que benefícios, levando a cópias graduais e á eterna tentativa de imitação do modelo. Não é crível que as grandes organizações tenham se desenvolvido tentando emular outras, assim como não se pode alcançar a grandeza individual tentando copiar outra grande personalidade.
A quinta disciplina
É vital que as cinco disciplinas se desenvolvam como um conjunto. Isto é desafiador, pois é muito mais difícil integrar novas ferramentas do que simplesmente aplicá-las separadamente. Mas as recompensas são enormes.
Por isto, o pensamento sistêmico é a quinta disciplina, aquela que integra as outras, fundindo-se em um corpo coerente de teoria e prática. Impede-as de serem truques separados ou o mais recente modismo para mudança organizacional. Sem uma orientação sistêmica, não há motivação para analisar as inter-relações entre as disciplinas. Ampliando cada uma das outras disciplinas, o pensamento sistêmico lembra continuamente que a soma das partes pode exceder o todo.
Por exemplo, a visão sem o pensamento sistêmico acaba projetando lindos quadros do futuro, sem uma compreensão profunda das forças que precisam ser dominadas para que seja possível andar daqui para lá. Este é um dos motivos pelos quais muitas organizações que adotaram o modismo da visão recentemente viram que uma visão nobre, isoladamente, não transforma o destino da organização. Sem o pensamento sistêmico, a semente da visão é plantada em terreno árido. Se o pensamento não sistêmico predominar, descumpre-se a primeira condição para uma visão estimulante: a crença genuína de que é possível transformar a visão do homem em realidade no futuro. Será dito:
- É possível a concretização da visão do homem.
A maioria dos gerentes norte-americanos são condicionados a acreditar nisto, mas a visão tácita da realidade atual como um conjunto de condições criadas por outra pessoa vem como uma traição.
Porém, para concretizar o potencial do homem, o pensamento sistêmico também precisa das disciplinas de construção de uma visão compartilhada, modelos mentais, aprendizagem em equipe e domínio pessoal. A construção de uma visão compartilhada estimula o compromisso com o longo prazo. Os modelos mentais concentram-se na abertura necessária para a revelação das limitações na forma de o homem ver o mundo. A aprendizagem em equipe desenvolve a habilidade dos grupos de buscarem uma visão do quadro como um todo, que está além das perspectivas individuais. E o domínio pessoal estimula a motivação pessoal de aprender continuamente como a ação do homem afeta o mundo. Sem o domínio pessoal, as pessoas ficam tão envolvidas na mentalidade reativa ( alguém / alguma coisa está criando meus problemas ) que se sentem profundamente ameaçadas pela perspectiva sistêmica.
Por fim, o pensamento sistêmico torna compreensível o aspecto mais sutil da organização que aprende - a nova forma pela qual os indivíduos se percebem e a seu mundo. No coração da organização que, aprende, encontra-se uma mudança de mentalidade - em vez de o homem se ver como algo separado do mundo passa a se ver conectado ao mundo; no lugar de considerar os problemas como causados por algo ou alguém lá fora, enxerga como suas próprias ações criam os problemas pelos quais passa. Uma organização que aprende é um lugar onde as pessoas descobrem continuamente como criam sua realidade. E como podem mudá-la. Como disse Arquimedes:
- Dê-me uma alavanca longa o bastante... e, com uma das mãos, moverei o mundo.
Metanóia - uma mudança de mentalidade
Quando se pergunta às pessoas como é a experiência de fazer parte de uma excelente equipe, o que se destacam é o significado desta experiência. As pessoas falam em fazer parte de algo maior do que elas mesmas, de estarem conectadas, de serem produtivas. Fica bastante claro que, para muitas delas, suas experiências como parte de equipes realmente excelentes sobressaem como períodos singulares, vividos ao máximo. Algumas passam o resto da vida buscando formas de recapturar este espírito.
Na cultura ocidental, a palavra que descreve com maior precisão o que acontece em uma organização que aprende não foi muito usada nos últimos séculos. Trata-se de uma palavra que é empregada no trabalho com as organizações em algumas décadas, mas sempre há advertência para fazer uso dela comedidamente em público. A palavra é metanóia e significa mudança de mentalidade. este termo tem uma história rica. para os gregos, para os gregos significava uma mudança ou alteração fundamental ou, mais literalmente, transcendência ( meta - acima ou além, como metafísica ) da mente ( noia - da raiz nous de mente ). Na tradição cristã gnóstica mais recente, assumiu um significado especial - o despertar da intuição compartilhada e o conhecimento direto de Deus. Metanóia provavelmente era um termo-chave para os primeiros cristãos, como João Batista. Na tradição católica, a palavra metanóia acabou sendo traduzida como arrependimento.
Entender o sentido de metanóia é entender o significado mais profundo de aprendizagem, pois esta também envolve uma alteração fundamental ou movimento da mente. O problema de se falar sobre organizações que aprendem é que aprendizagem perdeu seu significado central no uso contemporâneo. A maioria das pessoas chega a desviar o olhar quando fala-se sobre aprendizagem ou organizações que aprendem. Não é surpresa, portanto, que no uso cotidiano aprendizado tenha se tornado sinônimo de internalização de informações.
- Sim, aprendi isto naquele curso de ontem.
No entanto, a internalização de informações tem pouca relação com o verdadeiro aprendizado. Seria um contra-senso dizer:
- Acabei de ler um excelente livro que ensina a andar de bicicleta - agora já sei andar de bicicleta.
A verdadeira aprendizagem chega ao coração do que significa ser humano. Através da aprendizagem amplia-se a capacidade humana de criar, de fazer parte do processo gerativo da vida. Existe dentro de cada homem uma intensa sede para este tipo de aprendizagem. É nas palavras de Bill O'Brien, da Hanover Insurance:
-Tão fundamental par ao ser humano quanto o desejo sexual.
É este, portanto, continua:
- O significado básico de uma organização que aprende.
Uma organização que está continuamente expandindo sua capacidade de criar seu futuro. Para uma organização como esta, não basta apenas sobreviver, continua:
- A aprendizagem visando à sobrevivência.
Ou o que é conhecido mais comumente como, continua:
- A aprendizagem adaptativa.
É importante - na verdade, é necessária. Mas para uma organização que aprende, a aprendizagem adaptativa deve ser somada à aprendizagem generativa, a aprendizagem que amplia a capacidade humana de criar.
Algumas corajosas organizações pioneiras estão indicando o caminho, mas o território do desenvolvimento das organizações que aprendem continua, em grande parte, inexplorado. Há grande esperança de que este texto possa acelerar esta exploração.
Colocando as ideias em prática
Senge dizia não clamar para si o crédito pela criação das cinco grandes disciplinas. As cinco disciplinas descritas a seguir representam as experiências, as pesquisas, os escritos e as invenções de centenas de pessoas. Mas dizia trabalhar com as disciplinas havia anos, aperfeiçoando ideias sobre elas, colaborando em pesquisas e introduzindo-as em organizações ao redor do mundo.
Quando Senge iniciou o curso de pós graduação no Massachussets Institute of Technology ( MIT ) em mil novecentos e setenta, dizia estar convencido de que grande parte dos problemas que a humanidade enfrentava dizia respeito à falta de capacidade de entendimento e gerência dos sistemas cada vez mais complexos do mundo. De lá para cá, aconteceram poucas coisas capazes de modificar esta visão. Hoje, a corrida armamentista, os problemas ambientais, o comércio internacional de drogas, a estagnação do terceiro mundo e os seus persistentes déficits orçamentários e comerciais dos EUA atestam em favor de um mundo onde os problemas tornam-se cada vez mais complexos e interligados. Desde o início do seu curso no MIT, Senge diz ter se sentido atraído pelo trabalho de Jay Forrester, pioneiro da computação que havia mudado de área para desenvolver o que chamou de dinâmica de sistemas. Jay afirmava que as causas de muitos dos maiores problemas públicos, da dacadência urbana à ameaça global, estão nas políticas muito bem-intencionadas que foram desenvolvidas para resolvê-los. Estes problemas eram de fato sistemas que levaram os governantes a intervenções centradas em sintomas óbvios, e não nas causas subjacentes, o que produzia benefícios a curto prazo mas também danos a longo prazo, e estimulava a necessidade de outras intervenções sintomáticas.
Quando Senge iniciou sua tese de doutorado, tinha pouco interesse pela administração de organizações. Achava que a soluções para os grandes problemas estavam no setor público. Mas logo começou a conhecer líderes empresariais que iam visitar seu no MIT para aprender sobre o pensamento sistêmico. Eram pessoas profundamente conscientes das inadequações dos métodos gerenciais predominantes à época. Estavam envolvidas no desenvolvimento de novos tipos de organizações - descentralizadas e não hierárquicas, dedicadas ao bem-estar e crescimento dos funcionários, bem como ao sucesso. Algumas haviam criado filosofias empresariais radicais baseadas em valores essenciais de liberdade e responsabilidade. Outras haviam desenvolvido projetos organizacionais inovadores. Todas tinham em comum o comprometimento e a capacidade de inovar, ausente à época no setor público. Aos poucos, Senge dizia ir percebendo por que a empresa é o locus da inovação em uma sociedade aberta. Apesar de qualquer influência que as antigas formas de pensar possam ter exercido sobre a mentalidade empresarial, a empresa tem uma liberdade de experimentar ausente á época no setor público e, muitas vezes, em organizações sem fins lucrativos ( que visam ao lucro mas não os distribuem aos sócios ). Possui também um resultado claro, permitindo assim que os experimentos possam ser avaliados, pelo menos em princípio, por critérios objetivos.
Mas por que estas pessoas estavam interessadas no pensamento sistêmico? Muitas vezes os experimentos organizacionais mais audaciosos estavam fracassando. A autonomia local produzia decisões de negócios desastrosas para a organização como um todo. Exércitos de formação de equipes programavam atividades de canoagem para colegas de trabalho, mas quando voltam para casa eles continuavam discordando fundamentalmente sobre os problemas empresariais. As empresas uniam-se em épocas de crise, para depois perder toda a inspiração quando os negócios melhoravam. Organizações que começaram como sucessos estrondosos, com as melhores intenções possíveis com relação aos clientes e funcionários, viam-se presas em espirais descendentes que pioravam a cada vez que se tentava revertê-las.
Por isto, todos acreditavam que as ferramentas do pensamento sistêmico poderiam ser importantes nestas organizações. Ao trabalhar com organizações diferentes, Senge passou a ver por que o pensamento sistêmico, em si, não bastava. Era necessário um novo tipo de profissional que realmente tirasse o maior proveito deste pensamento. Na época, meados da década de setenta, começava a surgir uma noção de como poderia ser este profissional, porém esta noção ainda não havia se cristalizado. Está se cristalizando atualmente no grupo de Senge no MIT: Wiliam O'Brien, da Hanover Insurance; edward Simon, da herman Miller, e Ray Stata, diretor-presidente da Analog Devices. Todos os três participam o programa de pesquisas há vários anos, junto com líderes da Apple, Ford, Polaroid, Royal Dutch / Shell e Trammell Crow.
Durante onze anos, Senge também participou do desenvolvimento e da realização dos workshops sobre liderança e domínio pessoal da Innovation Associates ( IA ), que apresentavam pessoas de todos os níveis às ideias da quinta disciplina derivadas do seu trabalho no MIT, combinadas ao trabalho inovador da IA na construção de uma visão compartilhada e domínio pessoal. Mais de quatro mil gerentes participaram de seus workshops. Começou com um foco específico nos executivos seniores das organizações, mas logo descobriu que as disciplinas básicas como pensamento sistêmico, domínio pessoal e visão compartilhada eram relevantes para professores, administradores públicos e autoridades eleitas, estudantes e pais. Todos ocupavam importantes posições de liderança. Todos estavam em organizações que ainda tinham um potencial oculto para a criação de seu futuro. todos sentiam que, para aproveitar este potencial, era necessário desenvolver suas próprias capacidades, ou seja, aprender.
Portanto, este texto destina-se aos aprendizes, especialmente àqueles interessados na arte e prática da aprendizagem coletiva.
Para os gerentes, este texto deve servir para identificar as práticas, habilidades e disciplinas específicas que façam com que a construção de organizações não continue sendo uma arte secreta ( ainda que permaneça uma arte ).
Referência:
Senge, Peter M. A quinta disciplina: a arte e prática da organização que aprende. 24ª. edição. Rio de Janeiro: Bestseller, 2008. ( pp. 37-50 ).
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