A teoria das gerações dos Direitos Humanos ( DH ) foi lançada pelo jurista francês de origem checa, Karel Vassak, que, em Conferência proferida no Instituto Internacional de DH de Estrasburgo ( França ), no ano de Mil oitocentos e setenta e nove, classificou os DH em três gerações, cada uma com características próprias ( * vide nota de rodapé ). Posteriormente, determinados autores defenderam a ampliação da classificação de Vasak para quatro ou até cinco gerações ( *2 vide nota de rodapé ).
Cada geração foi associada, na Conferência proferida por Vasak, a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa: "liberté, egalité et fraternité" ( liberdade, igualdade e fraternidade ). Assim, a primeira geração seria composta por direitos referentes à "liberdade"; a segunda retrataria os direitos que apontam para a "igualdade"; finalmente, a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social ( "fraternidade" ).
A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade ( *3 vide nota de rodapé ), que são direitos às prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. São denominados também "direitos de defesa", pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado, possuindo caráter de distribuição de competências ( limitação ) entre o Estado e o ser humano.
Para regrar a atuação dos indivíduo, delimitando o seu espaço de liberdade e, ao mesmo tempo, estruturando o modo de organização do Estado e do poder, são os direitos de primeira geração compostos por direitos civis e políticos ( *4 vide nota de rodapé ). Por isto, são conhecidos como direitos ( ou liberdades ) individuais, tendo como marco as revoluções liberais do Século Dezoito na Europa e Estados Unidos da América ( EUA ). Estas revoluções visavam a restringir o poder absoluto do monarca, impingindo limites à ação estatal. São, entre outros, o direito à liberdade, igualdade ( *5 vide nota de rodapé ) perante e lei, propriedade ( *6 vide nota de rodapé ), intimidade ( *7 vide nota de rodapé ) e segurança ( *8 vide nota de rodapé ), traduzindo o valor de liberdade. O papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo ( abstenção em violar os DH, ou seja, as prestações negativas ) quanto ativo, pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública, administração da justiça ( *9 vide nota de rodapé ) entre outras.
A segunda geração de DH representa a modificação do papel do Estado, exigindo-lhe um vigoroso papel ativo, além do mero fiscal das regras jurídicas. Este papel ativo, embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração, era visto anteriormente com desconfiança, por ser considerado uma ameaça aos direitos indivíduo. Contudo, sob a influência das doutrinas socialistas, constatou-se a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização, o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência. Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde ( * 10 vide nota de rodapé ), educação ( *11 vide nota de rodapé ), previdência social ( *12 vide nota de rodapé ), habitação ( *13 vide nota de rodapé ), entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e dão denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Os DH de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e nas Américas, sendo seus marcos a Constituição mexicana de Mil novecentos e dezessete ( *14 vide nota de rodapé ) ( que regulou o direito ao trabalho e á previdência social ), a Constituição alemã de Weimar de Mil novecentos e dezenove ( que, em sua parte Segunda, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais ) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho - OIT - , reconhecendo direitos dos trabalhadores.
Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade, como o direito ao desenvolvimento ( *15 vide nota de rodapé ), direito à paz ( *16 vide nota de rodapé ), direito à autodeterminação ( *17 vide nota de rodapé ) e em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado ( *10 vide nota de rodapé ). São chamados de direitos de solidariedade. São oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana.
Posteriormente, no final do Século Vinte, há aqueles, como Paulo Bonavides, que defendem o nascimento da quarta geração de DH, resultante da globalização dos DH, correspondendo aos direitos de participação democrática ( *18 vide nota de rodapé ), direito ao pluralismo ( *19 vide nota de rodapé ), bioética e limites à manipulação genética ( *20 vide nota de rodapé ), fundados na defesa da dignidade da pessoa humana ( *21 vide nota de rodapé ) contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado. Bonavides agrega ainda uma quinta geração, que seria composta pelo direito à paz ( * 22 vide nota de rodapé ) em toda a humanidade ( anteriormente classificado por Vasak como sendo de terceira geração ) ( *23 vide nota de rodapé ). Parte da doutrina critica a criação de novas gerações ( qual seria o limite? ), apontando falhas na diferenciação entre as novas gerações e as anteriores, além da dificuldade em se precisar o conteúdo e efetividade dos novos direitos ( *24 vide nota de rodapé ).
O Supremo Tribunal Federal ( STF ) utiliza a teoria geracional, com a seguinte síntese: "os direitos de primeira geração ( direitos civis e políticos ) - que compreenderia as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração ( direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais - DESCAs ) - que identifica as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos DH, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade" ( Mandado de Segurança número Vinte e dois Mil cento e sessenta e quatro, relator Ministro Celso de Mello, julgado em Trinta de outubro de Mil novecentos e noventa e cinco.
A teoria geracional é criticada nos dias de hoje por quatro defeitos.
Em primeiro lugar, por transmitir, de forma errônea, o caráter substituição de uma geração por outra. Se os DH representam um conjunto mínimo de direitos necessários a uma única, consequentemente, uma geração não sucede a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação. O direito de propriedade, por exemplo, deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento, o que revela a sua função social. Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado, o direitos de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso.
Em segundo lugar, a enumeração das gerações pode dar ideia de antiguidade ou posteridade de um rol de direitos em relação a outros: os direitos de primeira geração teriam sido reconhecidos antes dos direitos de segunda geração e assim sucessivamente, o que efetivamente não ocorreu. No Direito Internacional, por exemplo, os direitos sociais ( segunda geração ) foram consagrados em convenções internacionais do trabalho ( a partir do surgimento da Organização Internacional do Trabalho - OIT em Mil novecentos e dezenove ), antes mesmo que os próprios direitos de primeira geração ( cujos diplomas internacionais são do pós-Segunda Guerra Mundial, como a Declaração Universal do DH - DUDH - de Mil novecentos e quarenta e oito ).
Em terceiro lugar, a teoria geracional é rechaçada por apresentar os DH de forma fragmentada e ofensiva à indivisibilidade. Embora esta teoria geracional, à primeira vista, seja razoável para fins didáticos, na prática serve como justificativa para a diferenciação do regime de implementação de uma geração em face da outra. O caso sempre lembrado desta consequência da teoria geracional é a diferença entre o regime de proteção dos direitos de primeira geração em relação aos direitos de segunda geração. Em vários países, combatem-se com rigor a discriminação e as ofensas ao princípio da igualdade no tocante aos direitos individuais clássicos, mas se aceitam as imensas desigualdades no âmbito dos direitos sociais.
Em quarto lugar, o uso destas divisões entre os direitos é também criticável em face das novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos. Como classificar o direito à vida? Em tese, seria um direito tradicionalmente inserido na primeira geração de Vasak, mas hoje há vários precedentes internacionais e nacionais que exigem que o Estado realize diversas prestações para assegurar uma vida digna, como, por exemplo, saúde, moradia, educação, etc., o que o colocaria a segunda geração. O exemplo mais marcante desta nova interpretação do conteúdo do direito à vida é a jurisprudência da Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ), que exige um claro conteúdo social na promoção do direito à vida.
Para evitar tais riscos, há aqueles que defendem o uso do termo "dimensões", em vez de gerações. Ter-se-ía, então, três, quatro ou cinco dimensões de DH. Apesar da mudança de terminologia, restaria ainda a crítica da ofensa à indivisibilidade dos DH e aos novos conteúdos dos direitos protegidos, que inviabilizavam também a teoria dimensional dos DH.
Além da troca de terminologia ( geração por dimensão ), há a busca incessante por novas "gerações", com autores defendendo a existência de uma quarta geração ou mesmo uma quinta geração de direitos.
Apesar de não existir uma precisão sobre a consequência prática de se considerar um direito como pertencente a uma quarta ou quinta geração ( ou dimensão ), estas novas gerações ou dimensões apontadas pela doutrina auxiliam o estudioso a compreender o fenômeno da produção de novos direitos, também denominado inexauribilidade dos DH, para atender a recentes demandas sociais da atualidade.
Com isto, apesar das críticas, a teoria das gerações continua a ser um instrumento de compreensão dos DH e sua inexauribilidade ( sempre há novas demandas sociais, gerando novos direitos ), não podendo, é claro, ser usada para impedir a unidade dos DH e uma visão integral deste conjunto de direitos, todos essenciais para uma vida humana digna.
P.S.:
Notas de rodapé:
* Em Artigo publicado em Mil novecentos e setenta e sete, Vassak credita a Amadou-Mathar M'Bow, então Diretor-Geral da UNESCO, a criação do termo "terceira geração dos DH". Inicialmente, a expressão foi utilizada para focar nova categoria de direitos, abarcando o direito ao desenvolvimento, meio ambiente, entre outros. Depois, Vasak tranformou esta categorização em "gerações" para servir de instrumento de análise da evolução histórica dos DH. Vasak, Karel. A 30-year struggle; the ssustained efforts to give force of law to the Universal Declaration of Humnas Rights" in The Unesco Courier, ano Trinta, Décima-primeira edição, pa´ginas Vinte e oito a Trinta e dois, Mil novecentos e setenta e sete. Vasak, Karel. "For the Third Generation of Human Rights: The Rights of Solidarity", Inaugural lecture, Tenth Study Session, International Institute of Human Rights, July Mil novecentos e setenta e nove, In: Vasak, K. ( ed ). The international dimension of human rights. Paris: Unesco, Mil novecentos e oitenta e dois, Volumes Primeiro e Segundo.
*2 Bonavides, Paulo. Curso de direito internacional. Quarta edição. São Paulo: Malheiros, Mil novecentos e noventa e três; Ferreira Filho, Manoel G. os direitos humanos fundamentais. Segunda edição. São Paulo: Saraiva, Mil novecentos e noventa e oito; Trindade, Antônio Augusto Cançado. tratado de direito internacional de direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, Mil novecentos e noventa e nove, Volume Segundo; Weiss, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, Mil novecentos e noventa e nove, Página Trinta e oito.
*3 O direito à liberdade é melhor detalhado em:
*4 Os direitos civis e políticos no Brasil são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-direitos-civis-e-pol%C3%ADticos-no-brasil .
*5 O direito à igualdade é melhor detalhado em:
*6 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*7 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .
*8 O direito à segurança pública é melhor detalhado em:
*9 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
*10 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*11 O direito à previdência social é melhor detalhado:
*12 O direito à habitação é melhor detalhado em:
*14 A Constituição mexicana de Mil novecentos e dezessete é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-constitui%C3%A7%C3%A3o-mexicana-de-1917 .
*15 O direito ao desenvolvimento é melhor declarado em:
*16 O direito à paz é melhor declarado em:
*17 O direito à autodeterminação é melhor detalhado em:
*18 Os direitos políticos e de participação democrática são melhor detalhados em:
*19 O direito ao pluralismo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .
*20 As novas tecnologias de manipulação genética e bioética são melhor detalhados em:
*21 A dignidade humana é melhor abordada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*22 A manutenção da paz é melhor abordada em:
*23 Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. Vigésima-quinta edição. São Paulo: Malheiros, Dois mil e dez.
*24 Falcon y Tella, Fernando. Challenges for humans riguts. Leiden; Boston: Martinus Nijhoff Publishers, Dois mil e sete, em especial Página Sessenta e seis.
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