quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Direitos Humanos: uma classificação de acordo com as funções dos DH

De acordo com suas funções, os Direitos Humanos ( DH ) podem ser classificados como: direitos de defesa ( * vide nota de rodapé ), direitos a prestações e direitos a procedimentos e instituições.
Os direitos de defesa consistem no conjunto de prerrogativas do indivíduo voltado para defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público ou mesmo outro particular, assegurando que:


1) uma conduta não seja proibida;

2) uma conduta não seja alvo de interferência ou regulação indevida por parte do Poder Público e

3) não haja violação ou interferência por parte de outro particular.


O direitos de defesa, então, têm como consequência inicial a transformação destes direitos em um escudo contra o poder estatal, concretizando exigências de abstenção, derrogação e até mesmo anulação de atos do Estado, o que gera a chamada eficácia vertical dos DH ( indivíduo versus Estado ). Porém, já é um consenso no Brasil que o direitos de defesa também podem ser invocados contra outros particulares, consagrando a eficácia horizontal dos DH ( relação particular versus particular ). Finalmente, a assimetria entre os particulares consagrou ainda a eficácia diagonal dos DH, que consiste na invocação de direitos nas relações entre os particulares de determinado direito de um particular sobre o outro ( *2 vide nota de rodapé ).


Além disto, os direitos de defesa asseguram ao seu titular duas outras consequências, além das anteriores:


1) pretensão de consideração, que exige do Estado levar em conta os direitos envolvidos antes de adotar determinada conduta e ainda

2) a pretensão de proteção, que gera o chamado "dever de proteção", ou seja, o dever do Estado de agir contra outros particulares que podem violar estes direitos ( também chamada de dimensão objetiva  dos DH ).


Quer sejam invocados contra o Estado ou contra o particular ( exigindo-se do Estado que interfira a favor do titular contra o particular que viola este direito ), os direito de defesa estabelecem uma esfera jurídica de autonomia e autodeterminação dos indivíduos, protegendo-os contra condutas do Estado ou de terceiros.


É possível classificar os direitos de defesa em três subespécies: os direitos ao não impedimento ( liberdade de expressão - *3 vide nota de rodapé  - , por exemplo ); direitos ao não embaraço ( por exemplo, direito à inviolabilidade domiciliar, intimidade e sigilos diversos - *4 vide nota de rodapé ) e, finalmente, direito a não supressão de determinadas situações jurídicas ( defesa do direito de propriedade - *5 vide nota de rodapé -  , por exemplo ). O Estado, então, no que tange aos direitos de defesa, é o inimigo da liberdade individual e os DH têm a função de preservar o indivíduo contra as ingerências indevidas do governante ( *6 vide nota de rodapé ).


Por sua vez, os direitos à prestação são aqueles que exigem uma obrigação estatal de ação, para assegurar a efetividade dos DH. É uma verdadeira superação do dogma do "Estado inimigo" dos DH. Pelo contrário, o Estado agora é o "Estado amigo", chamado a realizar condutas de proteção dos direitos, para dar existência real aos direitos previstos no ordenamento jurídico. Estas condutas estatais podem ser divididas em prestações jurídicas e prestações materiais.


A prestação jurídica é realizada pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito. Assim, o devido processo legal para ser protegido exigirá uma atuação estatal de regulação de normas processuais e procedimentais adequadas.


Já a prestação material consiste na intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente seu direito. Por exemplo, no caso do direito à saúde ( *7 vide nota de rodapé ), o Estado deve realizar prestações materiais por meio de construção de hospitais, equipamentos, equipe médica e ainda fornecimento gratuito de medicamentos, tudo para assegurar materialmente o efetivo gozo do direito à saúde.


Os direitos à prestação jurídica acarretam discussão sobre a criação de medidas específicas de combate à inércia do Estado em legislar, como ocorreu no Brasil com a criação do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. No caso das prestações materiais, a consequência deste direito de prestação vem a ser a possibilidade de exigir judicialmente que o Estado realize estas prestações, em um contexto de recursos finitos e necessidades de escolhas entre quais prestações devem ser realizadas em primeiro lugar.


Finalmente, os direitos podem ser classificados como direitos a procedimentos e organizações, que são aqueles que têm como função exigir do Estado que estruture órgãos e o corpo institucional apto, por sua competência e atribuição, a oferecer bens ou serviços indispensáveis á efetivação dos DH.


Esta categoria é corolário dos direitos à prestação, mas com o traço distintivo de focar a estrutura administrativa e institucional do Estado, o que, para tal classificação, é também importante para a efetividade dos DH. A consequência desta classificação é justamente permitir que determinadas condutas do Estado voltadas a desmantelar uma instituição essencial para a efetividade dos DH seja passível de questionamento por, em última análise, representar uma violação do direito que aquela instituição zelava.


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito ao contraditório e à ampla defesa, ou ainda a presunção de inocência é melhor detalhado em:



*2 Contreras, Sérgio Gamoral. Procedimiento de tutela y eficácia diagonal de los derechos humanos, Revista Laboral Chilena, Novembro de Dois mil e nove, Páginas Setenta e dois a Setenta e seis.


*3 O direito à liberdade de expressão é melhor detalhado em:



*4 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em:



*5 O direito à propriedade é melhor detalhado em:


*6 Haberle, Peter. Pluralismo y Constitución: estudios de la Teoría Constitucional de la sociedad abierta. Madrid: Tecnos, Dois mil e dois; Mendes, Gilmar. "Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional". Brasília, Volume Dois, Número Treze, junho de Mil novecentos e noventa e nove. Disponível em: < https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1011/995 > . Acesso em Nove de agosto de Dois mil e dezenove. Jellinek, George. Teoria general del Estado. Tradução da Segunda edição alemã por Fernando de los Rios. Buenos Aires: Albatros, Mil novecentos e setenta. 


*7 O direito à saúde é melhor detalhado e contextualizado em:



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