No campo das ideias políticas ( * vide nota de rodapé ), Thomas Hobbes defendeu, em sua obra Leviatã ( de Mil seiscentos e cinquenta e um ), em especial no Capítulo Quatorze, que o primeiro direito do ser humano consistia no direito de usar seu próprio poder livremente, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida ( *2 vide nota de rodapé ). É um dos primeiros textos que trata claramente do direito do ser humano, pleno, somente no estado da natureza. Neste estado, o homem é livre de quaisquer restrições e não se submete a qualquer poder. Contudo, Hobbes conduz sua análise para a seguinte conclusão: para sobreviver ao estado da natureza, no qual todos estão em confronto ( o homem seria o lobo do próprio homem ), o ser humano abdica desta liberdade inicial e se submete ao poder do Estado ( o Leviatã ). A razão para a existência do Estado consiste em dar segurança ao indivíduo ( *3 vide nota de rodapé ), diante das ameaças de seus semelhantes. Com base nesta espécie de contrato entre o homem e o Estado, justifica-se a antítese dos Direitos Humanos ( DH ), que é a existência do Estado que tudo pode. Hobbes admite, ainda, que eventualmente o Soberano ( identificado como o Estado ) pode outorgar parcelas de liberdade aos indivíduos, desde que queira. Em síntese, os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado. É claro que esta visão de Hobbes, em que pese a proclamação de um direito pleno no estado de natureza, o distancia da proteção atual de DH.
No mesmo Século Dezessete, outros autores defenderam a existência de direitos para além do estado da natureza de Hobbes. Em primeiro lugar, Hugo Grócio, considerado um dos pais fundadores do Direito Internacional, fez interessante debate sobre o direito natural e os direitos de todos os seres humanos. No seu livro O direito da guerra e da paz ( de Mil seiscentos e vinte e cinco ), Grócio defendeu a existência dos direito natural, de cunho racionalista - mesmo sem Deus, ousou dizer em pleno Século Dezessete - , reconhecendo, assim, que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano. Assim, é dada mais uma contribuição - de marca jusnaturalista - ao arcabouço dos DH, em especial no que tange ao reconhecimento de normas inerentes à condição humana.
Por sua vez, a contribuição de John Locke é essencial, pois defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado, um dos pilares do contemporâneo regime dos DH. Para Locke, em sua obra Segundo tratado sobre o governo civil ( de Mil seiscentos e oitenta e nove ) ( *4 vide nota de rodapé ). o objetivo do governo em uma sociedade humana é salvaguardar os direitos naturais do homem, existentes desde o estado de natureza justamente para que o Estado preserve os seus direitos existentes. Diferentemente do Hobbes, não é necessário que o governo seja autocrático. Pelo contrário, para Locke, o grande e principal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida ( *2 vide nota de rodapé ), à liberdade ( *5 vide nota de rodapé ) e à propriedade ( *6 vide nota de rodapé ). Logo, o governo não pode ser arbitrário e seu poder deve ser limitado pela supremacia do bem público. Neste sentido, os governados teriam o direito de se insurgir contra o governante que deixasse de proteger estes direitos. Além disto, Locke foi um dos pioneiros na defesa da divisão das funções do Poder, tendo escrito que "como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder, não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mão o poder de executar as leis, pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar a lei à sua vontade, tanto no momento de fazê-la quanto no ato de sua execução, e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade, contrários à finalidade da sociedade e do governo" ( *7 vide nota de rodapé ). Locke sustentou a existência do Poder Legislativo ( na sua visão, o mais importante, por representar a sociedade ), Executivo e Federativo, este último vinculado às atividades de guerra e paz ( política externa ). Quanto ao Poder Judiciário, Locke considerou-o parte do Poder Executivo, na sua função de executar as leis. Em síntese, Locke é um expoente do liberalismo emergente, tendo suas ideias influenciado o movimento de implantação do Estado Constitucional ( com separação das funções do poder e direitos dos indivíduos ) em vários países.
As ideias de Locke reverberaram especialmente no Século Dezoito, com a consolidação da burguesia em vários países europeus. O Estado Absolutista, que havia comandado as grandes navegações e o auge do capitalismo comercial, era, naquele momento, um entrave para o desenvolvimento ( *8 vide nota de rodapé ) futuro do capitalismo europeu, que ansiava por segurança jurídica e limites à ação autocrática ( e com isto imprevisível ) do poder.
Na França, o reformista Abbé Charles de Saint-Pierre defendeu, em seu livro Projeto de paz perpétua ( de Mil setecentos e treze ), o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial.
Surgiu, então, a obra Do contrato social ( de Mil setecentos e sessenta e dois ) de Jean-Jacques Rousseau, que defendeu uma vida em sociedade baseada em um contrato ( o pacto social ) entre homens livres e iguais, que estruturaram o Estado para zelar pelo bem-estar da maioria. A igualdade ( *9 vide nota de rodapé ) e a liberdade são inerentes ao seres humanos, que, com isto, são aptos a expressar sua vontade e exercer o poder. A pretensa renúncia à liberdade e à igualdade pelos homens nos Estados autocráticos ( base do pensamento de Hobbes ) é inadmissível para Rousseau, uma vez que tal renúncia seria incompatível com a natureza humana.
Para Rousseau, portanto, um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população, pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar á natureza humana. A inalienabilidade dos DH encontra já eco em Rousseau, que, consequentemente, combate a escravidão ( *10 vide nota de rodapé ) ( aceita por Grócio e Locke, por exemplo ). Quanto à organização do Estado, Rousseau sustentou que os governos devem representar a vontade da maioria, respeitando ainda os valores da vontade geral, contribuindo para a consolidação tanto da democracia representativa quanto da possibilidade de supremacia da vontade geral em face de violações de direitos oriundos de paixões de momento da maioria. As ideias de Rousseau estão inseridas no movimento denominado Iluminismo ( tradução da palavra alemã Aufklärung; o Século Dezoito seria o "século das luzes" ), no qual autores como Voltaire, Diderot e D'Alembert, entre outros, defendiam o uso da razão para dirigir a sociedade em todos os aspectos ( *11 vide nota de rodapé ), questionando o absolutismo e o viés religioso do poder ( o rei como filho de Deus ) tidos como irracionais.
Por sua vez, Cesare Beccaria defendeu ideias essenciais para os DH em uma área crítica: o Direito Penal. Em sua obra Dos delitos e das penas ( de Mil setecentos e sessenta e seis ), Beccaria sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal e balizando o jus puniendi, com influência até dos dias de hoje.
Kant, no final do Século Dezoito ( em Mil setecentos e oitenta e cinco ) ( *12 vide nota de rodapé ), defendeu a existência da dignidade ( *13 vide nota de rodapé ) intrínseca a todo ser racional, que não tem preço ou equivalente. Justamente em virtude desta dignidade, não se pode tratar o ser humano como um meio, mas sim com um fim em si mesmo. Este conceito kantiano do valor superior e sem equivalente da dignidade humana será, depois, retomado no regime jurídico dos DH contemporâneos, em especial no que tange à indisponibilidade e à proibição de tratamento do homem como objeto.
Quadro sinótico
O debate das ideias: Hobbes, Grócio, Locke, Rousseau e os iluministas
1) Thomas Hobbes ( Leviatã - escrito em Mil seiscentos e cinquenta e um ): é um dos primeiros textos que versa claramente sobre o DH, que ainda é tratado como sendo pleno no estado de natureza. Mas Hobbes conclui que o ser humano abdica de sua liberdade inicial e se submete ao poder do Estado ( o Leviatã ), cuja existência justifica-se pela necessidade de se dar segurança ao indivíduo, diante das ameaças de seus semelhantes. Entretanto, os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado.
2) Hugo Grócio ( Da guerra e da paz - escrito em Mil seiscentos e vinte e cinco ): defendeu o direito natural , de cunho racionalista, reconhecendo, assim, que suas normas decorrem de "princípios inerentes ao ser humanos".
3) John Locke ( Tratado sobre o governo civil - escrito em Mil seiscentos e oitenta e nove ): defendeu o dirieto dos indivíduos mesmo contra o Estado, um dos pilares do contemporâneo regime dos DH. O grande e princopal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Logo, o governo não pode ser arbitrário e deve seu poder ser limitado pela supremacia do bem público.
4) Abbé Charles de Saint-Pierre ( Projeto de paz perpétua - escrito em Mil setecentos e treze ): defendeu o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial.
5) Jean-Jacques Rousseau ( Do contrato social - escrito em Mil setecentos e sessenta e dois ): prega que a vida em sociedade é baseada em um contrato ( o pacto social ) entre homens livres e iguais ( qualidade inerentes aos seres humanos ), que estruturam o Estado para zelar pelo bem-estar da maioria. Um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população, pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar à natureza humana, sendo inadmissível.
6) Cesare Beccaria ( Dos delitos e das penas - escrito em Mil setecentos e sessenta e seis ): sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal, balizando os limites do jus puniendi que reverberam até hoje.
7) Kant ( Fundamentação da metafísica dos costumes - escrito em Mil setecentos e oitenta e cinco ): defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional, que não tem preço ou equivalente. Justamente em virtude desta dignidade, não se pode tratar o ser humano como um meio, mas sim como um fim em si mesmo.
P.S.:
Notas de rodapé:
*A impossibilidade de ser fazer política a partir dos DH é melhor detalhada em:
*2 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*3 a justificativa para a criação do Estado é melhor detalhada em:
*4 Locke, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil ( do ano de Mil seis centos e oitenta e nove ). Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, Mil novecentos e noventa e quatro.
*5 O direito à liberdade é melhor detalhado em:
*6 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*7 Locke, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil ( Mil seiscentos e oitenta e nove ). Parágrafo Cento e quarenta e três. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, Mil novecentos e noventa e quatro.
*8 O direito ao desenvolvimento é melhor detalhado em:
*9 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*10 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .
*11 Binetti, Saffo Testoni. Iluminismo. In: Bobbio, Norberto; Mateucci, Nicola: Pasquino, Gianfrancesco ( Coordenadores ). Dicionário de política. Tradução João Ferreira. Quarta edição. Brasília: Universidade Nacional de Brasília ( UnB ), Mil novecentos e noventa e dois, Volume Primeiro, Página Seiscentos e cinco a Seiscentos e onze.
*12 Kant, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes ( de Mil setecentos e oitenta e cinco ). Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, ano de Mil novecentos e sessenta e quatro.
*13 O direito à dignidade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
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