segunda-feira, 13 de maio de 2019

Desenvolvimento: a produção pré-industrial como base para a escalabilidade

"O grande erro de Gandhi foi defender a roda de fiar", disse um influente economista do governo indiano."Ela é eficiente demais. Com o desemprego e o subemprego que temos em nossos vilarejos, a tecnologia realmente apropriada é o fuso manual, a polia.". No entanto, dificilmente é assim que os moradores dos vilarejos indianos definem tecnologia apropriada para eles.

O que Peter F. Drucker diza mais tê-lo impressionado quando, no inverno de mil novecentos e setenta e oito e mil novecentos e setenta e nove ( no hemisfério norte, o mesmo inverno começa num ano e termina no outro, como é o verão no hemisfério sul ) viajou por seis semanas pela região rural da Índia não foi a pobreza generalizada nem o desemprego palpável; ele dizia já esperar isto. O que ele dizia não esperar, porém, eram as quatro ou cinco bicicletas novinhas em folha apoiadas do lado de fora de casebres paupérrimos - e nenhuma delas presa com corrente ou cadeado. Ainda pode haver mais carroças puxadas por bois do que bicicletas na região rural da Índia; decerto ainda há infinitamente mais carros de bois do que pequenos tratores. Mas o que move a Revolução Verde na Índia, o que deu ao subcontinente um superávit de alimentos pela primeira vez em seus milhares de anos não é o pau de cavar ou o arado de madeira. É o onipresença de bomba de gasolina nos poços e nas valas de irrigação de uma terra árida.

De cada carro de boi, de cada carroça puxada por camelo, de cada pedicab ( ou ciclotáxi - pequeno triciclo coberto movido a pedal para transporte de passageiros ) e de cada cadeirinha no lombo de um elefante emanam os acordes de um rádio transistor. E a barraca mais cheio, em todos os incontáveis mercados dos vilarejos, é aquela que vende lambretas a prestação.

Por mais que doa ao economista do governo indiano e a seu chefe, o primeiro-ministro, a bicicleta, o rádio transmissor, a bomba de gasolina e a lambreta - e não a roda de fiar, e muito menos a roca da polia da roda de fiar - são de fato a tecnologia apropriada para a Índia e para a maioria dos países em desenvolvimento. Estas tecnologias, por exemplo, criam empregos e poder de compra - a roca destruiria ambos.

Ninguém na Índia conseguiu dizer a Drucker qual era a política econômica do governo. As únicas ações governamentais são a expansão das empresas já grandes do governo, o crescimento desenfreado de uma burocracia já obesa e mais regras burocráticas. O governo e seus ministros não chegam a acordo algum e não têm política alguma. Somas substanciais estão sendo alocadas para os vilarejos, mas sem programas, e muito menos metas. Mas há uma retórica difusa de pequenez e de antitecnologia.

O primeiro-ministro da Índia da época ( isto é, antes do retorno de Gandhi ao poder ), Morarji Desai, de oitenta e quatro anos de idade, mas aparentando cinquenta e cinco ( o que ele atribui a comer somente verduras e legumes crus e amassados, e a beber sua própria urina ), fez a Drucker uma pregação de que "small is beautifull" ( o bom é ser pequeno ), sobre desenvolvimento rural e sobre a tecnologia apropriada ( ou seja, pré-industrial )". É esta retórica que seu assessor econômico repete quando aconselha a volta da polia da roda de fiar. Basicamente a mesma retórica pode ser ouvida agora em muitos países em desenvolvimento, por exemplo, na Indonésia ou nos fundamentalistas islâmicos do Irã. É mais ou menos a mesma retórica que estava por trás do desastroso Grande Salto à Frente na China maoista há sessenta anos, com sua ênfase nos vilarejos e os fornos de fundição de aço de fundo de quintal.

Como reação à ilusão do "quanto maior, melhor" que tomou conta dos governos indianos anteriores, em especial de Hehru, a ênfase de Desai na Índia rural estava fadada a acontecer. Os governos anteriores negligenciaram os vilarejos, onde noventa por cento dos então quinhentos e cinquenta milhões de habitantes da Índia ainda viviam à época. Mas o conceito de "o bom é ser pequeno" é tão ilusão quanto o "quanto maior, melhor". O apropriado não é aquilo que usa mais capital ou mais mão de obra; não é aquilo que é pequeno ou grande, pré-industrial ou uma maravalha científica. O apropriado é muito o que torna mais produtivos os recursos da economia. O apropriado em um país de população gigantesca ( hoje na casa do bilhão ) e rápido crescimento populacional é aquilo que multiplica os empregos produtivos. Desenvolvimento, num país que, como na Índia, tem consideráveis recursos de capacidade administrativa e empreendedora, e ao mesmo tempo imensas necessidades de consumo não atendidas, é seja lá o que for que crie poder de compra.

Aciarias ou usinas siderúrgicas, aqueles prestigiosos investimentos da década de sessenta nos quais governos indianos anteriores despejaram enormes nacos dos escassos recursos de capital da país, estão se tornando os elefantes brancos das décadas de setenta e oitenta. Usinas siderúrgicas são uma tecnologia imprópria para um país como a Índia. Elas são altamente intensivas em capital, em lugar de intensivas em mão de dobra. Elas fornecem ma commodity amplamente ofertada no mercado mundial e amplamente disponível a um preço baixo. Acima de tudo, elas não criam praticamente nenhum emprego além daqueles da própria usina.

Mas a indústria automobilística - carros de passageiros, motocicletas leves, caminhos e tratores - provavelmente é o mais eficiente multiplicador de empregos que existe. Suas próprias fábricas têm uma relação capital-trabalho razoavelmente alta, além do que o setor gera cerca de quatro a cinco empregos secundários ou terciários por toda a economia, para cada emprego na fábrica.

Da mesma forma, fabricar rádios transistores exige tanto uma base industrial grande como um sistema de revenda grande; a ambos multiplicam empregos e criam poder de compra. E, como a indústria automobilística, ambos criam capital humano, isto é, qualificações acessíveis aos não instruídos. Poder-se-ia dizer o mesmo da fabricação de fertilizantes sintéticos ou de produtos farmacêuticos ou de pesticidas - todos exigem grandes empreendimentos e distribuição e atendimento de âmbito nacional ( ademais, estes produtos, juntamente com a bomba de gasolina, são a base dos dois grandes sucesso da Índia desde a sua independência: o rápido aumento da produção de alimentos e a rápida diminuição da mortalidade infantil ).

Igualmente apropriado como criador de produtividade e gerador de empregos e poder de compra é o fabricante de cosméticos, que pode ser bem pequeno. Drucker dizia ter visto uma empresa de cosméticos multinacional de grande sucesso em Bangalore, a qual, com vinte empregados, produz cinco vezes mais divisas por rupia ( moeda local ) de investimento ou vendas do que qualquer das gigantescas estatais indianas.

As décadas de desenvolvimento de cinquenta e sessenta veneravam o investimento de capital. A maior prova desta superstição é The Stages of Economic Growth ( Os estágios do crescimento econômico ) que Walt W. Rostow - que mais tarde se tornaria assessor para assuntos de política externa do presidente dos Estados Unidos da América - EUA- Lyndon Johnson ( que sucedeu John F. Kennedy ) - escreveu no início da década de sessenta e que se tornou a bíblia dos países em desenvolvimento. Rostow proclamava que o desenvolvimento é uma função automática e direta do tamanho do investimento de capital. Mas isto não é produtividade; é desperdício e incompetência. Hoje, há uma tendência a definir a produtividade como o que ser quer que use mais mão de obra - especialmente os países em desenvolvimento, com suas imensas populações jovens e desempregadas, mas os países pobres não têm superávit para distribuir.

Mas isto, também, é incompetência. Produtividade é o que quer que gere o maior rendimento total dos recursos de capital, mão de obra, físicos e de tempo de uma economia. Isto dará também o maior número de empregos e o máximo poder de compra. Inclusive trará a menor desigualdade possível na distribuição das rendas obteníveis em dada etapa do desenvolvimento econômico. E certamente os países pobres não têm condição de sustentar pessoas improdutivas - isto é, pessoas que parecem ocupadas enrolando tufos de algodão num bastão de madeira. Os países ricos podem conseguir manter pessoas improdutivas ganhando como desempregadas, mas os países pobres não têm superávit para distribuir.

Acima de tudo, os trovadores do "o bom é ser pequeno" esquecem - como também uma parcela tão grande do pessoal de Washington - que uma economia saudável e uma sociedade e uma sociedade saudável precisam dos dois, do grande e do pequeno. Na realidade, os dois são interdependentes, tanto no país desenvolvido como no país em desenvolvimento. Só pode haver o fabricante o fabricante pequeno em um mercado grande - seja ele dos EUA ou da Índia - se houver uma grande montadora ou um grande varejista, uma IBM, uma GMC, uma Sears Roebuck. É somente em seus produtos ou em suas lojas que a produção dos pequenos pode chegar ao mercado. Mas também não existiria uma GMC se não fosse a existência de uma infinidade de pequenas oficinas de usinagem e fundição, e do grande número de pequenos fornecedores de peças ou de representantes locais, postos de serviços e oficinas de reparos.

A pesquisa farmacêutica exige empresas grandes, senão enormes. Mas as vendas de produtos farmacêuticos dependem de umas duzentas mil drogarias e de uns duzentos mil médicos  - cada um necessariamente descentralizado e efetivamente autônomo. O desenvolvimento rural da Índia significa não somente organizações de comercialização nacional dos produtos dos vilarejos, como também instituições bancárias e de crédito nacionais. Significa postos de serviços enormes. Acima de tudo - algo que os defensores do "o bom é ser pequeno" convenientemente sempre ignoram - , significa burocracias governamentais centralizadas, as quais certamente não poderiam ser chamadas de pequenas, quer mereçam ou não ser chamadas de boas.

Nenhum destes argumentos, já temia Drucker, causou grande impacto no economista do governo indiano da época nem, conforme percebeu, teriam eles causado grande impacto em seu primeiro-ministro da época. Mas tendo já os indianos a bicicleta, a lambreta, o rádio transistor e as bombas de gasolina, será que eles realmente voltarão para a roca ( máquina primitiva manual de converter fibras naturais em fios para depois virarem tecidos )? Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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