Coube ao advogado Douglas Borba ( do Partido Progressista - PP ) ser o último a falar na longa acareação iniciada na tarde de terça-feira ( nove de junho de dois mil e vinte ) e que avançou pelo início da madrugada em mais uma maratônica reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito ( CPI ) dos ventiladores mecânicos na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina - SC ( ALESC ) ( * vide nota de rodapé ) . Abatido, ele ressaltou que muitos foram os erros que levaram à desastrosa, palavra dele, compra dos duzentos ventiladores mecânicos com pagamento antecipado de trinta e três milhões de reais. Mas, ressaltou, mais ainda, que era ele - Borba - o único que sairia dali de volta para a cela da Diretoria Estadual de Investigações Criminais ( DEIC ) da Polícia Civil do Estado de SC ( PCSC ).
A fala se dirigia aos colegas de acareação, antes colegas de governo, Helton Zeferino ( ex-secretário de Estado da Saúde - SES ) e Márcia Regina Pauli ( ex-superintendente de gestão administrativa - SGA da SES ). Era do conflito nas versões deste trio que se esperava elucidar o que deu errado - e quem são os culpados - em uma compra já se pode chamar de imprudente, amadora e inaceitável, mas que ainda se busca comprovar a existência de má-fé, corrupção.
Borba é acusado de ter intermediado a chegada da proposta da improvável Veigamed à SES, colocando um advogado amigo de Biguaçu ( município da Região Metropolitana da Capital de SC ) em contato com Márcia. Ela relata pressão por parte de Borba, ex-homem forte do governo Carlos Moisés da Silva ( do Partido Social Liberal - PSL ) e, ao mesmo tempo, que Zeferino deu o aval para a negociação. Zeferino diz que não autorizou o pagamento antecipado, pelo qual responsabiliza a servidora.
Em sua fala final, Borba disse que nunca acreditou que Márcia e Zeferino tivessem errado de propósito - mas que o conflito nas versões deles era em parte responsável por ele estar preso preventivamente. Não apenas, já que Borba foi preso na segunda fase da Operação Ó Dois ( *2 vide nota de rodapé ) por estar supostamente obstruindo a investigação ao apagar mensagens que trocou com outros investigados. Na quarta-feira ( dez de junho de dois mil e vinte, vazaram fotos dele com o uniforme laranja característico do sistema prisional, após a transferência da DEIC para o presídio. Se alguém previsse esta cena em janeiro de dois mil e vinte, seria chamado de maluco ou exagerado.
Borba iniciou dois mil e vinte vivendo o auge de uma meteórica trajetória na política catarinense. Era tido como o principal nome do governo Silva: articulador político, supervisor de gestão, porta-voz das decisões do governador. O governo vivia seu grande momento também, com a reabertura da Ponte Hercílio Luz - nada parecia impossível à chamada nova política.
Foi naquela época que Borba passou a acumular a chefia da Casa Civil com a secretaria-geral do PSL catarinense, no momento em que o partido esvaziou com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de deixar a legenda. Cabia ao secretário-geral fazer o PSL-SC ter “a cara do governador” nas eleições municipais. Na prática, as tarefas no partido e no governo conflitaram, criaram atritos na frágil base parlamentar conquistada no primeiro ano de mandato - incomodada com o assédio a aliados no interior. Mas isto, por si só, não permitia vislumbrar a mudança de cenário que viria.
Borba era vereador em Biguaçu, quando apareceu altivo, confiante e otimista ao lado do então candidato Silva nos debates do segundo turno das eleições para governador em dois mil e dezoito. A cena era por demais improvável para não gerar curiosidade: de um lado, o candidato desconhecido e um vereador de pequena cidade; de outro, toda a estrutura do experiente e articulado Gelson Merisio representada pela presença a seu lado do marqueteiro Fábio Veiga. Naquele momento, no entanto, os improváveis eram favoritos e a vitória veio com setenta e um por cento dos votos - colada aos setenta e cinco por cento alcançados por Bolsonaro entre os catarinenses naquele segundo turno.
Depois de um primeiro ano sem crises reais ou sobressaltos, dois mil e vinte trouxe o breve auge e depois a inimaginável pandemia do coronavírus. Em poucos meses, o governo da nova política teve de aprender a ser vidraça. A corajosa decisão de promover amplas restrições à circulação de pessoas logo que foram detectados os primeiros casos no Estado, em março de dois mil e vinte, fez Silva enfrentar resistências fortes e inevitáveis dos setores econômicos prejudicados e dos antigos aliados bolsonaristas - com o presidente liderando uma cruzada contra as restrições aplicadas por governadores.
Foi nesse momento, com o Estado parado pelas medidas de Silva, o medo do avanço da doença e o grito dos inconformados com as restrições que a SES promoveu as desesperadas tentativas de importação de ventiladores mecânicos através da Veigamed e da Intelbrás - esta abortada antes que houvesse maior prejuízo.
Ainda há tempo para saber até onde vai este capítulo da história política catarinense. Se a força-tarefa que reúne PCSC, Ministério Público do Estado de SC ( MPSC ) e Tribunal de Contas do Estado de SC ( TCE / SC ) vai ou não encontrar as provas de que mais do que uma imensa trapalhada administrativa há também desvio de dinheiro e outros crimes contra o Estado - a principal pergunta. O quanto Silva sabia ou participava das decisões - outra pergunta importante. Se tudo isto levará a um processo de impeachment, como já enfrenta o governador Wilson Witzel ( PSC ) no Rio de Janeiro ( RJ ), saberemos nos próximos meses. Uma coisa, no entanto, já podemos dizer e independe das comprovações de culpa dos envolvidos. Borba não volta mais ao jogo.
Ao encerrar a acareação na CPI, já madrugada de quarta-feira, prestes a voltar para uma cela de prisão, Borba parecia entender isso. O político de Biguaçu foi do céu ao inferno em menos de dois anos, poucas vezes alguém acumulou tanto poder em tão pouco tempo na história de SC - e nunca ninguém perdeu tudo tão rápido.
O trabalho como jornalista fez Upiara Boschi conversar muitas vezes com Borba entre outubro de dois mil e dezoito e o início da pandemia. Mais de uma vez, ao ouvir projetos, estratégias, articulações, respondeu ao então chefe da CC que ele era muito otimista. Ele respondia que gostava de ser otimista. Talvez, no futuro, olhe-se para Borba como a versão catarinense de Ícaro - aquele personagem da mitologia grega que construiu asas e realizou o sonho de voar, mas acabou morto pelo próprio sonho por chegar perto demais do Sol. Ícaro também era muito otimista.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A acareação é melhor detalhada em:
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-cpi-da-alesc-faz-acareacao.html .
*2 A operação Ó Dois é melhor detalhada em:
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-mpsc-ve-crime-de-lavagem-de.html .
Com informações de:
Upiara Boschi do jornal Diário Catarinense ( DC ) .
*2 A operação Ó Dois é melhor detalhada em:
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-mpsc-ve-crime-de-lavagem-de.html .
Com informações de:
Upiara Boschi do jornal Diário Catarinense ( DC ) .
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