O governo do Estado de Santa Catarina ( SC ) tentou pedir a devolução dos trinta e três milhões de reais pagos de forma adiantada à empresa Veigamed quando percebeu que poderia não receber os duzentos ventiladores mecânicos ( * vide nota de rodapé ) contra covid-dezenove no prazo contratado. Os contatos foram feitos antes de a polêmica compra vir à tona em reportagem publicada pelo portal The Intercept Brasil, no fim de abril de dois mil e vinte.
Os pedidos ocorreram em troca de mensagens entre a servidora Márcia Geremias Pauli, superintendente que respondia pelo setor de compras da Secretaria de Estado da Saúde ( SES ), e o empresário Fábio Guasti, apontado como representante da empresa Veigamed durante todo o processo de aquisição dos ventiladores mecânicos.
Desde o dia vinte e dois de março de dois mil e vinte os dois trocavam informações sobre a compra dos respiradores e também sobre orçamentos de outros produtos que o Estado precisava durante o início da pandemia, como monitores e máscaras. Estas compras acabaram não indo adiante após a servidora considerar “exorbitantes” os preços apresentados pela empresa.
Ainda em vinte e dois de março de dois mil e vinte, Guasti ofereceu ao Estado a compra de respiradores do modelo Shangrila quinhentos e dez S, mas retirou a proposta no dia seguinte alegando que os itens já haviam sido vendidos.
– Se eu conseguir o lote, vocês têm que ter velocidade para a gente fazer o travamento das peças – pressionou Guasti em mensagem de áudio a Márcia.
Os modelos são exatamente os que acabaram sendo adquiridos depois no mesmo processo de compra, firmado cinco dias depois, em vinte e sete de março de dois mil e vinte. Antes de o Estado fechar esta compra, Guasti chegou a oferecer outro lote de cem respiradores, novamente pressionando para um pagamento em tempo recorde.
– A fábrica não segura, a gente não tem exclusividade. Vê com ele antes que esses cem vá embora também – disse em áudio no aplicativo Whatsapp.
Após o Estado confirmar o interesse em comprar os duzentos respiradores ofertados em uma nova proposta, Guasti inicialmente enviou documentos de outra empresa para oficializar a venda com o Estado. Somente em vinte e seis de março de dos mil e vinte ele encaminhou dados da empresa Veigamed. Segundo ele, a alteração ocorreu “por causa de representação comercial”, porque a empresa anterior não poderia vender para SC.
Mesmo depois da compra firmada, Guasti continuou pressionando pelo pagamento antecipado por parte do Estado.
– Estou com dificuldade mesmo, não tô blefando, não. Tenho quinhentos ventiladores mecânicos para vir junto deste lote. Se complicar isso aí, imagina... (...) Me ajuda, pelo amor de Deus. Vai lá com esta nota fiscal, entrega para ele ( servidor responsável pelo pagamento ), faz ele fazer o pagamento lá, a ordem, e me dá esta ordem aqui – disse, novamente em áudio.
Estado passou a cobrar por devolução de dinheiro
Depois que o Estado fez o pagamento dos trinta e três milhões de reais, em primeiro de abril de dois mil e vinte, a situação se inverteu e passou a ser o governo de SC quem pressionou a empresa para tentar recuperar o dinheiro pago antecipadamente. Tudo pelas conversas via Whatspp com a servidora do setor de compras da Secretaria de Saúde.
O primeiro questionamento foi feito no dia três de abril de dois mile vinte, dois dias após o pagamento à empresa. Márcia disse que o secretário da SES, Helton Zeferino, estaria questionando ela sobre a cópia da invoice ( proposta de compra de um produto no exterior, a ser importado ). Guasti tentou tranquilizar a servidora.
- Fala para ele ( secretário da SES ) que a gente está fazendo ainda o pagamento em renminbi ( moeda chinesa ) para pegar o invoice. O dinheiro entrou pra nós agora duas da tarde. Na China, é duas da manhã. Pode ficar tranquila que assim que a gente fizer, o dinheiro já foi para fazer o pagamento em renminbi, já converteu a moeda, então para aguardar que vai chegar o invoice e o rastreio. A empresa que está importando é a mesma que vende para o Einstein, para o hospital de campanha de São Paulo ( SP ), para a rede d'Or do Rio de Janeiro ( RJ ). Pode ficar tranquila, tá. Vão chegar os equipamentos – afirmou.
Segundo documentos obtidos na investigação, no entanto, os primeiros respiradores só foram comprados quinze dias depois, no dia dezesseis de abril de dois mil e vinte, com a empresa TS Eletronics, de Itajaí-SC, que utilizou ainda outra intermediária para fazer a importação dos equipamentos da China.
Um dia após a mensagem anterior, em três de abril de dois mil e vinte, Guasti diz que um representante dele faria contato com Márcia.
Ninguém menciona o nome da pessoa, mas a investigação aponta que neste período, início de abril de dois mil e vinte, foi quando o advogado Leandro Adriano de Barros teria entrado em contato com a servidora Márcia para tranquilizá-la e afirmar que a empresa iria entregar os ventiladores mecânicos. Barros, segundo a investigação, também teria sido indicado à servidora pelo ex-chefe da Casa Civil ( CC ), o advogado Douglas Borba ( do Partido Progressista - PP ).
No dia seguinte, Márcia convida Guasti para uma reunião na sede da Defesa Civil ( DC ) para falar sobre a entrega dos equipamentos. Guasti diz que enviaria um “gerente” – trata-se, segundo a investigação, de Gilliard Gerent, morador de Biguaçu ( município da Região Metropolitana da Capital de SC ) e que também teria relação em redes sociais com Borba, conforme a investigação.
Dois dias após a reunião, em seis de abril de dois mil e vinte, Márcia sobe o tom e diz que precisa anexar ao processo “alguma comprovação da compra” dos ventiladores mecânicos. Guasti diz que enviaria até a tarde, mas não enviou.
– Tem garantia, melhor do que chinês. Eu entrego amanhã para vocês, está aqui em São Paulo no meu galpão. É o mesmo preço, não precisa mexer nem para cima nem pra baixo. (...). É equivalente ao que vocês compraram, mas a marca é muito melhor.
Márcia responde que esse modelo não serviria e que seria dedicado apenas a transporte. E volta a cobrar o envio da invoice comprovando a compra dos respiradores. Fabio novamente promete para o dia seguinte, e não envia.
esponde agora que na verdade só estariam “há
vinte e quatro horas com o dinheiro”, mas que ele já teria sido enviado à China.
– A gente vai fazer a entrega do produto, já gastamos muito dinheiro para voltar atrás – afirmou, em um áudio, seguido de outro:
– Vocês vão aguardar o prazo. Estamos no nosso tempo, o dinheiro caiu segunda-feira. Vamos buscar a máquina para vocês. Avisa o secretário que fizemos um processo de concorrência, mandamos nosso preço e nosso prazo, a partir do ato do pagamento. E o ato do pagamento foi sexta-feira à tarde. Então pede para aguardar que nós vamos trazer os ventiladores mecânicos.
"Somos do bem, só não gostamos que fiquem fazendo pressão", disse empresário
No dia dez de abril de dois mil e vinte, Márcia ainda enviou mensagens pedindo informações sobre a compra ou devolução dos recursos. E lembrou que o cronograma de entrega já estava atrasado – os primeiros respiradores deveriam chegar até dia sete de abril de dois mil e vinte.
- O sr. percebe que a SES aprovou a proposta com valor unitário (...) unicamente pela garantia da entrega do primeiro lote ( cem unidades ) entre cinco e sete de abril de dois mil e vinte? – afirmou a servidora.
Guasti responde dizendo que o Estado teria “perdido o prazo” e que ele estaria “correndo atrás” para entregar o "mais breve possível".
– Nós perdemos tempo, tomamos decisões desamparadas de rito com as garantias de entregas que não ocorreram. Estou comprometendo a assistência – pressionou a servidora.
Fábio reclamou da pressão que passou a ocorrer pela entrega ou devolução dos recursos.
– Nós somos do bem, só não gosto que fiquem fazendo pressão. Não precisa fazer pressão, já demonstramos que temos capacidade de entregar – disse.
O último contato ocorreu no dia vinte e três de abril de dois mil e vinte, quando Guasti disse que os respiradores seriam embarcados no dia vinte e nove de abril de dois mil e vinte. Os primeiros cinquenta ventiladores mecânicos, no entanto, só embarcaram no dia onze de maio de dois mil e vinte e ainda estão retidos pela Receita Federal do Brasil no aeroporto de Florianópolis-SC por falta da licença de importação. Estes produtos foram alvo de uma apreensão determinada pela Justiça. Os outros cento e cinquenta ventiladores mecânicos comprados sequer deixaram a China até o momento.
O que diz a defesa do empresário
Em nota divulgada nesta quarta-feira ( vinte e sete de abril de dois mil e vinte ), a defesa de Guasti afirmou que as conversas com a servidora Márcia demonstram preocupação com a entrega dos respiradores e que a alegada "pressão" para fechar negócio seria para dar garantias a fornecedores e assegurar a compra em um momento de grande concorrência por produtos relacionados à covid-dezenove.
A nota define ainda que as conversas foram republicanas e transparentes, e que demonstrariam que não houve qualquer ilicitude na negociação.
"Guasti acredita que tudo será esclarecido e confia que o Poder Judiciário também será firme na separação das verdades e mentiras que são apresentadas neste caso. O processo de negociação realizado pelas partes foi feito de maneira transparente, com lisura, lícito e que estas são garantias que ele, como intermediário da negociação entre as partes, pode dar", afirma um trecho da nota.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A compra dos ventiladores mecânicos é melhor detalhada em:
https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2020/06/epidemia-ses-de-sc-diz-que-respiradores.html .
Com informações de:
Jean Laurindo ( jean.laurindo@somosnsc.com.br ) .
Com informações de:
Jean Laurindo ( jean.laurindo@somosnsc.com.br ) .
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