Jair Bolsonaro elevou a prática das rachadinhas ao estado da arte da corrupção. O orçamento clandestino de R$ 3 bilhões montado no fim de 2020 para barganhar apoio no Congresso Nacional foi denunciado em reportagens do jornal ‘O Estado de São Paulo’. Batizado de “bolsolão” e “tratoraço”, pois boa parte das negociatas envolve a compra de máquinas agrícolas por preços superfaturados, o escândalo revela o atropelo de pelo menos três pontos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), motivo concreto para a abertura de processo de impeachment.
Atual líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ) anunciou que o grupo de parlamentares entrará com representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) para que investiguem o escândalo. Molon classificou de “gravíssimas” as denúncias e atacou a nova modalidade de “toma lá dá cá” criada pelo moralista de ocasião Bolsonaro.
“A ‘nova política’ de Bolsonaro é distribuir R$ 3 bilhões para aliados por debaixo dos panos, num esquema que envolve um orçamento secreto para fins suspeitos, como tratores superfaturados e repasses de verba para outros estados, longe das bases dos parlamentares”, comentou o senador Humberto Costa (PT-PE) em seu perfil no Twitter.
O deputado federal José Guimarães (PT-CE) também criticou o “tratoraço”. “O governo Bolsonaro topa tudo para evitar o impeachment, até mesmo orçamento paralelo de R$ 3 bilhões para compra de trator superfaturado. Queria ver esse empenho para comprar vacina e pagar auxílio emergencial digno!”, atacou Guimarães.
A série de reportagens se baseia em 101 ofícios encaminhados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional, descrevendo como eles queriam utilizar a verba pública. Alguns se referiam a sua “cota” para definir a destinação dos recursos. O esquema “tratorou” a atribuição de ministros de Estado de definir onde e como aplicar os recursos, driblando o controle do TCU.
O jornal lembrou que, oficialmente, o próprio Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda (chamada RP9), criado no seu governo, por “contrariar o interesse público” e estimular o “personalismo”. “Os acordos para direcionar o dinheiro não são públicos, e a distribuição dos valores não é equânime entre os congressistas, atendendo a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo”, revela o repórter Breno Pires.
Trinta e quatro anos em um
Todo ano os parlamentares podem indicar como serão aplicados até R$ 8 milhões anuais do Orçamento da União. O valor é correspondente à metade da cota total de emendas impositivas individuais de deputados e senadores. A outra metade, obrigatoriamente, vai para a saúde.
Pelas regras orçamentárias, os valores devem ser aplicados pelo governo via seleção de projetos com critérios técnicos, consideradas as condições socioeconômicas das localidades. Mas pelo menos 37 deputados e cinco senadores driblaram os limites. Entre eles, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o ex-líder do governo na Câmara Vitor Hugo (PSL-GO).
Alcolumbre foi o maior beneficiado pelo esquema. Ele direcionou a aplicação de R$ 277 milhões do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, assumindo a função do ministro Rogério Marinho. Se cumprisse as regras das emendas parlamentares individuais, ele levaria 34 anos para atingir esse valor.
O ex-presidente do Senado também destinou R$ 10 milhões a obras e compras fora do próprio estado. Dois tratores vão para cidades no Paraná, a 2,6 mil quilômetros do Amapá. O governo concordou em comprar as máquinas por R$ 500 mil, quando pelo preço de referência sairiam por R$ 200 mil. Outros parlamentares fizeram o mesmo.
Superfaturamento de 295%
Dos R$ 3 bilhões do orçamento secreto bolsonarista, pelo menos R$ 271,8 milhões foram dirigidos à aquisição de tratores, retroescavadeiras e equipamentos agrícolas por prefeituras. Do total de gastos com as compras rastreadas pela reportagem, apenas 12 apresentaram preços dentro da tabela de referência. Outros 361 itens chegavam a custar até 295% acima dos parâmetros definidos pelo próprio governo.
Dos R$ 132 milhões de compras de máquinas pesadas passíveis de análise, 81%, ou R$ 107,1 milhões, foram para contratos identificados com preços acima da tabela. O valor global é de R$ 23 milhões a mais do que se a compra respeitasse a tabela.
Não foi possível obter informações sobre uma boa parte das aquisições que serão feitas pelos órgãos vinculados ao ministério. A falta de detalhamento ocorreu especialmente nas compras da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).
Questionados, deputados e senadores negaram o direcionamento dos recursos ou se recusaram a prestar informações. Eles admitiram o esquema apenas quando confrontados com ofícios assinados por eles e a planilha do governo.
Na prática, afirma a reportagem, o novo esquema nasceu do discurso bolsonarista de não distribuir cargos para não “lotear” o primeiro escalão do governo. O toma lá dá cá acabou se dando por meio da terceirização do Orçamento da União. “Tudo a portas fechadas, longe do olhar dos eleitores”, concluiu o repórter.
Com informações de pt.org.br .
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