terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Fusões e aquisições: a origem do dinheiro que financia a hostilidade

A vulnerabilidade das vítimas não explica, por si só, como os raiders ( * vide nota de rodapé ) financiam sua compra. Para montar uma proposta de aquisição hostil de uma grande empresa, é preciso ter um cofre gigantesco. O mínimo de que se necessita para atacar uma empresa de grande porte é um bilhão e meio de dólares. Em alguns casos recentes, este valor chegou a quatro bilhões de dólares. E, como regra, deve ser em dinheiro. Certamente, se a proposta for bem-sucedida, então a empresa-alvo paga. Mas o dinheiro deve estar disponível desde o princípio, isto é, quando ainda não se tem certeza de que a proposta terá sucesso. Se a proposta for aceita por um indivíduo, como tem sido cada vez mais frequente nos últimos anos, geralmente não haverá qualquer garantia pela soma que o raider ( * vide nota de rodapé ) deve pegar emprestado. O raider ( * vide nota de rodapé ), em si, geralmente não possui ativos significativos, principalmente se comparados aos valores necessários. Mesmo que a proposta de aquisição hostil esteja sendo efetuada por outra grande empresa, a quantia necessária para o financiamento vai geralmente muito além do que o raider ( * vide nota de rodapé ) poderia levantar com uma dívida adicional. Apesar disto, a única garantia pelo empréstimo que um raider ( * vide nota de rodapé ) deve obter é sua promessa de que devolverá o dinheiro caso a proposta tenha êxito. Isto dificilmente poderia ser considerado o que no passado se chamava de empréstimo bancável. Contudo, os raiders ( * vide nota de rodapé ) nunca tiveram dificuldade para obter este dinheiro. Na verdade, quando o método de financiamento das propostas de aquisições hostis teve de ser mudado ( basicamente, por questões regulatórias ) - em vez de ser feito mediante empréstimos bancários, passou a ser feito por meio de obrigações ( bonds ) - , o mercado prontamente os apelidou de junk bonds ( obrigações de alto risco, ou, literalmente, obrigações-lixo ), e justificadamente. No entanto, não existe qualquer dificuldade em fazer estas obrigações serem garantidas e emitidas, sendo os bancos comerciais seus mais ávidos compradores.

Empréstimos bancários - ou junk bonds - para financiar aquisições hostis estão disponíveis pela mesma razão que no começo dos anos oitenta, permitiu a países como Brasil, Zaire ( atual Congo ) ou Argentina obter empréstimos de bancos ocidentais em volumes que eram claramente superiores à sua capacidade de pagamento dos juros correspondentes ( isto sem mencionar o pagamento da amortização do principal do empréstimo propriamente dito ). E também pela mesma razão que grandes bancos de financiamento, como o Continental Ilinois, em Chicago, estavam quase sempre dispostos - na verdade, ansiosos - a oferecer empréstimos altamente especulativos, às vezes fraudulentos, a especuladores não existentes na indústria de óleo e gás. Os bancos comerciais americanos se encontram em dificuldades, em decorrência do encolhimento de suas tradicionais fontes de receita, e estão desesperados, tentando encontrar novas fontes, especialmente alguém que esteja disposto a tomar empréstimos pagando altíssimas taxas de juros. E um raider ( * vide nota de rodapé ) que formula uma proposta de aquisição hostil está, é claro, perfeitamente disposto a aceitar estas extorsivas taxas de juros. Afinal, ele não as pagará - a empresa-alvo, que ele pretende adquirir, irá sucumbir depois da operação.

Bancos comerciais, como pode ser lido qualquer livro-texto, ganham a vida como árbitros da liquidez: eles obtêm seu dinheiro de depósitos à vista, que são perfeitamente líquidos - isto é, o dinheiro pode ser retirado a qualquer momento. O banco, então, empresta este dinheiro por períodos mais longos ( de noventa dias a três anos, no período mais comum de um empréstimo comercial ). Portanto, as quantias devidas ao banco têm muito menos liquidez do que as que ele deve. Isto, portanto, justifica a cobrança de uma taxa de juros substancialmente mais elevada. A diferença entre a taxa de juros que o banco cobra em seus empréstimos e aquela que ele paga pelo valor que toma emprestado ( spread ) representa sua receita.

A cada dia que passa, isto funciona menos, uma vez que o banco ou não tem capacidade de ser o árbitro da liquidez ou não é pago. Uma razão para isto é, naturalmente, o fato de que depósitos à vista de juro zero, que, no passado, eram recomendadas pelas autoridades monetárias, praticamente desapareceram. Historicamente, as empresas sempre foram as principais provedoras dos depósitos à vista. Contudo, hoje em dia, poucas empresas mantêm grandes somas em caixa. Além disto, atualmente, a típica conta bancária de um indivíduo paga cinco e meio por cento de juros. Se forem acrescentada a isto o custo de administração, de aquisição e assim por diante, o banco provavelmente acabará pagando oito ou nove por cento pelo dinheiro depositado na contas de seus clientes - o que significa que mesmo depósitos à vista já não proporcionam um spread de juro substancial. E a maioria dos consumidores americanos mantém hoje em suas contas bancárias o menor saldo ( estoque ) possível. O resto está depositado em contas que pagam juros muito mais altos, como contas do mercado monetário, que ainda proporcionam alta liquidez.

Também pelo lado da demanda, a arbitragem da liquidez se tornou muito menos lucrativa. Cada vez menos, as empresas americanas se autofinanciam por meio de empréstimos comerciais. Agora, elas usam títulos negociáveis - a versão das empresas para um empréstimo parcelado. Isto, contudo, deixa o sistema bancário de fora. A empresa com um superávit temporário de caixa compra diretamente títulos negociáveis emitidos por outra empresa com uma necessidade temporária de caixa. Mas o spread dos títulos negociáveis, entre aquele que quem toma emprestado paga e aquele que quem empresta cobra, é muito mais baixo do que o spread entre o tradicional juro zero dos depósitos à vista e taxa de empréstimo do banco dos títulos negociáveis. Este spread pode ser de um emeio por cento contra quatro ou cinco por cento praticados anteriormente.

A esta altura, a maior parte dos bancos americanos, especialmente os maiores, já sabe que não pode esperar que seu negócio continue a crescer com base no spread das taxas de juros, entre o que pagam e o que cobram pelo dinheiro. Eles terão de mudar sua base de receitas, concentrando-se em tarifas e comissões. Entretanto, mesmo aqueles poucos bancos que aceitaram isto na década de setenta e que, desde então vêm trabalhando duro para mudar sua fonte de receita - em vez de ser pago pelo dinheiro, ser remunerado por informações e serviços ( o Citibank de Nova Iorque provavelmente foi o primeiro e é, de longe, o líder ) - ainda têm um longo caminho pela frente. Enquanto isto, os bancos estão encontrando dificuldade em encontrar fontes de receita. Daí a pressão para que encontrem tomadores de dinheiro dispostos a pagar altas taxas de juros - ou, pelo menos, dispostos a dizer que vão pagar - sejam eles exploradores de petróleo em Oklahoma, governos militares sufocados pela inflação em seus países ( como foi o caso de Brasil e Argentina durante a ditadura militar ) ou raiders ( * vide nota de rodapé ). Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

P.S.:

* Nota de rodapé:

Um comentário: