quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Administração sindical: a reinvenção como forma de fugir da irrelevância

No curto espaço de um ano, o ano de mil novecentos e oitenta e dois, três conhecidos líderes sindicais - o presidente de um grande sindicato de empregados do governo dos Estados Unidos da América ( EUA ), o presidente de um grande sindicato de uma indústria básica e o diretor de uma indústria de produção em massa - foram em busca de aconselhamento. Cada qual tinha uma preocupação específica. No entanto, cada um deles perguntou - e logo no começo da conversa  - se os sindicados ainda exerciam alguma função nos EUA ou se estavam se tornando irrelevantes.

Cada um destes homens acreditava que, para manterem a legitimidade e continuarem a ser aceitos como porta-vozes, representantes e defensores dos trabalhadores americanos, os sindicatos deverão desenvolver posições e tomar ações incompatíveis com sua tradição, seus compromissos e sua retórica.

"A bandeira de que nos orgulhamos mais", afirmou o sindicalista da indústria de produção em massa, "é a de que o pacote remuneratório total de nossa indústria é cerca de trinta a quarenta por cento maior que a média da indústria manufatureira americana. Mas será que haveria uma taxa de desemprego recorde em nossa indústria, que se aproxima daquela existente durante a Grande de Depressão, se estes trinta por cento ou quarenta por cento fossem investidos na modernização das fábricas em vez de se converterem em salários e benefícios? Sei que todos os meus colegas líderes sindicais se fazem esta mesma pergunta, mas nenhum tem coragem de vir a público e repeti-la. Se o fizerem, não sobreviveriam dez minutos.".

Dez, ou mesmo cinco, anos antes, qualquer um que mencionasse os termos formação de capital ou produtividade junto a um líder sindical em escorraçado com a pecha de representante do chefe. Na melhor das hipóteses, assuntos deste tipo eram considerados alheios aos interesses do sindicato e algo como aquilo que justifica o salário dos gerentes. A esta altura, poucas pessoas, sindicalistas ou não, negariam que o bem-estar dos trabalhadores depende da formação de capital e da produtividade, mesmo em curtíssimo prazo. Estes dois fatores determinam, em grande parte, quantos emprego poderão existir, seu grau de segurança e seu nível salarial.

Focar na formação de capital e produtividade, contudo, seria o mesmo que aceitar que os interesses do empreendimento e de seus empregados sejam idênticos - e isto seria visto como uma negação à própria razão de ser do sindicato. Até hoje, nenhum líder sindical sequer tentou conscientizar as pessoas sobre a formação de capital e produtividade, isto é, em benefício dos empregos dos trabalhadores e do raciocínio, políticas e ações do sindicato.

Um segundo desafio confronta os líderes sindicais. Os sindicatos dificilmente conseguirão manter a posição diferenciada que conseguiram chegar durante o século vinte em todos os países desenvolvidos não comunistas. Para usar termos tradicionais, o sindicato se tornou um estamento do reino ( estate of realm ). No final da idade média, na Europa cristã, os estates of realm, eram, em sentido mais amplo, as ordens sociais de uma sociedade hierarquizada. A este respeito, às vezes são considerados três estamentos medievais, em ordem de importância: o clero, a nobreza e o povo. Ao tornar-se uma espécie de estamento do reino, os sindicatos obtiveram substanciais imunidades - de tributos, de enquadramento em leis antitruste e de processos por perdas e danos, por exemplo - e com privilégios legais não muito diferentes daqueles gozados em outros tempos pelo exército da Prússia ( atual Alemanha ), ou pela Igreja,na França pré-revolucionária. Os sindicatos são considerados legítimos como nenhuma outra instituição não governamental. E, ao aceitar e proteger o direito de greve dos sindicatos, foram outorgados a um grupo da sociedade o direito à desobediência civil.

A razão para isto é a delegação dos sindicatos de que, mais que um grupo de interesse, eles seriam uma causa. Eles querem mais para seus membros, assim como todos os outro grupos de interesse, sejam agricultores, farmacêuticos ou corretores funerários. Mas os sindicatos também se apresentam como os paladinos dos desfavorecidos ou dos explorados da sociedade. A verdadeira força do movimento sindical em países desenvolvidos tem sido moral: eles alegam ser a consciência política de uma sociedade secular moderna.

E esta alegação, como a maioria dos líderes sindicais já começou a perceber, não consegue mais se sustentar ( em que pese, esta maioria só existir no papel, sem representar uma quantidade significativa de trabalhadores ). Ela está sendo destruída pela demografia. Não importa a rapidez com que a economia cresça, mas para os trabalhadores idosos significará, inexoravelmente, menos para os mais jovens - e vice-versa. Um dos sindicalistas - o presidente dos empregados do governo - chegou a dizer que "o conflito de gerações, entre pessoas mais novas e mais velhas, e não entre gerentes e subordinados, será o conflito social central iniciado há quarenta anos e vigente até hoje".

Hoje, o apoio à população idosa que não trabalha - em previdência social e contribuições para fundos de pensão - consome cerca de vinte centavos a vinte e cinco centavos de cada dólar disponível para rendimentos e salários da população ativa. Se não for tomada uma providência efetiva, este valor subirá para cerca de trinta e três centavos por dólar nos próximos dez anos ( se é que isto já não aconteceu em vários lugares ) - em parte, porque os idosos estão vivendo muito mais, em parte porque as baixas taxas de natalidade dos últimos sessenta anos e limitam o número de pessoas que entram no mercado de trabalho.

É inconcebível pensar que pessoas que trabalham fiquem sem fazer nada em relação a esta transferência de renda para pessoas que não trabalham, sem que tenha havido poupança interna para tal. Em anos passados, foi comprada sua aquiescência por meio do aumento de rendimentos para fundos de pensão e para previdência social. Mas, agora, este caminho está bloqueado. Com os rendimentos e salários em um ritmo tão acelerado, ou mais, quanto o das contribuições para fundos de pensão e para a previdência social. Com os rendimentos e salários já representando oitenta e cinco por cento do Produto Interno Bruto ( PIB ), tudo o que seria possível conseguir seria criar inflação, o que acaba diminuindo as receitas reais tanto para os aposentados mais idosos quanto para os jovens que estão no mercado de trabalho. Será necessário decidir se os mais velhos, aposentados, devem ganhar mais mediante subtração do dinheiro que iria para os mais jovens, ainda no mercado de trabalho, ou se estes ganharão mais através de medidas como a redução de aposentadorias e de benefícios de saúde e o adiamento da idade de aposentadoria.

Se os sindicatos ignorarem este dilema - como a maioria dos seus líderes compreensivelmente gostaria de fazer - , seus afiliados irão formar,por necessidade, novas organizações concorrentes que ignorarão os sindicatos e os tornarão irrelevantes. Os aposentados já estão fazendo isto. Contudo, se os sindicatos se comprometerem com algum dos lados, serão divididos a partir dentro, e no curto prazo. Qualquer que seja o caminho, logo os sindicatos deixarão de incorporar uma causa ou de ter uma legitimidade particular.

Um problema ainda mais difícil para os sindicatos surge a partir do fato de que os empregados estão rapidamente se tornando os únicos verdadeiros capitalistas e donos dos meios de produção. No Japão, isto foi conseguido por meio do emprego vitalício. Na prática, isto significa que, à exceção de uma situação de falência, as grandes empresas funcionam principalmente para os empregados que, em ermos legais tradicionais, são os usufrutuários.

Nos EUA, onde os fundos de pensão hoje são donos de até cinquenta por cento ou mais da grandes empresas, os empregados são os verdadeiros proprietários, e seus fundos de pensão, a principal origem do capital destinado ao investimento produtivo. Da mesma forma, o dinheiro do fundo de aposentadoria é, cada vez mais, o maior da família americana depois que o chefe da família de quarenta e cinco anos de idade ou mais.

O poder segue a propriedade. Esta é uma das mais antigas e exaustivamente testadas leis da política. Os empregados - ou os administradores que agem em seu nome e a quem prestam contas - irão inevitavelmente fazer parte da supervisão e do gerenciamento dos fundos de pensão. A única alternativa possível seria o controle dos fundos pelo governo pelo governo e por seus procuradores.

O resultado será aquele que qualquer sindicato mais teme e contra o qual luta mais aguerridamente: um órgão dos empregados que expressa a identidade de interesses entre a empresa e os trabalhadores, independente do sindicato, a quem ignora, e, inevitavelmente, contra quem fará oposição como uma entidade externa. Isto é, na verdade, o que aconteceu no Japão, onde o emprego vitalício - que restringe a mobilidade dos trabalhadores e, portando, reduz a ameaça de greves - tornou os sindicatos importantes no setor privado e os transformou em pouca coisa mais que um órgão administrativo. A alternativa para os sindicatos seria legar que representam os empregados tanto contra a administração quanto como administradores - seja por meio da codeterminação, como na Alemanha; do controle e administração dos fundos de pensão, que é o que está sendo exigido pelos sindicatos da Suécia; ou da participação no Conselho de Administração, como por exemplo, na Chrysler, nos EUA.

Contudo, "a responsabilidade segue o poder" também é uma lei de política. Se for ignorada - como foi, por exemplo, pelos membros do sindicato com assento no Conselho da Volkswagen, na Alemanha, que, no final dos anos sessenta, atrasaram o plano da empresa de construir uma fábrica nos EUA porque isto teria o significado de exportar empregos dos trabalhadores alemães - , os resultados podem ser desastrosos. No caso da Volkswagen, a participação da empresa no mercado americano de automóveis caiu de oito por cento, em mil novecentos e sessenta e nove, para menos de um por cento, hoje - o que ameaça seriamente a viabilidade e a sobrevivência do empreendimento como um todo, além dos empregos dos trabalhadores da empresa na Alemanha.

Entretanto, se os representantes dos sindicatos, no papel de administradores ou de proprietários, agirem de forma responsável, isto é, de acordo com o interesse do empreendimento, logo serão acusados de pelegos ou de terem se vendido ao patrão. Isto aconteceu na Alemanha, nos anos setenta, como os representantes dos empregados que atuavam nos conselhos de empresas da indústria do aço e do carvão. Aconteceu também, poucos anos mais tarde, com os líderes da União americana de Trabalhadores da Indústria Automobilística, quando aceitaram concessões salariais para salvar as empresas de uma grave crise. Na ocasião, os membros canadenses se revoltaram e se desligaram da instituição.

Existe um precedente na história política para a resolução deste conflito: o design constitucional que integrava o populus - os trabalhadores de Roma - a uma estrutura de poder, permitindo a seus representantes vetar ações do Senado patrício. Contudo, este não é um problema que possa ser resolvido com boas intenções ou retórica. Ele requer uma redefinição do papel e da função do poder compensatório - os sindicatos - e de seu restabelecimento como a incorporação da máxima identidade de interesses entre empregador e empregado.

A administração - independente de quem seja o dono, ou se a instituição é uma empresa, um escritório de governo ou um hospital - deve ter consideráveis poder e autoridade - ambos baseados nas necessidades do empreendimento e na competência. E o poder - como bem sabiam os redatores da Constituição americana - precisa de um órgão como os sindicatos - os eventos ocorridos na Polônia nos últimos anos de comunismo provaram isto amplamente. A alternativa seria uma burocracia de governo descontrolada e incontrolável. Contudo, para voltarem a ser órgãos dinâmicos, eficazes e legítimos, os sindicatos deverão transformar-se profundamente. De outro modo, ficará provado que os sindicalistas têm razão: os sindicatos irão se tornar irrelevantes. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-sindical-a-reinven%C3%A7%C3%A3o-como-forma-de-fugir-da-irrelev%C3%A2ncia .  

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Administração: empresas assumem função pública para se manterem privadas

O poder deve ser legítimo. De outra forma, terá somente força, e não autoridade; será sempre poder e jamais estará certo. Para ser legítimo, o poder deve ser ancorado fora dele, em algo que o transcenda e que seja aceito como valor genuíno, ou mesmo como valor absoluto por aqueles que estão sujeitos a ele. Seja ele originário dos deuses ou da sucessão apostólica; de uma instituição divina ou de seu equivalente moderno e totalitário, das leis científicas da história; do consenso dos governados, pelo voto ou, como ocorre com frequência em sociedades modernas, d mágica da educação avançada. Se o poder for um fim em si mesmo, torna-se despótico, ilegítimo e tirânico.

A administração deve ter poder para executar suas tarefas, qualquer que seja a organização. Com relação a isto, há pouca diferença entre a diocese católica, a universidade, o hospital, o sindicato ou o empreendimento empresarial. E, como cada órgão governante de cada uma destas instituições deve ter poder, deve ter também legitimidade.

E aqui é encontrado um quebra-cabeça. A administração das instituições-chave da sociedade de organizações é largamente aceita como legítima. a única exceção é a administração do empreendimento empresarial - que é visto como necessário e aceito como tal. Na verdade, a sociedade geralmente está mais preocupada com a sobrevivência de uma grande empresa ou indústria do que com qualquer outra instituição. Quando uma grande empresa encontra problemas, logo surge uma crise e são feitas tentativas desesperadas para salvá-la. Contudo, ao mesmo tempo, a administração do negócio fica sob suspeita; e qualquer exercício de poder da administração é denunciado como usurpação, com reclamações de todos os lados exigindo a aplicação da lei ou ações judiciais para limitar e até mesmo suprimir seu poder.

Uma explicação corriqueira é que um grande empreendimento empresarial acumula mais poder do que qualquer outra instituição, mas isto não se sustenta. O empreendimento de negócio tem seu poder limitado, em todos os aspectos, pelas regulamentações, pelo governo, pelos sindicatos e assim por diante. Além disto, o poder até mesmo do maior e mais rico empreendimento de negócio é insignificante se comparado ao de uma universidade, agora que uma graduação nestas instituições se tornou pré-requisito para o acesso a quase qualquer emprego. A universidade e sua administração são geralmente criticadas, mas sua legitimidade raramente é questionada.

Os grandes sindicatos da Europa ocidental e das indústrias de produção de massa americanas têm, certamente, mais poder do que qualquer empreendimento de negócios em seu país ou indústria. Na verdade, na Europa ocidental, os grandes sindicatos se tornaram as instituições mais poderosas da sociedade no período pós-guerra - às vezes, mais poderosas que o próprio governo de sues países. Os sindicatos exerceram seu poder durante este período quase sempre em benefício próprio, para não dizer irresponsavelmente. Contudo, mesmo os críticos mais severos na Europa ocidental e nos Estados Unidos da América ( EUA ) raramente questionaram sua legitimidade.

Outra explicação - a predominante nos dias de hoje - é que as administrações de todas as outras instituições são altruístas, enquanto as empresas visam ao lucro, portanto estão por conta própria e são materialistas. Contudo, mesmo que seja um fato aceito que, para muitas pessoas, o não lucrativo seja virtuoso e o lucrativo, duvidoso, para não dizer pecaminoso, a explicação de que o lucro subverte a legitimidade da administração de negócios dificilmente pode ser adequada. Em todos os países ocidentais, a legitimidade dos proprietários, isto é dos verdadeiros capitalistas, e de seus lucros, geralmente é aceita sem muito questionamento. Este não é o caso da administração profissional, que, contudo, obtém lucros para outras pessoas, e não para si própria - e seus principais beneficiários hoje são os fundos de pensão dos empregados.

E há também a situação do Japão. Em nenhum outro país, nem mesmo na França ou na Suécia, o clima intelectual do período pós-guerra, pelo menos por volta de mil novecentos e setenta e cinco, era tão hostil ao lucro. a Elite intelectual de esquerda, na imprensa ou na universidade, queria nacionalizar as grandes empresas do país. No entanto, jamais lhes ocorreu, até mesmo para o mais radical marxista, questionar a necessidade da administração ou sua legitimidade.

A explicação está claramente relacionada à imagem que a administração japonesa tem de si própria e com a qual se apresenta à sociedade. Nas leis do país, da mesma forma que nas leis americanas ou europeias, a administração é subordinada aos acionistas, um fato que os japoneses tratam como pura ficção. A percepção da administração como um órgão do próprio negócio é a realidade percebida como norteadora do comportamento das administrações das grandes empresas do Japão ( mesmo as familiares ou sob gestão da família, como a Toyota ). A administração está subordinada ao negócio atual, que reúne, por interesse comum, diversos atores: empregados, em primeiro lugar, depois clientes, credores e finalmente os fornecedores. Os acionistas são apenas um grupo especial de credores, e não os proprietários, para quem o empreendimento existe. Como fica evidente em seu desempenho, as empresas não são administradas como entidades filantrópicas e sabem como obter resultados econômicos. Na verdade, os bancos japoneses, que são os verdadeiros motores da economia do país, acompanham o desempenho econômico com atenção e intervêm em administrações que apresentam desempenhos fracos ou medíocres com muito mais rapidez que os conselhos de administração empresas ocidentais com ações negociadas em bolsas de valores mobiliários. Mas os japoneses institucionalizaram a empresa existente e seus valores por meio de empregos vitalícios. Neste sistema, as reivindicações dos trabalhadores em relação ao emprego e aos salários vêm em primeiro lugar - a não ser que a própria sobrevivência do empreendimento esteja em jogo.

A fórmula japonesa apresenta vários problemas, especialmente em um momento de rápidas mudanças estruturais na economia e em tecnologia, quando a mobilidade de mão de obra é extremamente necessária. Ainda assim, o exemplo japonês indica por que a legitimidade da administração é um problema no ocidente. A administração de negócios no ocidente ( e, principalmente, nos EUA ) ainda não se defrontou com o fato de que a sociedade ocidental se transformou em uma sociedade de organizações em que a administração é um órgão crítico.

Há cerca de setenta e cinco anos, quando teve início, a sério, o estudo da administração, Ralph Cordiner, então CEO da General Electric Company ( GE ), tentou reformular a responsabilidade da diretoria das empresas. Ele observou que as diretorias eram as administradoras dos melhores interesses equilibrados dos acionistas, empregados, clientes, fornecedores e comunidades do entorno das fábricas - os grupos que hoje seriam chamados de stakeholders ( partes interessadas ) ou públicos de interesse. Como slogan, isto se popularizou rapidamente. Inúmeras outras empresas transcreveram a frase em suas missões corporativas. Contudo, nem o Sr. Cordiner nem quaisquer dos presidentes ou CEOs que adotaram esta retórica seguiram o exemplo dos japoneses: institucionalizar suas profissões. Eles não refletiram sore o que significariam os melhores interesses equilibrados destes diferentes stakeholders, como avaliar o desempenho em relação a este objetivo, nem como criar accountability ( prestação de contas ) para ele. A declaração ficou no terreno das boas intenções. E boas intenções não são suficientes para legitimar o poder. Na verdade, o poder justificado por boas intenções caracteriza o déspota esclarecido. E isto jamais funcionou.

O termo déspota esclarecido foi cunhado no século dezoito - tendo Voltaire, provavelmente, como seu maior e mais entusiástico expoente - , quando o direito divino dos príncipes já não era universalmente aceito como base de poder legítimo. O príncipe com as melhores intenções entre os déspotas esclarecidos do século dezoito e modelo do liberal progressivo e iluminado foi o imperador austríaco José Segundo ( reinou no período de mil seiscentos e sessenta e cindo a mil setecentos e noventa ). Cada uma das reformas que ele instituiu pioneiramente foi um passo na direção certa - abolição da tortura; tolerância religiosa de protestantes, judeus e até mesmo ateus; educação universal gratuita e hospitais públicos em cada condado; abolição da servidão; codificação das leis; e assim por diante. apesar disto, seus súditos, especialmente aqueles das regiões mais avançadas do império, as terras baixas da Áustria, se sublevaram contra ele. E quando, alguns anos mais tarde, a Revolução Francesa eclodiu, os déspotas esclarecidos da Europa caíram como pinos de boliche. Eles não tinham públicos de interesse para apoiá-los.

Pelo fato de Ralph Cordiner e seus contemporâneos jamais terem nem mesmo tentado ancorar o poder da administração em arranjos institucionais, suas assertivas se tornaram, com muita rapidez, despotismo esclarecido. Nos anos cinquenta e sessenta, isto se transformou em capitalismo corporativo, em que uma administração profissional esclarecida detém o poder absoluto dentro da corporação, controlada apenas por si própria e irremovível, a não ser no caso de uma catástrofe. Argumentava-se que a propriedade de ações se tornara tão amplamente dispersa que os acionistas já não conseguiam ter qualquer interferência, que dirá exercer o controle.

Entretanto, isto é excesso de confiança: arrogância e orgulho pecaminoso que sempre prevalecem antes da derrocada. Dez anos após ter anunciado a independência da administração em sentido amplo - as corporações com ações negociadas em bolsas de valores mobiliários - , o capitalismo corporativo começou a entrar em colapso. Pelo menos a propriedade de ações começou a se concentrar novamente nas mãos dos fundos de pensão.

E, então, a inflação distorceu os valores, como sempre acontece, de forma que os preços das ações, que se baseiam nas expectativas de lucro, começaram a ficar mais baixos que o valor contábil e o de liquidação. O resultado foi uma onda de aquisições hostis, que têm inundado a economia neste últimos anos e que agora já começa a se espelhar pela Europa. Subjacente a isto, está a assertiva de que o empreendimento empresarial existe apenas para proporcionar lucros aos acionistas - e lucros de curto prazo.

Hoje, já se tornou amplamente aceito - exceto em Wall Street e entre alguns dos advogados que ali atuam - o fato de que uma aquisição hostil é deletéria. Esta é, na verdade, uma das principais razões pelas quais a posição competitiva dos EUA na economia mundial se deteriorou. De uma forma ou de outra, a aquisição hostil terá fim. Talvez isto aconteça com um crash - surtos especulativos sempre acabam entrando em colapso. Isto poderá ocorrer por meio de mudanças, como passar para classe diferentes ações ordinárias, sendo que a ações de propriedade do público externo teriam apenas uma parcela do poder de voto das ações nas mãos de insiders, ou abrindo mão totalmente do poder de voto de ações ordinárias negociadas em bolsas de valores mobiliários. Esta sugestão teria sido dada a Peter F. Drucker pelo então chairman emérito do Citibank de Nova Iorque, Sr. Walter Wrinston.

Independentemente de como o surto de aquisições hostis terá fim, esta prática terá assegurado que o problema da legitimidade da administração deve ser enfrentado. São sabidas quais são algumas das especificações da solução. deverão existir salvaguardas adequadas do desempenho econômico de uma empresa: sua posição no mercado, a qualidade de seus produtos ou serviços e seu desempenho como empreendimento inovador. É preciso dar ênfase ao controle e ao desempenho financeiro. Se o surto de aquisições hostis trouxe um aprendizado, foi que não se deve tolerar um desempenho abaixo do padrão por parte da administração.

Entretanto, de alguma forma, os vários stakeholders também devem ser convencidos da necessidade do processo de administração ( por exemplo, por meio do plano de pensão da empresa, que é um representantes dos empregados e para quem este plano é um administrador ). E, de alguma forma, a capacidade de produzir riquezas e empregos da empresa, isto é, sua perpetuação, precisa ser inserida nos arranjos legais e institucionais. Não deve ser muito difícil. Afinal, há mais de um século, foram inseridas a preservação da empresa existente nas leis de falências, concordatas, ou recuperação judicial e foi dado a isto toda a prioridade, incluindo as cobranças do credores. Entretanto, quaisquer que sejam as especificidades, a administração de negócios deve ser legitimada. Seu poder deve ser fundamentado em uma justificativa fora e além dela e deve ter uma sanção constitucional de que ainda carece.

Estreitamente ligada a este problema de legitimidade da administração, está a remuneração gerencial.

Para ser legítima, a administração deve ser aceita como profissional. Profissionais sempre foram bem pagos - e mereceu ser. Contudo, sempre se considerou falta de profissionalismo colocar dinheiro acima das responsabilidades e dos padrões profissionais. Isto significa que deve haver limitações nas remunerações gerenciais. certamente, não é profissional que um CEO dê a si mesmo um bônus de vários milhões de dólares ao mesmo tempo que os salários dos demais empregados da empresa são cortados em trinta por cento, como aconteceu na Chrysler, há décadas. certamente, não é profissional que pessoas que são empregadas, e não donas, paguem a si mesmas salários e bônus que excedam em muito o que seus colegas, isto é, os demais integrantes do corpo gerencial, recebem. Tampouco é profissional pagar a si próprio salários e bônus que estejam muito acima do normal ao ponto de criar tensões sociais, inveja e ressentimento. Na verdade, não existe justificativa econômica para altíssimas remunerações dos executivos. Os altos executivos japoneses e alemães com toda certeza fazem um trabalho tão bom quanto seus pares em outros continentes - talvez, a julgar pelos resultados, até melhor. No entanto, suas remunerações são, no máximo, a metade do que os principais executivos de empresas na America às vezes ganham em indústrias de ramo e porte semelhantes.

Entretanto, há também muito a ser feito na preparação, teste e seleção ( e, mais tarde, sucessão ) dos executivos da alta administração em grandes iniciativas empresariais, na estrutura da direção destas empresas e nos padrões de desempenho dos principais executivos, além dos arranjos institucionais para seu monitoramento e manutenção.

A administração de negócios ainda não totalmente aceita como legítima no ocidente porque esta região ainda não se deu conta de todas as implicações de seu sucesso. Individualmente, os executivos, mesmo os das maiores empresas, são praticamente anônimos. Eles somente conseguem parecer tolos quando tentam se comportar como aristocratas. Eles são apenas empregados, como o restante dos mortais. No dia em que se aposentam e deixam o gabinete que ocupavam, se transformam em não pessoas, mesmo em sua antiga empresa. Contudo, enquanto ainda permanecem no carto, eles representam algo. Individualmente, quase sem rosto, constituem coletivamente um grupo governante. Como tal, seu comportamento é visto como representativo. O que seria um pequeno pecado privado para mortais comuns se torna uma conduta repreensível, ou mesmo traição, quando perpetrado por um líder. Isto porque não apenas o líder é visível, mas também porque seu dever é servir de exemplo.

Entretanto, há também o que agora está sendo chamado de responsabilidade social da administração. Apesar de toda retórica em contrário, isto não é responsabilidade social apenas da empresa, mas de todas as instituições - de outra forma, dificilmente haveria todos os processos de negligência lavrados contra hospitais ou todos os processos que alegam discriminação contra universidades e escolas. Contudo, as empresas, certamente, são uma das instituições-chave da sociedade de organizações e, como tal, precisam determinar quais seriam as responsabilidades sociais - e quais não seriam.

Certamente, uma empresa, como qualquer outra instituição, é responsável pelos impactos provocados poe suas atividades. Afinal, esta é uma das mais antigas dourinas da lei. E, com certeza, a empresa, como todo mundo, estará violando suas responsabilidades se permitir a si mesma impactar a sociedade além do que for necessário - e estiver implícito em suas atividades - para o cumprimento de sue propósito social, por exemplo, produzir bens e serviços. Passar por cima destes princípios configuram um delito de natureza civil, isto é, uma violação.

Mas e os problemas que não resultam de algum impacto nem de outra atividade da empresa e, ainda assim, constituem graves malefícios sociais? Claramente, não é responsabilidade da empresa, ou de qualquer organização, agir naquilo que não tem competência; isto não seria responsabilidade, mas irresponsabilidade. Assim, quando um ex-prefeito da cidade de Nova Iorque, em mil novecentos e sessenta, convocou a GE e as outras grandes corporações para ajudar a resolver o problema do gueto negro, assegurando a presença e um homem e um pai na casa de cada mãe negra que estivesse sobrevivendo com os recursos da previdência social, ele não estava sendo apenas ridículo; ele exigia irresponsabilidade.

Mas além destas advertências, existe uma terra de ninguém, onde nem entende-se completamente quais seriam as perguntas certas. Os problemas de Nova Iorque, por exemplo, não são de maneira alguma, causados pelas empresas e, sim, em grande parte, pelas políticas públicas sobre as quais as empresas haviam advertido as autoridades e contra as quais haviam lutado: principalmente pelo controle dos aluguéis, que, como sempre acontece, acaba destruindo as habitações populares que os pobre necessitam,isto é, habitações mais antigas e dignas e bem cuidadas; por políticas demagógicas de previdência social; e por políticas igualmente demagógicas de relações trabalhistas. No entanto, no final dos anos sessenta e começo dos anos setenta, quando a cidade de Nova Iorque estava à beira da autodestruição, um pequeno grupo de executivos seniores de grandes empreendimentos sediados na cidade mobilizou a comunidade empresarial para reverter, a espiral descendente e revigorar Nova Iorque - pessoas como Austin Tobin, da Autoridade Portuária de Nova Iorque; David Rockfeller, do Chase Manhattan Bank; Walter Wriston e William Spencer, do Citibank; Felix Rohatyn, da Lazard Frères, banqueiros privados; a diretoria da Pfizer, empresa farmacêutica; e diversos outros. Eles tomaram esta iniciativa não assumindo responsabilidades por coisas sobre as quais não tinham competência para executar, como por exemplo, resolver os problemas do gueto negro. Eles fizeram isto conduzindo ações para as quais tinham alta competência: eles iniciaram e lideraram o mais dramático desenvolvimento arquitetônico de qualquer cidade do mundo, desde que Napoleão Terceiro criou uma nova Paris e Francis Joseph, uma nova Viena, um século antes. O gueto negro ainda está lá, assim como as mazelas associadas a ele, como, por exemplo, o crime nas ruas. Mas a cidade foi revitalizada.

E tudo isto não aconteceu porque estas empresas e suas administrações precisassem da cidade. Com exceção da Autoridade Portuária de Nova Iorque, todas as demais poderiam ter deixado a cidade, como fizeram muitas de suas colegas - como, por exemplo, IBM, GE, Union Carbide. Aquelas empresas e sua alta administração agiram porque a cidade precisava de sua ajuda, embora, é claro, elas tenham acabado se beneficiando porque uma empresa - ou qualquer outra instituição - tem melhor desempenho em um ambiente social saudável.

Há uma lição? Certamente um desafio.

Levando tudo isso em consideração, para que a administração de uma grande empresa consiga obter total legitimidade, terá de aceitar o fato de que, para se manter privada, terá de exercer alguma função social, isto é, pública. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-empresas-assumem-fun%C3%A7%C3%A3o-p%C3%BAblica-para-se-manterem-privadas . 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Atingidos por barragens: deputada discute futura legislação garantista de direitos de vítimas


Um ano depois do crime de Brumadinho ( Estado de Minas Gerais - MG ), as informações atualizadas dão conta que duzentas e setenta e duas pessoas foram mortas, segundo levantamento publicado em manifesto pelo Movimento dos Atingidos por Barragens do Estado de Santa Catarina ( SC ). Além disso, a exemplo do que aconteceu em Mariana ( no mesmo Estado ), as indenizações ainda não foram pagas e os atingidos enfrentam obstáculos para terem seus direitos reparados.

Em Mariana, mesmo após quatro anos do Crime da Bacia do Rio do Doce, nenhuma casa foi construída para os atingidos. Em ambas as regiões, milhares de pessoas permanecem até hoje sem suas fontes de água e também de renda restabelecidas, dependendo de caminhões - pipa e auxílios que não ultrapassam um salário mínimo para sobreviver. As famílias atingidas de Brumadinho depois de passar por todo o trauma da lama criminosa no início do ano de dois mil e dezenove, estão empobrecendo pelas consequências do Crime. Enquanto a mineradora Vale permanece lucrando até hoje.

Em SC são cento e setenta e sete barragens operando e outras duzentas e oitenta e oito em fase de estudo, licenciamento ou construção. Milhares de famílias catarinenses foram atingidas pelas hidrelétricas no Estado, causando uma série de violações de direitos humanos, piorando, sobretudo, a qualidade de vida das mulheres atingidas e deslocando uma série de comunidades rurais que perdem suas fontes de moradia, renda e seu modo de vida tradicional.

O cenário não é positivo, afinal quarenta e quatro empreendimentos foram classificados pela Agência Nacional de Águas ( ANA ) como barragens de risco ou com dano potencial associado. Inclusive, no ano de dois mil e dezenove, rompeu uma barragem no início do ano na região do Alto Vale do Itajaí, bem como foram interditadas pela Agência Nacional de Mineração ( ANM ) duas barragens da região sul de SC.

Mesmo assim, SC permanece sem uma legislação estadual que proteja e garanta os direitos das comunidades atingidas em caso de rompimento de barragem. Desta forma o MAB-SC convoca a população catarinense a fazer este debate, a colaborar na construção de forma participativa da Política Estadual de Direitos para as Comunidades Atingidas por Barragens em Santa Catarina ( PEDCAB-SC ), chamada de PEAB, é uma bandeira histórica do MAB-SC e visa a assegurar os direitos dos catarinenses atingidos por barragens.

No dia vinte e cinco de janeiro de dois mil e vinte, é preciso dizer que o lucro não deve estar acima da vida. Em Brumadinho, em Mariana e também em SC. Entende-se que água e energia não devem ser tratadas como mercadorias.

Sobre este assunto, a deputada estadual de SC, Luciane Carminatti ( do Partido dos Trabalhadores - PT ) reconhece que SC tem atualmente empreendimentos hidrelétricos ativos e outros em fase de instalação. Destes, muitos implicam em barragens de risco ou com dano potencial associado, segundo dados da ANA.
 
Apesar deste cenário, o Estado não possui legislação que regulamente a atividade. “Isso é um fator determinante para que famílias atingidas por barragens sofram perdas e danos, individuais e coletivos. O que caracteriza um atingido? Quais são os critérios e parâmetros para as medidas de indenização e reparação? É um consenso legal sobre essas respostas que precisamos construir”, defende Luciane.

Por isto, o principal objetivo do seminário é debater uma política estadual capaz de criar medidas de preservação ambiental na construção de barragens e determinar critérios de responsabilização por danos para proteger a população catarinense.
Em dois mil e dezenove, já foram quatro rodadas
Serão seis rodadas, destas, quatro já ocorreram: em Santa Rosa de Lima ( em vinte de novembro de dois mil e dezenove ), Vargem ( em vinte e nove de dois mil e dezenove ), Chapecó ( em cinco de dezembro de dois mil e dezenove ) e Itapiranga ( em seis de dezembro de dois mil e dezenove ). As palestras e mesas redondas abordaram as políticas de direitos e de desenvolvimento local, bem como a situação das barragens em nível nacional e estadual. 
O seminário reuniu pessoas do campo e da cidade atingidas por barragens, agentes públicos e políticos, movimentos sociais, escolas, entidades e demais interessados no tema. 
“Ao final destes encontros, esperamos ter aprimorado nosso compromisso de preservar o meio ambiente e os recursos hídricos do nosso Estado, ao mesmo tempo em que deveremos ter uma proposta de legislação capaz de garantir o direito das comunidades atingidas por barragens”, enfatiza Luciane.
O evento é proposto pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina ( ALESC ), Comissão de Economia, Ciência, Tecnologia, Minas e Energia ( CECTME ) e Frente Parlamentar pelos Direitos dos Catarinenses Atingidos por Barragens ( FPDCAB ). Conta com realização da Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira ( ELDLMS ) e apoio do MAB.
Com informações da ALESC.

Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail: imprensa@lucianecarminatti.com.br .

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Administração: o crescimento de desafios, exigências e responsabilidades

Um artigo amplamente citado da revista da faculdade de administração da universidade de Harvard ( Harvard Business Review ), de setenta anos atrás, perguntava: "A gerência intermediária estaria obsoleta?" e respondia com um retumbante sim. Mas em vez de desaparecer ou, pelo menos, emagrecer, a gerência intermediária tem engordado substancialmente nos últimos anos. Em muitas empresas, o intermediário, entre o supervisor de primeira linha e a alta administração, tem crescido três ou quatro vezes mais rápido do que as vendas, antes mesmo do ajuste para compensar a inflação.

Este crescimento não se restringiu às grandes empresas, nas empresas de médio e pequeno porte, ele foi até provavelmente muito mais rápido, uma vez que, há setenta anos, muitas empresas nem tinham gerentes, exceto pelos membros da família proprietária do negócio. E não foram só as empresas. Também no governo, nas forças armadas e em instituições que visam ao lucro, não distribuem lucros ao sócios e são conhecidas como instituições sem fins lucrativos, apesar de não o serem na prática, esse crescimento também se mostrou acelerado - e até maior. Há setenta anos, hospitais comunitários de duzentos e cinquenta leitos tinham um administrador ( geralmente um médico aposentado ) e um diretor de enfermagem. Hoje, além destes, há também três ou quatro administradores adjuntos, um controller e mais uma meia dúzia de diretores - do laboratório médico, de radiologia, de fisioterapia, de nutrição, de processamento de dados e assim por diante. Um universidade que Peter F. drucker dizia ter conhecido tinha em mil novecentos e cinquenta, um presidente, um reitor, um reitor adjunto para estudantes, que também cuidava das matrículas, e um contador-chefe, que mantinha os livros em dia. As matrículas dobraram, de quinhentos para mil, mas o número de empregados administrativos aumentou seis vezes, com três vice-presidentes, quatro reitores e dezessete reitores-adjuntos,além de vice-presidentes adjuntos.

Parte deste crescimento é saudável. Há setenta anos, após vinte e cinco anos de taxas de natalidade muito baixas e vinte anos ( a partir de mil novecentos e vinte e nove ) de um baixo número de contratações e de promoções lentas, a gerência intermediária tinha uma carga de trabalho excessiva e era composta por gerentes idosos para o cargo. E, é claro, todas as instituições se expandiram enormemente a partir de então, com a população e a economia crescendo em ritmo acelerado. Boa parte deste crescimento foi imposta pela conjuntura externa. Dos três novos vice-presidentes de um hospital comunitário, um trabalha em tempo integral com relações trabalhistas, outro com regulações governamentais. E os negócios cresceram em complexidade e com novas exigências de desempenho. O computador, que a Harvard Business Review acreditava que tornaria a gerência intermediária obsoleta, gerou, em contrapartida, um grande número de novos postos gerenciais intermediários.

Entretanto, grande parte ( e talvez a mais importante ) deste crescimento decorreu, pura e simplesmente, da inflação. a inflação de nomes de cargos administrativos tem sido ainda mais severa nos últimos setenta anos do que a inflação monetária. Talvez o modelo britânico de descentralização de unidades básicas de saúde ( UBSs ) mais próximas do público, com um raio intermediário composta por unidades de pronto-atendimento ( UPAs ), com outro raio intermediário com centros regionais de  especialidades médicas ( CREs ) ( contendo noventa e cinco por cento dos casos resolvidos em âmbito pré-hospitalar ) e apenas cinco por cento dos casos sendo encaminhados para o centro hospitalar, contivesse esta escalada inflacionária. A inflação de cargos tem sido bem pior nas Forças Armadas e nas repartições de governos municipais, estaduais e federal.

A demografia forçou o crescimento rápido dos empregos e da nomenclatura de gerências intermediárias, especialmente nos últimos cinquenta anos, quando os baby boomers começaram a atuar como gerentes. À medida que as pessoas mais jovens iam entrando, em grande quantidade, nas organizações, os mais velhos tinham de ser promovidos para abrir seus lugares aos novos. E os salários iniciais para estas pessoas altamente educadas subiram, o que levou os mais velhos a erem aumentos proporcionais e novas nomenclaturas gerenciais para acompanhar este ritmo.

O resultado é que as gerências intermediárias, hoje, tendem a ter um excesso de profissionais, ao ponto de a obesidade ( e não só nos Estados Unidos da América - EUA. Na Europa, a situação provavelmente é pior ). Isto reduz significativamente a velocidade do processo decisório e torna as organizações cada vez mais incapazes de se adaptar às mudanças. O número de pessoas que são colocadas diante de desafios para produzir resultados é cada vez menor. Não foi apenas nas Forças Armadas que o crescimento deste tipo de apoio cresceu a ponto de deixar em segundo plano as tropas de combate e de empregar um número muito maior de pessoas. Muitas empresas, grandes ou pequenas, se tornaram igualmente burocráticas e sofrem de um grotesco excesso de peso na parte intermediária.

No entanto, até o final dos anos oitenta, a disponibilidade de jovens foi reduzida drasticamente quando a geração subsequente começou a substituir os filhos dos baby boomers nas escolas técnicas. Até o final da década, a disponibilidade de candidatos jovens a postos gerenciais estava trinta por cento menor do que esteve nos anos anteriores. Não apenas será cada vez mais fácil corrigir a barriga formada pela gerência intermediária, mas também cada vez mais importante. Manter o nível atual de empregos da gerência intermediária, para não falar em continuar com seu crescimento, levaria somente a um continuado aumento dos níveis de remuneração e à inflação de novas denominações para cargos gerenciais. O momento de começar a controlar o peso das gerências intermediárias é agora.

Uma das maneiras é reduzir pessoal redundante. À medida que os postos vão ficando vagos em virtude de aposentadoria, morte ou demissão, não se volte a preenchê-los automaticamente. Nem se faça uma análise. Deixe-se o posto vago por seis ou oito meses e se veja o que acontece. A não ser que haja um clamor gigantesco para a contratação de um substituto, elimine-se a vaga. As poucas empresas que agiram desta forma relataram que cerca de metade das vagas desapareceu depois de seis meses. Uma grande universidade que também seguiu esta fórmula teve resultados semelhantes.

Acima de tudo, use a redução de pessoal para diminuir o  número de níveis gerenciais. Nos últimos setenta anos, o número de níveis cresceu até mais rápido que os empregos de gerente intermediário. Na grande universidade que agora procura reduzir os níveis gerenciais, os níveis administrativos crescem duas vezes ais rápido que as vagas para empregados administrativos ( que, por sua vez, cresceu quase três vezes mais rápido que o total de matrículas ). E números deste tipo podem ser encontrados em muitas grandes empresas e também em laboratórios de pesquisa. Cada nível adicional, contudo, aumenta a rigidez e diminui a velocidade do processo decisório. E é uma lei da teoria da informação que cada retransmissor ( isto é, nível ) quebra a informação transmitida em duas partes e duplica o ruído. Os níveis devem crescer com muito mais vagar que as pessoas, se é que devem crescer.

A justificativa para este crescimento gerencial desaparecerá: daqui em diante, não haverá pessoas verdes que devem ser promovidas com rapidez para ocupar posições para as quais se encontram inadequadamente treinadas e que, então, não permanecerão no cargo por tempo suficiente para se tornar proficientes, pois logo serão promovidas novamente. Com a estrutura etária da população gerencial mudando rapidamente - a mediana foi acima de quarenta anos em mil novecentos e noventa, enquanto no anos oitenta era de pouco mais de trinta anos - , o prodígio de noventa dias em gerenciamento está prestes a ser substituído por pessoas com anos de experiência. Na verdade, será possível até mesmo ver o retorno da velha regra, segundo a qual as pessoas não estão preparadas para uma promoção, a não ser que já saibam o suficiente sobre o seu novo trabalho para, após um curto período, desempenhá-lo sem supervisão. E a amplitude de controle poderá, então, ser ampliada substancialmente, uma vez que os subordinados deverão assumir responsabilidades por seu autocontrole e pela comunicação para cima. Então, à medida que a dispensa de pessoal for criando vagas em determinado nível, alguém deverá extinguir este nível.

Uma segunda maneira de reduzir o inchaço da gerência intermediária e substituir a ampliação do trabalho por uma promoção. Nos últimos setenta anos, especialmente nos últimos cinquenta e cinco ou sessenta anos, as organizações foram quase forçadas a enfatizar as promoções. Até recentemente, em mil novecentos e sessenta, a tendência era que os gerentes seniores fossem já razoavelmente idosos na maioria das organizações. E, em consequência das baixas taxas de natalidade entre mil novecentos e vinte e cinco e mil novecentos e cinquenta e das taxas ainda mais baixas de promoções neste período, não existiam gerentes suficientes para ocupar estas posições ou substituir os que as deixavam. Isto sem falar nas eventuais necessidades de preenchimento de cargos intermediários em períodos de rápida expansão. Assim, de mil novecentos e sessenta em diante, foi preciso contar com os jovens assim que demonstrassem ser um promessa.

Contudo, para o curto prazo, os cargos estão todos ocupados. quantas oportunidades de promoção, por exemplo, haveria para o ansioso e brilhante vice-presidente, de trinta e um anos de idade, de um grande banco comercial, quando o vice-presidente sênior a quem ele se reporta trinta e oito anos,o vice-presidente executivo, quarenta e seis e o presidente, cinquenta anos de idade? Ou para seu colega na universidade, o reitor-adjunto, de vinte e nove anos de idade, cujo reitor tem trinta e quatro, o diretor, quarenta e cindo, e o presidente, quarenta e seis anos de idade? O único mode de se oferecer um senso de satisfação e de conquista a estes jovens gerentes e executivos - e mesmo para seus subordinados, ainda mais jovens - é tornar os cargos maiores, mais desafiadores, mais exigentes e mais independentes e, ao mesmo tempo, aumentar as transferências laterais para diferentes tarefas, em vez de promovê-lo como recompensa por um desempenho excepcional.

Há sessenta anos, foi inserida na avaliação de desempenho de gerentes a seguinte pergunta: "Será que estão preparados para uma promoção?" Agora, é preciso substituir esta pergunta por outra: será que estão preparados para um desafio maior e mais exigente e para o acréscimo de novas responsabilidades ao seu trabalho já existente? Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-o-crescimento-de-desafios-exig%C3%AAncias-e-responsabilidades . 

Organização baseada em informação: liderança, desempenho, autodisciplina e responsabilidade

O escritório do futuro ainda é, em grande parte, especulação, mas a organização do futuro está rapidamente se tornando uma realidade - uma estrutura em que a informação serve como eixo e suporte estrutural central. Diversas empresas - por exemplo, Citibank, nos Estados Unidos da América ( EUA ); Massey-Ferguson, fabricante de tratores canadense; e algumas grandes trading companies japonesas - estão freneticamente remodelando sua estrutura gerencial em torno do fluxo de informações. E onde quer que comece a haver uma genuína automação da linha de produção de manufaturas, como na linha de locomotivas da General Electric Company ( GE ) em Erie, Pensilvânia, percebe-se que é necessário reestruturar o corpo gerencial e redesenhá-lo no formato de uma organização orientada para a informação.

O organograma de um sistema orientado com base em informação pode parecer bastante convencional. Entretanto, uma organização deste tipo se comporta de forma bem distinta e requer um comportamento diferente de seus integrantes.

A estrutura baseada em informação é horizontalizada, com muito menos níveis gerenciais que uma convencional. Quando uma grande multinacional manufatureira se reestruturou em torno da informação e de seu fluxo, descobriu que sete de seus doze níveis gerenciais poderiam ser eliminados. Da mesma forma, em fábricas automatizadas como a de automóveis Nissan, perto de Yokohama, no Japão, e a de locomotivas em Erie, a maior parte dos tradicionais níveis gerenciais, entre o supervisor de primeira linha e o gerente da fábrica, desapareceu.

Estes níveis - como ficou evidente - não eram de autoridade, tampouco de tomada de decisão, nem mesmo de supervisão. Eles eram retransmissores de informação, similares em função a um amplificador em uma linha telefônica, que coleta, amplifica, reagrupa e envia a informação adiante - todas as tarefas que um sistema de informação impessoal é capaz de fazer melhor. Isto diz respeito, especialmente, aos níveis gerenciais que coordenam em vez de fazer - coordenadores de grupo de trabalho, assistentes, gerentes regionais de vendas. Mas tais níveis gerenciais, da forma como continuam a existir em organizações orientadas para a informação, assumem tarefas muito maiores, mais exigentes e com muito mais responsabilidades. Isto é verdade particularmente no que se refere ao supervisor de primeiro nível em fábricas automatizadas.

A estrutura baseada em informação torna irrelevante o famoso princípio de esfera de controle ( span of control ), segundo o qual o número de subordinados que podem reportar-se a um superior é estritamente limitado, e o máximo admitido seria de cinco a seis pessoas. o novo princípio está tomando o lugar deste - Peter F. Drucker chamava-a de esfera de comunicações ( span of comunications ), ou seja, o número de pessoas que se reportam a um superior é limitado apenas pela vontade do subordinado de assumir a responsabilidade por suas próprias comunicações e relacionamentos, seja para cima, para baixo ou lateralmente. Controle, como passou-se a constatar, é a capacidade de se obterem informações. E um sistema de informação oferece isto em profundidade, com maior rapidez e precisão, do que qualquer relatório para o chefe.

A organização que se baseia em informação não precisa, na realidade, de uma avançada tecnologia da informação. Tudo o que ela necessita é de vontade de fazer a seguinte pergunta: "Quem precisa desta informação, quando e onde?" Com muito pouca tecnologia além de canetas-tinteiro, os britânicos fizeram estas perguntas na Índia, há duzentos e quarenta anos, e produziram a estrutura mais horizontalizada do mundo, em que quatro níveis gerenciais, ocupados por menos de mil pessoas - a maioria jovens, quase adolescentes e gerentes intermediários inferiores - , governaram um subcontinente com eficiência. Mas, quando uma empresa constrói sua organização em torno de uma moderna tecnologia da informação, deve fazer as perguntas. E, então, posições e níveis gerenciais cujo principal propósito era reportar, em vez de fazer, podem ser eliminados.

Entretanto, ao mesmo tempo, a estrutura baseada em informação permite - na verdade, geralmente requer - muito mais artistas solo, com muito mais variedade de especializações em todas as áreas, desde empregados de áreas técnicas e de pesquisa a profissionais de serviços, cuidando de grupos especiais de clientes. Por exemplo, o Citibank nomeou, em Nova Iorque, um vice-presidente sênior para cuidar de seus principais clientes japoneses e de suas respectivas necessidades financeiras em qualquer parte do mundo. Esta pessoa não é o chefe das grandes agências do banco no Japão, mas tampouco faz parte da equipe administrativa. Ele é, positivamente, de linha de frente. É um artista solo. Espera-se que ele atue mais ou menos como um pianista que executa um concerto de Bethoven. Tanto ele quanto a orquestra a seu redor, ou seja, o resto do banco, conseguem funcionar bem porque ambas as partes conhecem a partitura. é a informação, e não a autoridade, que lhes que lhes permite funcionar apoiando-se mutuamente.

Fábricas de manufaturas automatizadas também descobriram que precisam de uma boa equipe de especialistas em controle da qualidade. Estas pessoas, embora com muitos anos de empresa, não ocupam cargos. Não pertencem à cadeia de comando. No entanto, assumem responsabilidades - assim como uma espécie de superchefe reserva de luxo, que entra no jogo para fazer o gol decisivo - sempre que algum processo da fábrica começa a ter problemas de qualidade.

O sistema orientado para a informação também permite uma diversidade muito maior. Torna possível, por exemplo, haver, dentro da mesma estrutura corporativa, unidades gerenciais, encarregadas por otimizar o que já existe, e unidades empreendedoras, que têm a função de tornar obsoleto o que existe e criar um futuro diferente.

Organizações tradicionais basicamente se alicerçam na autoridade de comando. O fluxo é de cima para baixo. Organizações baseadas em informação se alicerçam em responsabilidade. O fluxo é circular, de baixo para cima e de volta para baixo. O sistema baseado em informação pode, portanto, funcionar apenas se cada indivíduo e cada unidade aceitarem responsabilidades: por suas metas e prioridades, por seus relacionamentos e por sua comunicação. Cada um deve fazer as seguintes perguntas: O que a empresa deve esperar de mim e me cobrar em termos de desempenho e de contribuição? Quem na organização deve saber e entender o que estou tentando fazer de forma que as duas partes - eles e eu - possam trabalhar? De quem dependo na organização para obter informação, conhecimento e capacitação específica? E quem depende de mim para obter informação, conhecimento e capacitação específica? a quem eu devo apoiar e a quem devo procurar para obter apoio?

A organização de negócio convencional foi modelada seguindo o exemplo das Forças Armadas. O sistema baseado em informação se assemelha mais a uma orquestra sinfônica. Todos os instrumentos seguem a mesma partitura, mas cada qual toca uma parte diferente. Eles tocam em conjunto, mas raramente em uníssono. O número de violinistas é maior, mas o primeiro violino nem mesmo é o chefe dos demais. E a mesma orquestra é capaz de, no curto espaço de tempo de uma noite, tocar cinco peças musicais, cada qual com um estilo,partitura e solos instrumentais completamente diferente das outras.

Na orquestra, contudo, a partitura é distribuída tanto para o maestro quanto para os músicos. Na empresa, a partitura é escrita ao mesmo tempo em que é executada. Para saber qual é a partitura, todos na organização voltada para a informação devem gerenciar por objetivos que são previamente negociados e claramente entendidos. O gerenciamento por objetivos e o autocontrole são, por necessidade, os princípios integradores da estrutura baseada em informação.

A organização baseada em informação requer, portanto, enorme autodisciplina. Isto, por sua vez, torna possível a rapidez na tomada de decisões e nas respostas, além de grande flexibilidade e considerável diversidade.

Estas vantagens somente serão obtidas se houver entendimento, compartilhamento de valores e, acima de tudo, respeito mútuo. Isto provavelmente se superpõe à diversidade com base financeira do conglomerado. Se cada parte deve conhecer a partitura, então é preciso ter uma linguagem comum, um núcleo comum de unidade. E isto, como demonstra a experiência, é oferecido apenas por um mercado comum ( por exemplo, fornecedores de assistência médica ou donas de casa ), ou por uma tecnologia comum. Mesmo com um tradicional sistema baseado em comando, a diversificação que se alicerça principalmente no controle financeiro, caso de um típico conglomerado, jamais durou mais tempo que o mandato de seu fundador, fosse ele Harold Geneen, da ITT, ou Charles Bluhdorn da Gulf & western. Entretanto, se a organização for baseada em informação, a diversificação em que a única linguagem comum é o controle financeiro estará fadada a entrar em colapso na confusão da Torre de Babel.

A organização baseada em informação não é permissiva e, sim, disciplinada. Requer uma liderança forte e determinada. Maestros de primeira qualidade são, sem exceção, perfeccionistas inacreditavelmente exigentes. Contudo, o que caracteriza um maestro de primeira linha é sua capacidade de fazer até o mais novato dos instrumentistas, aquele sentado lá no fundo, tocar como se o desempenho do todo dependesse da excelência de cada uma das pequenas partes. Em outras palavras, o que a organização baseada em informação necessita é de liderança que respeite o desempenho, mas exija autodisciplina e responsabilidade em cadeia, desde o supervisor de primeiro nível até a administração superior da empresa. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/organiza%C3%A7%C3%A3o-baseada-em-informa%C3%A7%C3%A3o-lideran%C3%A7a-desempenho-autodisciplina-e-responsabilidade e

https://ibadeinstituto.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=218&catid=8&Itemid=101 .

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Administração: atividade de suporte à atividade operacional que não a substitui

Os empregados encarregados do apoio administrativo - isto é, as pessoas que analisam e planejam, contribuem com conhecimento, elaboram políticas e prestam assessoria - vêm rapidamente crescendo em números na maioria das organizações nos Estados Unidos da América ( EUA ). E este crescimento é ainda maior no setor de empresas que não distribuem lucros aos sócios, conhecidas como sem fins lucrativos, apesar de visarem ao lucro tanto quanto qualquer outra empresa declaradamente com fins lucrativos. Contudo, desde os anos cinquenta, em muitas grandes empresas manufatureiras, o número de empregos administrativos cresceu cinco a dez vezes mais rápido que o número de postos operacionais em produção, engenharia, contabilidade, pesquisa, vendas e serviços ao cliente. O crescimento desordenado e o excessivo poder dos empregados de apoio administrativo são considerados, por praticamente todos os críticos em todo o mundo, um sério ponto fraco da indústria americana, e uma das principais causas de seu desempenho medíocre.

Mas nem sempre foi assim. Nos anos cinquenta, muitos visitantes, especialmente os japoneses, foram aos EUA para aprender como as empresas deveriam usar seus empregados administrativos. Talvez seja útil lembrar algumas das lições que estes visitantes colocaram em prática em seus próprios países, mas de que muitas empresas americanas aparentemente se esqueceram.

Em primeiro lugar, os empregados administrativos deveriam concentrar-se em tarefas de grande importância que continuarão a existir ainda por muitos anos. Uma tarefa de importância menor, se é que possa ser executada, deve ser feita na operação pelo pessoal operacional. Um trabalho de grande importância, que não durará para sempre - por exemplo, uma reorganização da estrutura gerencial - , será mais bem conduzido como tarefa com começo, meio e fim. Contrata-se um consultor externo ou, melhor ainda, a empresa convoca um grupo de trabalho ad hoc. Os dois podem ser dispensados assim que o trabalho estiver completo. Contudo, um grupo de empregados administrativos que assumirem as tarefas de consultores organizacionais irá, imediatamente, construir o próprio império e começará a procurar outras estruturas que deveriam ser reorganizadas, um desafio que, inevitavelmente, resultará em prejuízos para a empresa.

O trabalho dos funcionários administrativos deve ser limitado a algumas tarefas de alta prioridade. Esta é a regra mais desrespeitada nas empresas americanas, especialmente nas de grande porte. Peter F. Drucker dizia ter conhecido um departamento de pessoal que ostentava vinte e oito seções, cada uma delas produzindo políticas, programas, procedimentos, manuais e treinamentos. Há setenta anos, eram apenas quatro seções. Outra empresa tinha quatorze seções em serviços de marketing.

A proliferação de serviços administrativos os priva de sua eficácia. Pior, destrói a eficácia das pessoas que produzem resultados,os trabalhadores operacionais. Cada um dos empregados administrativos tem a convicção de que seu trabalho é o mais importante da empresa, esteja ele no departamento de administração de salários e bonificações, de previsão de vendas ou de administração de estoque. Cada um deles estará ocupado, como deve ser, produzindo políticas e procedimentos. E cada um deles espera que o pessoal operacional, do supervisor de primeira linha ao CEO, lhes dedique tempo e atenção suficientes.

A não ser que o número de tarefas dos empregados administrativos seja estritamente controlado, estas pessoas irão, cada vez mais, demandar do pessoal operacional seu recurso mais escasso: tempo. Drucker dizia gostar de fazer um teste simples. Se o trabalho dos empregados administrativos, em sua totalidade - desde a análise do planejamento e do fluxo de caixa até uma nova política de relações públicas - , exigir do pessoal operacional, de qualquer nível, mais do que três ou quatro dias de trabalho por mês, então, com exceção dos raros momentos de crise, o corpo de empregados administrativos necessita ser enxugado.

Isto significa que, cada vez que o pessoal administrativo assumir uma nova tarefa, deve abandonar uma antiga. "Muito bem, você quer avaliar a produtividade", alguém diz ao diretor de pessoal. "Ok, mas qual das tarefas realizadas hoje por você deixará de ser feita?"

Um trabalho eficaz do pessoal administrativo requer metas e objetivos específicos, além de prazos claros. "Esperamos cortar o absenteísmo pela metade no período de três anos" ou "Daqui a dois anos, esperamos entender suficientemente a segmentação de nossos mercados para reduzir o número de linhas de produtos em, pelo menos, um teerço". Objetivos deste tipo levam o pessoal administrativo a trabalhar de forma eficaz. Metas vagas, como "melhorar o comportamento dos empregados" ou "estudar as motivações do consumidor", não.

A cada três anos, mais ou menos, é importante sentar com o pessoal de cada departamento e perguntar: "Nestes últimos três anos, qual foi a contribuição de vocês para a empresa que realmente fez diferença?" O trabalho do pessoal administrativo em uma empresa, hospital ou escritório do governo não é realizado para buscar conhecimentos; seu único propósito é o aperfeiçoamento do desempenho do pessoal operacional e da organização como um todo.

Regras para o pessoal administrativo são tão importantes quanto para o trabalho que desenvolvem. Jamais deve ser colocado alguém que não tenha passado por vários cargos operacionais, de preferência em mais de uma funcional em um emprego administrativo. Isto porque, se os empregados de escritório carecem de experiência operacional, serão arrogantes em relação a estas tarefas, que sempre aparentam ser tão simples para um planejador. E, a não ser que os empregados administrativos tenham se mostrado capazes nas atividades operacionais, dificilmente terão credibilidade junto ao pessoal operacional. Serão ignorados sob a alegação de se mostrarem teóricos.

Esta regra é uma regra tão elementar que até o mais extremo proponente da supremacia do pessoal administrativo, o Exército da Prússia ( atual Alemanha ) do século dezenove, a observava com rigor. Um oficial deveria, antes de se submeter ao exame para generalato, passar por duas promoções no comando da tropa - de segundo a primeiro-tenente e, então, a capitão.

Contudo, hoje, mais ate no governo do que nas empresas, são colocados jovens recém-saídos da universidade de direito ou de administração de negócios em posições hierárquicas relativamente elevadas, como analistas planejadores ou assessores. Sua arrogância e consequente rejeição será totalmente improdutiva. Por outro lado, no Japão, ninguém, seja no governo ou em empresas, é nomeado para fazer o trabalho administrativo por definição, tem enorme autoridade, a autoridade do conhecimento. Mas não tem responsabilidade; sua tarefa é assessorar, planejar, prever, e não decidir, executar ou produzir resultados. E um dos mais antigos adágios da política é que autoridade sem responsabilidade corrompe.

Acima de tudo, os verdadeiros resultados do trabalho administrativo serão empregados operacionais mais eficazes e mais produtivos. A função dos empregados administrativos é dar suporte ao pessoal operacional, e não substituí-los. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-atividade-de-suporte-%C3%A0-atividade-operacional-que-n%C3%A3o-a-substitui .

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Administração: mesmo no setor privado, voltada ao interesse público

Quando, em mil novecentos em oitenta e cinco, uma empresa japonesa de tamanho razoável se viu repentinamente ameaçada por uma proposta de aquisição hostil - a primeira da história recente do país - formulada por um grupo de assalto constituído por instituições americanas e britânicas, sua administração afirmou enfaticamente que os verdadeiros donos do negócio, e os únicos que poderiam possivelmente vendê-lo, não eram os acionistas, mas os empregados. Certamente, este foi um exagero considerável. Os verdadeiros donos das grandes empresas japonesas são os bancos. Mas é verdade que o direito dos empregados ao trabalho é a primeira e dominante reivindicação em grandes empresas do Japão, a não ser quando a empresa enfrenta uma crise tão séria que isto coloque sua própria sobrevivência em risco.

Para ouvidos ocidentais, a afirmativa da empresa japonesa soou extremamente estranho. Contudo, os Estados Unidos da América - e o ocidente, em geral - podem estar tão adiantados quanto o Japão no processo de tornar os empregados o interesse dominante em empreendimento de negócio, e não apenas naqueles de grande porte. É claro que, enquanto isto, o quinhão da receita que pertence aos empregados de uma empresa, independentemente de seu porte, ultrapassa o que seus donos poderiam imaginar em obter: varia de quatro vezes mais ( isto é sete por cento de lucro depois dos impostos contra vinte e cinco por cento em salários e bonificações ) a doze vezes mais ( isto é, cinco por cento de lucro contra sessenta por cento em salários e bonificações ). O fundo de pensão não apenas aumentou significativamente a parcela de receita que se destina ao fundo de garantia - ao ponto de, em anos ruins, o lucro ser totalmente destinado ao fundo,além de receitas adicionais - , mas também as leis americanas ( aplicadas a qualquer companhia americana ou não que tenham ações negociadas nas bolsas de valores mobiliários dos EUA ) agora também priorizam os fundos de pensão em detrimento dos acionistas e de seus direitos de propriedade no caso de liquidação da empresa. Isto vai muito além do que a legislação ou os costumes do Japão garantem aos empregados do país.

Acima de tudo, o ocidente, com os EUA à frente, está rapidamente convertendo o emprego do empregado individual em um novo direito de propriedade e, paradoxalmente, no mesmo momento em que a absoluta primazia dos direitos de curto prazo dos acionistas está se fazendo valer pela aquisição hostil.

O veículo para esta transformação nos EUA não é a legislação sindical e tampouco legislação que exige o pagamento de indenização por demissão em muitos países europeus. O veículo é a ação judicial. Primeiro, surgiram os processos alegando discriminação, seja na contratação de empregados, demissão, promoções, remunerações ou na determinação de tarefas - discriminação com base em etnia, gênero, faixa etária ou deficiência física. Contudo, cada vez com maior frequência, estas ações nem mesmo alegam discriminação, mas violação do devido processo legal. Alegam que o empregador deve tratar o emprego do empregado, inclusive as expectativas do indivíduo quanto a pagamento e promoção, como algo cujo desfrute e cujos frutos possam ser diminuídos ou cancelados somente com base em padrões objetivos e preestabelecidos e por meio de um processo estabelecido que inclua uma análise imparcial do direito a recurso. Contudo, estes são aspectos que caracterizam a propriedade na história da lei. Na verdade, são os únicos aspectos que um direito deve conter para se chamado de propriedade, segundo a tradição legal do ocidente.

E, como a maioria dos gerentes já observou, em praticamente todas as causas, o postulante vence e o empregador perde. Os motivos são preclusão, inversão do ônus da prova e " in dubita pro misero" e outros direitos do trabalhador independentemente do mérito da questão. Sem contar, é claro, as condenações meritórias. Tudo pode ser evitado quando a empresa resolve executar uma politica estratégica de gestão de pessoas de modo a evitar tanto a demissão quanto, caso ela ocorra, a empresa esteja com saúde financeira suficiente boa para não levar desvantagem em negociações trabalhistas que antecedem o momento da demissão. Sem falar num processo contínuo de capacitação que permite o aproveitamento do empregado em outras funções antes da decisão em demitir.

Contudo, ainda haverá casos em que a empresa terá de enfrentar a realidade de estar em desvantagem no momento de demitir e arcar com todos estes custos adicionais e lançá-los como prejuízo e não como custos necessários.

Só deve-se, pelo menos observar o teorema de Pareto, que prevê que as demissões que geram custos que significam investimento para a empresa se situem na faixa dos oitenta por cento das demissões e as demissões em que a empresa estará em desvantagem e terá de arcar com os custos adicionais desta desvantagem e tenha de lançá-los como prejuízo em vinte por cento dos casos. Observando este teorema, trata-se do risco inerente a qualquer sub-área da administração ( gestão de pessoas, gestão de finanças, gestão de marketing, gestão logística, gestão do suprimento e outras sub-áreas da administração ou a ela conexas ). Sem que a incursão nestes riscos caracterize má gestão, imperícia ou negligência do administrador, este estando amparado pelo princípio da primazia do possível.

Este resultado ( da possível perda do empregador num processo demissional ) era previsível, para não dizer inevitável. E é irreversível. Ademais, não é nem novidade nem radical. O que dá acesso aos recursos produtivos de uma sociedade - e, portanto, a subsistência, função social, status e se constitui em uma das principais, se não a principal, avenidas para a independência econômica, por mais modesta que ela seja - sempre se tornou, especialmente o emprego com mão de obra qualificada, como uma posição gerencial ou profissional.

Ainda é chamada de propriedade real a terra. até muito recentemente, era a terra, po si só, que dava à maioria da humanidade - noventa e cinco por cento ou mais - o que uma propriedade dá: acesso aos recursos produtivos da sociedade e controle sobre eles; acesso à subsistência ao status e à função social; e, finalmente, a chance de se obter propriedade ( em inglês, estate, que originalmente significava propriedade da terra ) e, com isto, independência econômica.

Nas sociedades desenvolvidas dos dias de hoje, contudo, a maioria - noventa por cento a noventa e cinco por cento da população - tem acesso aos recursos de produção e a seu controle, e também ao nível de subsistência e ao status e função social em função de sua função em organizações, ou seja, por meio de seu emprego. Para pessoas com alto grau de educação, o emprego é praticamente a única rota de acesso. Cerca de noventa e cinco por cento ou mais de todas as pessoas com diploma universitário passarão toda a vida de trabalho com empregadas de organizações. As organizações modernas são o primeiro lugar - e, até aqui, o único - onde é possível alocar um grande número de pessoas com boa educação para trabalhar de forma produtiva e pagar para aplicar seus conhecimentos.

Além disto, para a maioria dos americanos, o fundo de pensão de seu local de trabalho é o único acesso à propriedade, isto é, a um pouco de independência financeira. Quando o membro da família americana com a maior renda, operário ou empregado administrativo, tiver quarenta e cinco anos de idade, e solicitar seu fundo de garantia da família, este será provavelmente seu maior patrimônio, superando em muito, o valor de sua casa ou de seus outros bens pessoais, como automóveis.

Assim, o emprego tinha de se tornar um direito de propriedade - e as únicas questões são de que forma e com que velocidade.

Resolver coisas deste tipo por meio de ações judiciais pode ser tão americano quanto a torta de maçã ou tão brasileiro como a feijoada, mas dificilmente será tão palatável. Ainda existe uma chance de a administração tomar a iniciativa neste desenvolvimento e moldar os novos direitos de propriedade ao formato do emprego, de forma que eles sirvam tanto ao empregado quanto à empresa e à economia. É necessário manter a flexibilidade do emprego. é preciso tornar possível que uma empresa contrate novos empregados e aumente sua força de trabalho. E isto significa que é necessário evitar a corda que os europeus colocaram em volta do próprio pescoço: a indenização por demissão exigida pela legislação de tantos países torna tão caro demitir alguém sem justa causa que as empresas não contratam ninguém. E nem é necessário contratar se pode aproveitar alguém que já faz parte do quadro com melhoras contínuas de produtividade.  É a busca pela maximização da curva de aprendizagem. Ninguém que venha de fora será um ponto fora desta curva, exceto nos quantitativos previsto no teorema de Pareto. O motivo de a Bélgica e a Holanda terem taxas tão extraordinariamente altas de desemprego pode ser atribuído, em quase sua totalidade, à legislação de pagamento de indenização aos demitidos. Indenização considerada justa se o demitido é jogado na rua da amargura com habilidades e experiência em função que não existe mais ou injusta se o trabalhador é treinado em várias funções e sai da empresa com amplas possibilidades de ser reaproveitado no mercado de trabalho com diversos certificados de cursos de capacitação em mãos sem contar a experiência adquirida nas diversas funções existentes dentro e fora da empresa que o demitiu. Entretanto, qualquer que seja o modo pelo qual os novos direitos de propriedade inerentes a um emprego sejam estruturados, haverá diversos requisitos aos quais cada empregador, isto é, cada organização, terá de atender. Em primeiro lugar, deverá haver padrões de desempenho iguais e objetivos para todos os que estiverem fazendo determinado trabalho, independentemente de etnia, gênero ou faixa etária. Segundo, para satisfazer às exigências do processo legal, estes padrões de desempenho devem ser avaliados por alguém verdadeiramente isento. E, finalmente,o processo  legal exige o direito a recursos - algo, por sinal, que uma empresa tão autoritária quanto a IBM já tem há quase um século.

A evolução do emprego para direito à propriedade muda a posição do indivíduo dentro da organização. E mudará igualmente, ou até mais, a posição da organização na sociedade, uma vez que tornará claro aquilo que hoje ainda é nebuloso: instituições organizadas e administradas se tornam, cada vez mais, órgão de oportunidade, de conquistas e de realização para o indivíduo na sociedade de organizações.

Ainda ha muito trabalho importante a ser feito - muito mesmo - em áreas convencionalmente consideradas como administração, pelas escolas de administração, jornais de administração e até pelo próprios gerentes praticantes. Mas os principais desafios são os novos, aqueles que estão bem além do que geralmente é definido como campo da administração. Na verdade, haverá o questionamento de que tudo o que está sendo discutido nem poderia ser considerado administração, mas estaria mais afeto à teoria política e social e à legislação pública.

Precisamente. O sucesso da administração não alterou o trabalho de administração. Mas transformou profundamente o significado de administração. Seu sucesso tornou a administração uma função geral e onipresente, além de um órgão distinto da sociedade de organizações. Como tal, a administração, inevitavelmente, se tornou impregnada do interesse público. Elaborar o que isto significa para a teoria e a prática da administração se constituirá o problema da administração das próximas décadas. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/administra%C3%A7%C3%A3o-mesmo-no-setor-privado-voltada-ao-interesse-p%C3%BAblico .     

   


sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Administração: a conciliação do bem comum com a missão das instituições

O dogma do Estado liberal ainda é ensinado nas universidades dos Estados Unidos da América ( EUA ), departamentos de governo e escolas de Direito. Segundo este dogma, todo poder organizado se incorpora em um governo central. Mas a sociedade de organizações é uma sociedade pluralista. Em aberto desafio ao dogma prevalente, ela contém uma sociedade de organizações e de centros de poder. E cada uma destas células deve ter uma administração e ser administrada. O empreendimento empresarial é apenas uma delas; há também os sindicatos, organizações agrícolas, instituições de saúde, escolas e universidades, sem mencionar os meios de comunicação. Na verdade, até mesmo o governo está se tornando um conjunto pluralista de centros de poder quase autônomos. Algo muito diferente dos ramos de governo previstos na Constituição dos EUA. Existe, por exemplo, o serviço civil. O último presidente dos EUA a ter o controle efetivo do serviço civil, foi Winston Churchill; na Rússia, Stalin. Desde aquele tempo, o serviço civil em todos os principais países se tornou uma instituição por seus próprios méritos, assim coo as Forças Armadas.

No século dezenove, o Estado liberal teve de admitir os partidos, embora o tenha feito da má vontade e com terríveis apreensões e desconfiança. Mas o propósito dos partidos era a conquista do governo. Eles eram, por exemplo, engrenagens, da máquina governamental e não tinham existência ou justificativa fora dela.

Nenhum destes propósitos anima as instituições do novo pluralismo.

As instituições do velho pluralismo, isto é da Europa Medieval ou do Japão Medieval ( os príncipes, os barões feudais, as cidades autônomas, os artesãos, os bispados e os monastérios ), eram, por si sós, governos. Cada um deles, na verdade, tentou anexar o máximo da plenitude do poder governamental até o limite possível. Todos cobravam impostos e taxas de importação. Cada um deles tentou nomear cavaleiros e conferir títulos de nobreza ou de cidadania. E cada um tentou o direito mais cobiçado do todos: cunhar a própria moeda.

Mas o propósito das instituições pluralistas de hoje é não governamental: fabricar e vender bens e serviços, proteger empregos e salários, curar os doentes, ensinar os jovens e assim por diante. Cada uma delas somente existe para fazer algo diferente do que o governo já faça ou, na verdade, fazer algo para que o governo não precise fazer ele mesmo.

As instituições do velho pluralismo também viam a si próprias como comunidades totais. Mesmo a associação de artesãos, a dos poderosos tecelões de lã de Florença, por exemplo, se organizaram principalmente para controlar seus membros. Obviamente, os tecelões eram pagos pela venda de peças de lã para outras pessoas. Mas a associação se esforçou para isolar seus membros contra impactos econômicos externos por meio de severas restrições quanto ao que podei ser tecido, em que quantidade e como, por que o preço e por quem. Todas as associações reuniam seus membros em suas próprias sedes onde exerciam controle governamental. Todas imediatamente construíram as próprias igrejas, com seus santos patronos. Todas construíram suas próprias escolas; em Londres, ainda existe a Merchant Taylor's ( Mercador de Tecidos ). Todas controlavam o acesso de membros. Se as instituições do velho pluralismo precisassem lidar com entidades externas, elas o faziam como uma ação de relações exteriores, por meio de pactos formais, alianças, feudos e, com certa frequência, guerra aberta. a entidade externa era estrangeira.

As instituições do novo pluralismo não tem qualquer propósito, a não ser fora delas. Elas existem em função de um cliente ou de um mercado. Uma conquista em hospital não é uma enfermeira satisfeita e, sim um ex-paciente curado. Uma conquista na empresa não é uma força de trabalho satisfeita, por mais que isso seja desejável, e sim, um cliente satisfeito que repete a compra do produto.

Todas as instituições de novo pluralismo, diferentemente daquelas do antigo tem um único propósito. São ferramentas da sociedade para suprir uma necessidade social específica, seja a fabricação e venda de automóveis a prestação de serviços de telefonia, a cura dos doentes, a educação de crianças ou o fornecimento de um salário-desemprego para quem não consegue trabalho. Contudo para dar esta contribuição única e específica, estas instituições precisam, elas próprias, de considerável autonomia. Precisam ser organizadas de forma perpétua ou, pelo menos, por longos períodos. Precisam dispor de uma considerável quantidade de recursos da sociedade, como terras, matérias-primas e dinheiro, mas, acima de tudo, pessoas e especialmente do tipo mais raro de todos - pessoas altamente treinadas e educadas. E precisam de uma considerável quantidade de poder sobre as pessoas - e poder coercitivo. É muito fácil esquecer que, em um passado não muito remoto, somente escravos, servos e criminosos condenados deveriam estar em seus postos de trabalho no horário estabelecido para eles por outra pessoa.

Essa instituição tem - e deve ter - poder para conceder ou negar reconhecimento social e recompensas econômicas. Qualquer que seja o método adotado para selecionar pessoas a fim de cumprir tarefas ou ganhar promoções - indicação superior, indicação dos colegas ou mesmo por rotatividade entre funções - , esta é sempre uma decisão de poder tomada não pelo indivíduo, mas por alguém em seu nome, e com base em critérios impessoais que estão relacionados ao propósito da organização, e não no interesse do indivíduo. Portanto, o indivíduo está, por necessidade, sujeito a um poder ancorado no sistema de valores de qualquer que seja o propósito específico que a instituição foi criada para satisfazer. E o órgão por meio do qual este poder é exercido na instituição é aquele que são chamados de administração.

Isto é novo e ainda não tem precedentes - o fato é que ainda não foi construída uma teoria social ou política para explicá-lo.

Este novo pluralismo levanta imediatamente a seguinte questão: Quem cuida do bem-estar público quando a sociedade é organizada em centros de poder individuais, cada um deles preocupado com metas específicas, e não com o bem comum?

Cada instituição em uma sociedade pluralista vê seu próprio propósito como elemento central e mais importante. E, na verdade, nem poderia ser diferente. E, na verdade, nem poderia ser diferente. A escola, por exemplo, ou a universidade não poderia funcionar a não ser que entendesse que educar e pesquisar é o que forma um bom cidadão e cria uma boa sociedade. Certamente, ninguém escolhe se empregar na administração de um hospital ou seguir carreira de enfermagem a não ser que acredite na saúde como valor absoluto. E, assim como atestam centenas de fusões e aquisições, nenhuma administração fará um bom trabalho em uma empresa a não ser que acredite em seus produtos ou serviços e respeite seus clientes e valores.

O CEO da General Motors Company ( GMC ), Charles E. Wilson ( mais tarde, secretário de defesa do Presidente Eisenhower ), jamais afirmou "O que é bom para a GMC é bom para o país". O que ele realmente disse foi: "O que é bom para o país é bom para a GMC e vice-versa.". Contudo, o fato de sua fala ter sido distorcida é irrelevante. O importante é que todos estavam certos de que ele tivesse dito a primeira versão e que realmente acreditava nisto. Na verdade, ninguém poderia estar à frente da GMC - ou da Harvard University, ou do Misericórdia Hospital, ou do Sindicato da Construção Civil ou da Marinha - a não ser que acreditasse que o que fosse bom para qualquer destas instituições fossem também bom para o país e, mais do que isto, fosse uma missão, que embora não por ordem divina, ainda assim, fosse essencial para a sociedade.

No entanto, cada uma destas missões é unica e representa apenas uma dimensão do bem comum - importante, sim, indispensável, talvez, e, apesar disto, um bem relativo  e não absoluto. E, como tal, deve ser limitado, pesado na balança junto com - e geralmente subordinado a - outras considerações. De alguma forma, o bem comum deve ser elaborado de forma a emergir do conflito e do clamor entre interesses especiais.

O velho pluralismo jamais resolveu este problema. Isto explica por que sua supressão se tornou uma causa progressiva e aquela com que os filósofos morais da era moderna ( ou seja, do período entre os séculos dezesseis e dezenove ) se alinharam.

Será que o novo pluralismo se sairá melhor? Uma solução seria, é claro, suprimir as instituições pluralistas. Esta é a resposta oferecida pelo totalitarismo e, efetivamente, é sua verdadeira essência. O Estado totalitário, qualquer que seja seu nome - fascista, nazista, stalinista ou maoista - , torna todas as instituições subservientes ao Estado e às suas extensões ( ou ao partido onipotente ). Isto salva o Estado da moderna teoria política, mas ao custo do sacrifício da liberdade individual, do livre pensar, da liberdade de expressão e, em suma, de qualquer limitação de poder, como professa a teoria tradicional. Mas ele somente consegue manter seu monopólio de poder com base no terror declarado, como Lenin foi o primeira a perceber. E, mesmo a este terrível custo, na realidade, não funciona muito bem. Como é sabido agora - e a experiência de todos os regimes totalitaristas é exatamente a mesma, quer se denominem de esquerda ou de direita - , as instituições pluralistas resistem por trás da fachada monolítica e somente podem ser retida sua autonomia se elas e a sociedade, em conjunto, ficarem impossibilitadas de atuar - como aconteceu, por exemplo, com os expurgos stalinistas ou a revolução cultural de Mao. Os regimes totalitaristas provaram que a sociedade moderna deve ser uma sociedade de organizações, e isso significa uma sociedade pluralista. A única escolha é se a liberdade individual deve ser mantida ou suprimida e destruída, embora como nenhum outro propósito exceto o poder explícito.

A abordagem americana é oposta àquela do totalitarismo. Os EUA - o único país entre as nações modernas - jamais aceitaram inteiramente o dogma do Estado liberal. Bem no começo de sua história, a teoria política pluralista de John C. Calhoun, a maioria convergente, chegou a se opor a ele. Da forma como Calhoun apresentou sua teoria, nos anos de mil oitocentos de trinta e mil oitocentos e quarenta, isto é, como um pluralismo exercido por meio de estados individuais e com a intenção de evitar o desmembramento da União por conta da escravatura, a maioria convergente não sobreviveu à guerra civil. Mas, trinta anos mais tarde, Mark Hanna, o fundador tanto do moderno Partido Republicano quanto da moderna política americana, reformulou o pluralismo de Calhoun como uma maioria convergente de grandes interesses: fazendeiros, trabalhadores, empresas. cada um destes três legados poderá efetivamente vetar a maioria, que não deve impor a própria vontade sobre os outros, mas deve ser capaz de evitar que estes imponham sua vontade sobre a maioria. Trinta anos mais tarde, Franklin D. Roosevelt tornou este conceito a crença política básica do New Deal. No sistema de Roosevelt, o governo se tornou o árbitro cuja função era assegurar que nenhum interesse se tornasse excessivamente poderoso. Quando ele assumiu o governo, o capital - business ( negócio empresarial ) como o termo veio mais tarde e management ( administração ) mais tarde ainda - parecia extremamente poderoso. Os fazendeiros e trabalhadores organizaram-se, então, para sublimar o poder dos negócios empresariais, isto é, das empresas. E, então, não muitos anos mais tarde, quando o poder dos trabalhadores estava aparentemente se tornando grande demais, fazendeiros e empresas se organizaram para reequilibrar o poder, e assim por diante.

Cada um dos interesses é livre para perseguir os próprios objetivos, independentemente do bem comum; e é exatamente isto que se espera deles. Nos dias mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, em mil novecentos e quarenta e três, quando as tropas americanas ainda careciam de armas e munições, John L. Lewis, fundador do Congresso de Organizações Industriais ( isto é, um moderno unionismo americano ) e poderoso líder do sindicato dos mineiros, desafiando os controles nacionais de salários, determinou a adoção de uma greve de mineiros para conseguir maiores salários para seus homens. O presidente Roosevelt o atacou publicamente por colocar em risco a sobrevivência do país. Lewis respondeu: "O presidente dos EUA é pago para cuidar da sobrevivência da nação. Eu sou pago para cuidar dos interesses dos mineiros de carvão.". Embora os jornais tenham atacado Lewis de forma violenta, a opinião pública aparentemente acreditava que Lewis apenas dissera em voz alta aquilo que o governo vinha praticando o tempo todo. E, assim, Lewis obteve apoio suficiente para ganhar a greve.

No entanto, este exemplo demonstra que a doutrina pluralista americana dificilmente pode ser considerada adequada. Na verdade, como fez o antigo pluralismo, ela provocou o surgimento de tantos interesses absolutos e grupos de pressão que é quase impossível conduzir os negócios do governo, que dirá conduzi-lo levando em conta o bem comum.

De mil novecentos e oitenta e quatro a mil novecentos e oitenta e cinco, praticamente todos nos EUA concordavam que o país precisava de uma drástica reforma tributária que pudesse substituir um código de impostos cada vez mais complicado e irracional, com umas poucas tarifas e isenções eliminadas. Mas era impossível implementar o código. Cada isenção se tornou sagrada de interesses absolutos. E, embora alguns destes interesses representassem apenas algumas centenas ou alguns milhares de eleitores, cada um podia bloquear - e efetivamente bloqueou - a reforma tributária.

Existe uma saída? Os japoneses parecem ser os únicos, até aqui, capazes de reconciliar a sociedade de organizações e a busca do bem comum. Espera-se que os principais interesses japoneses se alinhem com o conceito de o que é bom para o país: então, espera-se que eles enquadrem o que é bom para eles neste contexto mais amplo de uma política pública criada para servir ao interesse nacional.

É duvidoso, contudo, se o Japão será capaz de manter esta abordagem no longo prazo. Ela reflete um passado em que o país se encontrou isolado em um mundo hostil e alienígena. Esta forma, o país como um todo, independentemente de interesses imediatos, precisou se unir, temeroso da desagregação. Será que esta atitude permanecerá, mesmo com o sucesso do país? E uma abordagem deste tipo teria chance de dar certo no Ocidente, onde se espera que os interesses se comportem como interesses?

O que se pergunta é: Isto seria um problema de administração? Não seria um problema político, de governo ou de filosofia política? Se a administração não enfrentá-lo, então quase inevitavelmente, haverá a imposição de uma solução política. Por exemplo, quando as instituições de tratamento de saúde americanas - hospitais e profissionais médicos - não assumiram a responsabilidade pelo aumento agudo dos custos de saúde, o governo lhes impôs restrições, como aquelas referentes aos tratamentos de pacientes idosos em hospitais. Estas regras claramente não se referem ao tratamento de saúde e talvez até o prejudiquem. Elas foram concebidas para atender a preocupações fiscais de curto prazo de empregados e do governo. Isto é, foram criadas para substituir uma abordagem diferente, mas igualmente parcial dos interesses parciais e autocentrados da área de saúde.

Este deverá ser o resultado, a não ser que a administração destas instituições do novo pluralismo reconheça como sua tarefa reconciliar a preocupação com o bem comum e a busca da missão especial que justifica a existência da instituição. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

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