Em que pese a posição de Ramos ( * vide nota de rodapé ) de ter a redação originária da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) adotado o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo, ao dotar os tratados de Direitos Humanos ( DH ) de estatuto equivalente à norma constitucional ( de acordo com o Artigo Quinto, Parágrafo Segundo ), essa posição é minoritária até o momento. O bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional, além da própria CF - 88.
Assim, resta a aceitação - plena, ao que tudo indica - de um bloco de constitucionalidade restrito, que só abarca os tratados aprovados pelo rito especial ( por maioria qualificada de Três quintos dos membros das Duas casas do Congresso Nacional - CN - em Dois turnos de votação ) do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, introduzido pela Emenda Constitucional ( EC ) Quarenta e cinco / Dois mil e quatro.
Loco, todos os demais Artigos da CF - 88 que tratam do princípio da supremacia da norma constitucional, como, por exemplo, os referentes ao controle difuso e concentrado de constitucionalidade ( Artigos Cento e dois e Cento e três ) devem agora ser lidos como sendo componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo e não somente da CF - 88.
A filtragem constitucional do ordenamento, ou seja, a exigência de coerência de todo o ordenamento aos valores da CF - 88 passa a contar também com o filtro internacionalista ( *2 vide nota de rodapé ) oriundo dos valores existentes nestes tratados aprovados pelo rito especial. Consequentemente, as normas paramétricas de confronto no controle de constitucionalidade devem levar em consideração não só a CF - 88, mas também os tratados celebrados pelo rito especial. Portanto, cabe acionar o controle abstrato e difuso de constitucionalidade, em todas as suas modalidades, para fazer valer as normas previstas nesses tratados.
Os dois primeiros tratados que foram aprovados de acordo com esse rito foram a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ( CONUDPcD ) e seu Protocolo Facultativo ( PF ) ( *3 vide nota de rodapé ), assinado em Nova Iorque, em Trinta de março de Dois mil e sete. Além de robusto rol de direitos previstos na CONUDPcD, houve a submissão brasileira ao sistema de petição das vítimas de violação de direitos previstos ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ( CDPcD ) ( *4 vide nota de rodapé ), de acordo com o PF.
O rito especial foi seguido em sua inteireza. O Presidente , na mensagem presidencial de encaminhamento do texto do futuro tratado, solicitou o rito especial. O Decreto Legislativo ( DL ) número Cento e oitenta e seis foi aprovado, por maioria de Três quintos e em Dois turnos em cada Casa do CN e publicado em Dez de junho de Dois mil e oito. O Brasil depositou o instrumento de ratificação dos dois tratados ( a CONUDPcD e seu PF ) junto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ) em Primeiro de agosto de Dois mil e oito e estes entraram em vigor para o Brasil, no plano internacional, em Trinta e um de agosto de Dois mil e oito. O Decreto Presidencial número Seis mil novecentos e quarenta e nove promulgou os textos dos dois tratados no âmbito interno, tendo sido editado em Vinte e cinco de agosto de Dois mil e nove, quase um ano após a validade internacional dos referidos tratados para o Brasil.
Em Dois mil e quinze, foi aprovado no CN o Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso ( TMFAOPPCDVODATI ) ( *5 vide nota de rodapé ), concluído no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual ( OMPI ), celebrado em Marraqueche, em Vinte e oito de junho de Dois mil e treze, que passou a ser o terceiro tratado de DH sob o rito do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, da CF - 88.
No caso do TMFAOPPCDVODATI, a adoção do rito especial foi recomendada pela Exposição de Motivos Interministerial ( EMI ) número Quatro / Dois mil e quatorze do Ministério das Relações Exteriores ( MRE ), da Secretaria Especial dos DH ( SDH ) e do Ministério da Cultura ( MinC ), uma vez que o TMFAOPPCDVODATI tem como objetivo favorecer a plena realização dos direitos das Pessoas com Deficiência ( PcD ), em consonância com as normativas internacionais de DH. Na ocasião, houve severas críticas ao TMFAOPPCDVODATI por parte da sociedade civil organizada e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ( PFDC ) do Ministério Público Federal ( MPF ). Na mesma mensagem presidencial número Trezentos e quarenta e quatro, de Três de novembro de Dois mil e quatorze, não é feito algum pedido referente ao rito especial, mas é encaminhada a EMI. O CN adotou o rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, redundando na aprovação do Decreto Legislativo número Duzentos e sessenta e um, de Vinte e cinco de novembro de Dois mil e quinze.
Esse estatuto comum aos três tratados referentes aos direitos das PcD dá coerência á temática, a partir da CONUDPcD: o PF trata do direito de petição das vítimas de violação de direitos previstos na CONUDPcD e o TMFAOPPCDVODATI cumpre o disposto no Artigo Trinta . Três da CONUDPcD ( " os Estados Partes deverão tomar todas as providências, em conformidade com o direito internacional, para assegurar que a legislação de proteção dos direitos de propriedade intelectual não constitua barreira excessiva ou discriminatória ao acesso de PcD a bens culturais" ).
Os três tratados, interligados, constituem-se então no arco internacional de inclusão da PcD no Brasil, sendo coerente que tenham o mesmo estatuto normativo ( equivalente à EC ).
Quadro sinótico
O bloco de constitucionalidade
O Bloco de constitucionalidade amplo
1) Bloco de constitucionalidade: consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional, além da própria CF - 88.
2) Marco do reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade: Decisão número Setenta e um - Quarenta e quatro DC de Dezesseis de julho de Mil novecentos e setenta e um, do Conselho Constitucional francês, relativa á liberdade de associação.
3) Artigo Quinto, Parágrafo Segundo, da CF - 88: permite, ao dispor sobre os "direitos decorrentes" do regime, princípios e tratados de DH, o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo, que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de DH.
4) Com o posicionamento do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados de DH ( patamar de supralegalidade ), restam apenas os tratados aprovados pelo rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, como parte integrante de um bloco de constitucionalidade restrito.
O bloco de constitucionalidade restrito
1) Não obstante o disposto no Artigo Quinto, Parágrafo Segundo, da CF - 88 permitir entender que se adotou o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo, essa e uma posição minoritária. O bloco de constitucionalidade restrito só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, introduzido pela EC Quarenta e cindo / Dois mil e quatro.
2) Consequência do reconhecimento do bloco de constitucionalidade estrito: todos os dispositivos que dizem respeito ao princípio da supremacia da norma constitucional ( como aqueles relativos ao controle de constitucionalidade ) devem ser lidos como componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo.
P.S.:
Notas de rodapé:
* Ramos, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Sétima edição, São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove, Página Quinhentos e oitenta e cinco.
*2 A interpretação internacionalista do Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/02/direitos-humanos-supremacia-da.html .
*3 A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo são melhor detalhados em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-protecao-das-pessoas.html .
*4 O Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-protecao-das-pcd-no.html .
*5 O Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-o-acesso-livros-em.html .
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