quinta-feira, 9 de março de 2023

Direitos Humanos: os incidentes de deslocamento de competência julgados até 2020

Sobre o deslocamento da competência dos Estados para a competência da União, em caso de grave violação de Direitos Humanos ( DH ), deslocado o feito, a Justiça Federal ( JF ) será definida de acordo com as demais peculiaridades do caso, observando-se todas as demais regras constitucionais e legais de competência ( salvo a que foi superada pela concessão do deslocamento ). Assim, em caso de crime doloso contra a vida, a competência do Tribunal do Júri Estadual será deslocada para o Tribunal do Júri Federal. Se for o caso de foro por prerrogativa de função, será observado tal foro agora na esfera federal: por exemplo, no caso de federalização de causa originária perante o Tribunal de Justiça ( TJ ), o competente será o Tribunal Regional Federal ( TRF ) da região que abranger o Estado respectivo.


Apesar de ter sido julgado improcedente, o primeiro Incidente de Deslocamento de Competência ( IDC ) requerido pela Procuradoria-Geral da República ( PGR ), o IDC número Um referente ao homicídio de Dorothy Stang, é fonte preciosa para análise do novel instituto. Em primeiro lugar, o STJ reconheceu o pedido e assim confirmou sua constitucionalidade. Citando expressamente a Convenção Americana de Direitos Humanos ( CADH ) ( * vide nota de rodapé ), decidiu o STJ que todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e / ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida ( *2 vide nota de rodapé ), previsto no Artigo quarto, número Um, da CADH, da qual o Brasil é signatário" ( IDC número Um / Pará, relator Ministro Arnaldo Esteves, Brasília, julgado em Oito de junho de Dois mil e cinco, publicado em Dez de outubro de Dois mil e cinco ).


Ainda neste mesmo caso decidiu-se que o deslocamento de competência exige "demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais de Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal".


Em Dois mil e dez, o STJ concedeu a primeira federalização de grave violação de DH relacionada ao homicídio do defensor de DH Manoel Mattos, assassinado em janeiro de Dois mil e nove, após ter incessantemente noticiado a atuação de grupos de extermínio na divisa dos Estados de Pernambuco e Paraíba. A PGR requereu ao STJ a federalização do caso 9 IDC ), tendo o STJ, por maioria ( relatora Ministra Laurita Vaz ), acatado o pleito ( *3 vide nota de rodapé ).


Até setembro de Dois mil e vinte, a PGR propôs Doze IDCs, nos seguintes casos:


1) IDC número Um - Caso do homicídio de Doroty Stang, julgado improcedente ( STJ, IDC Um / Pará, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em Oito de junho de Dois mil e cinco, Diário da Justiça de Dez de outubro de Dois mil e cinco, Página Duzentos e dezessete.

2) IDC número Dois - Caso do homicídio de Manoel Mattos, julgado parcialmente procedente e deslocado o caso do homicídio do Manoel Mattos para a Justiça Federal ( JF ), não tendo sido deslocada a investigação sobre o grupo de extermínio ( STJ, IDC número Dois / Distrito Federal, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em Vinte e sete de outubro de Dois mil e dez, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e dois de novembro de Dois mil e dez ).

3) IDC número Três - Caso da atuação de grupos de extermínio e violência policial em Goiás, julgado parcialmente procedente para deslocar casos de violência policial e desaparecimento forçado ( STJ, IDC número Três / Goiás, relator ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em Dez de dezembro de Dois mil e quatorze, Diário da Justiça eletrônico, de Dois de fevereiro de Dois mil e quinze ).

4) IDC número Cinco - Caso do homicídio do Promotor de Justiça Thiago Faria Soares, julgado procedente. Nesse caso, a falha na conduta das autoridades estaduais foi, de modo inédito, a falta de entendimento entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual, o que, na visão do STJ, poderia gerar uma investigação criminal precária e, consequentemente, a impunidade dos autores do crime ( STJ, IDC número Cinco / Pernambuco, relator Rogério Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em treze de agosto de Dois mil e quatorze, Diário da Justiça eletrônico, de Primeiro de setembro de Dois mil e quatorze ).

5) O IDC número Nove - Caso parque Bristol, fruto da impunidade dos autores dos chamados "crimes de maio de Dois mil e seis", que foram a execução sumária - com suspeita de envolvimento de policiais - de diversas pessoas, após rebeliões em presídios e ataques contra policiais no Estado de São Paulo, em maio de Dois mil e seis.

6) O IDC número Dez - Caso da Chacina do Cabula, que é um caso de múltiplos homicídios cujos acusados ( policiais ) foram absolvidos sumariamente em Primeiro Grau na Justiça da Bahia. O deslocamento foi indeferido, tendo o relator, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, entendido que o IDC seria "medida excepcionalíssima" e que os percalços do processo penal na Bahia não chegaram a comprometer as funções de apuração, processamento e julgamento do caso, uma vez que o próprio TJBA havia dado provimento ao recurso do MPBA ( STJ, IDC número Dez, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em Vinte e oito de novembro de Dois mil e dezoito ).

7) IDC número Quatorze - Caso da greve dos policiais militares do Estado do Espírito Santo ( ES ). Tratou-se de greve de policiais militares por mais de vinte dias no Estado do ES, tendo sido registradas na época ( Dois mil e dezessete ) mais de Duzentas e dez mortes, saques, arrombamentos de estabelecimentos comerciais, roubos etc. Por maioria, a Terceira Seção do STJ indeferiu prova da inércia ou leniência das autoridades encarregadas da investigação e persecução da cúpula da polícia militar envolvida ( STJ, IDC Quatorze, relatora Ministra maria Thereza de Assis Moura, julgado em Vinte e dois de agosto de Dois mil e dezoito ).

8) IDC número Quinze - Trata-se de pedido de deslocamento, para a JF do Estado do Ceará ( CE ) ( JFCE ), preferencialmente para a sede da Seção Judiciária do Estado do CE ( Fortaleza ), das investigações e ações penais relativas a casos 9 a maioria era formada por homicídios ) praticados em contexto de atuação de grupos de extermínio, com relato de participação de autoridades e agentes de segurança pública locais ( STJ, IDC número Quinze, relator Jorge Mussi, em trâmite ).

9) Caso da Comunidade Nova Brasília ( a numeração dos IDCs possui "saltos" por equívocos na autuação do STJ e por "IDC" promovido por particular - parte notoriamente ilegítima ). Trata-se de IDC ajuizado pela PGR, em setembro de Dois mil e dezenove, para federalizar a investigação e a persecução dos envolvidos nas chacinas ocorridas em Mil novecentos e noventa e quatro e Mil novecentos e noventa e cinco na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro. Foram vinte e seis pessoas mortas e três mulheres torturadas e agredidas sexualmente durante operações policiais. Após mais de vinte e cinco anos, nenhum responsável foi condenado. A Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( *4 vide nota de rodapé ) condenou o Brasil pela sua omissão, que gera a ofensa ao direito à verdade ( *5 vide nota de rodapé ) judicial e ao direito ao acesso à justiça ( *6 vide nota de rodapé ) penal por parte dos familiares das vítimas. Na mesma sentença, a Corte IDH requer expressamente que a PGR avalie a possibilidade de propor a federalização, o que foi feito em setembro de Dois mil e dezenove ( STJ, IDC Vinte e um, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em trâmite ).

10) IDC número Vinte e dois - Crimes de Rondônia - conflitos agrários. Trata-se de IDC ajuizado pela PGR para federalizar as investigações de mortes e torturas no Estado de Rondônia ( RO ) ocorridas desde Dois mil e doze, em contexto de conflito agrário na região. Houve a menção, na petição inicial, a vários homicídios cuja apuração é lenta ou inexistente, tendo em comum serem as vítimas lideranças de movimentos em prol dos trabalhadores rurais e responsáveis por denúncias de grilagem de terras e de extração ilegal de madeira. O IDC número Vinte e dois menciona o precedente do Caso Garibaldi versus Brasil, da Corte IDH ( que aborda também a impunidade dos homicídios nos conflitos agrários brasileiros ) ( *7 vide nota de rodapé ), mostrando a importância da federalização para combater o risco da responsabilização internacional do Brasil ( STJ, IDC número Vinte e dois, relator Ministro Jorge Mussi, em trâmite ).

11) IDC número Vinte e três - Violência no sistema socioeducativo do Estado do Espírito Santo ( ES ). A PGR ajuizou IDC para apurar graves violações de DH na área da socioeducação do ES, visando a assegurar o cumprimento das determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ) e do sistema nacional de atenção ao atendimento socioeducativo ( Sinase ), além de responsabilizar os autores de violações de DH realizadas contra adolescentes em conflito com a lei 9 STJ, IDC número Vinte e três, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em trâmite ).

12) IDC número Vinte e quatro - Caso Merielle - mandante. A PGR ajuizou IDC para federalizar a investigação e posterior persecução criminal referente aos autores intelectuais dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes. foi mencionada expressamente a manutenção na Justiça Estadual ( Tribunal do Júri ) do processo contra os executores já identificados dos crimes. Por unanimidade, a Terceira Seção do STJ julgou improcedente o pedido de deslocamento de competência, não tendo sido constatado "descaso, desinteresse, desídia ou falta de condições pessoais ou materiais das instituições estaduais", mas, pelo contrário, teria existido até a data do julgamento "notório empenho". ( STJ, IDC número Vinte e quatro, relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em Vinte e sete de maio de Dois mil e vinte, Diário da Justiça eletrônico de Primeiro de Julho de Dois mil e vinte ).

   

P.S.:


Notas de rodapé:


* A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*2 O direito á vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*3 IDC número Dois / Distrito Federal, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em Vinte e sete de outubro de Dois mil e dez, Diário da Justiça eletrônico ( DJe ) de Vinte de novembro de Dois mil e dez.


*4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalha em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*5 O direito à verdade judicial, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-o-direito-memoria-e.html .


*6 O direito ao acesso à justiça, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/11/direitos-humanos-garantia-do-acesso.html .


*7 O Caso Garibaldi versus Brasil, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/01/direitos-humanos-corte-edita-mais-de.html .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-incidentes-de-deslocamento-de-competencia-julgados-ate-2020 .   

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