Um fato importante da ratificação, pelo Brasil, dos tratados internacionais de Direitos Humanos ( DH ) é o reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento de tais normas.
Até o ano de Dois mil e vinte, a situação brasileira é a seguinte:
1) em Mil novecentos e noventa e oito, o Estado brasileiro reconheceu a jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de DH ( Corte IDH ) ( * vide nota de rodapé ).
2) Em Dois mil e dois, o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo ( PF ) à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher ( CETFDCM ) ( *2 vide nota de rodapé ), conferindo, então, poder ao seu Comitê ETFDCM ( *3 vide nota de rodapé ) para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos na CETFDCM;
3) Em Dois mil e dois, o Brasil também reconheceu a competência do Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial ( Comitê ETFDR ) ( *4 vide nota de rodapé ), por ato internacional depositado junto ao secretariado Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU );
4) Em Dois mil e seis, o Brasil reconheceu a competência do Comitê Contra a Tortura ( Comitê CT ) ( *5 vide nota de rodapé ) para receber e analisar petições de vítimas contra o Brasil. Em Dois mil e sete, o Brasil adotou o Protocolo Facultativo ( PF ) à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ( CCTOTPCDD ) ( *6 vide nota de rodapé );
5) O Brasil reconheceu a competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência ( Comitê DPcD ) ( *7 vide nota de rodapé ) para receber petições de vítimas de violações desses direitos;
6) Em Dois mil e nove, o Brasil deu um passo adiante, após o Congresso nacional ( CN ) ter aprovado a adesão brasileira ao Primeiro Protocolo Facultativo ( PF ) ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *8 vide nota de rodapé ); houve sua ratificação em Vinte e cinco de setembro de Dois mil e nove, permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no PF ao Comitê de Direitos Humanos ( Comitê DH ) ( *9 vide nota de rodapé ).
7) Em Dois mil e dezessete, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo ( PF ) à Convenção sobre os Direitos da Criança ( CDC ) ( *10 vide nota de rodapé ) relativo aos procedimentos de comunicação.
Assim, o Brasil deu um passo importante rumo à concretização do universalismo, aceitando a interpretação internacional dos DH ( *11 vide nota de rodapé ). Assim,, há a seguinte situação: no plano nacional, há juízes e tribunais que interpretam cotidianamente esses tratados de DH. No plano internacional, há órgãos internacionais que podem ser acionados, caso a interpretação nacional desses tratados seja incompatível com o entendimento internacional.
Por isso, há a necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional. Não seria razoável, por exemplo, que, ao julgar a aplicação de determinado Artigo da CADH, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) optasse por interpretação não acolhida pela própria CADH, abrindo a possibilidade de eventual sentença desta CADH contra o Brasil.
Esse "Diálogo das Cortes" deve ser realizado internamente, para impedir violações de DH oriundas de interpretações nacionais equivocadas dos tratados. para evitar que o "Diálogo das Cortes" seja mera peça de retórica judicial, há que se levar em consideração os seguintes parâmetros na análise de uma decisão judicial nacional, para que se determine a existência de um "Diálogo" efetivo:
1) a menção á existência de dispositivos internacionais ou extra-convencionais de DH vinculantes ao Brasil sobre o tema;
2) a menção á existência de caso internacional contra o Brasil sobre o objeto da lide e as consequências disso reconhecidas pelo STF;
3) a menção à existência de jurisprudência anterior sobre o objeto da lide de órgãos internacionais de DH aptos a emitir decisões vinculantes ao Brasil;
4) o peso dado aos dispositivos de DH e à jurisprudência internacional ( *12 vide nota de rodapé ).
Claro que não é possível obrigar os juízes nacionais ao "Diálogo das Cortes", pois isso desnaturalizaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito ( EDD ). Assim, no caso de o diálogo inexistir ou ser insuficiente, deve ser aplicada a teoria do duplo controle ou crivo de DH, que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade ( STF e juízos nacionais ) e do controle de convencionalidade internacional ( órgãos de DH do plano internacional ).
Os DH, então no Brasil, possuem uma dupla garantia: o controle de constitucionalidade nacional e o controle de convencionalidade internacional. Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para que sejam respeitados os direitos no Brasil.
Quadro sinótico
"O Diálogo das Cortes" e seus parâmetros
1) Reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento dos tratados internacionais de DH pelo Brasil:
a) Mil novecentos e noventa e oito: reconhecimento da jurisdição obrigatória e vinculante da Corte IDH;
b) Dois mil e dois: adesão ao PF à CETFDCM, conferindo poder ao seu Comitê ETFDCM para receber petições e vítimas de violações de direitos protegidos nesta CETFDCM.
c) Dois mil e dois: reconhecimento da competência do Comitê ETFDR para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela CETFDR;
d) Dois mil e seis: reconhecimento da competência do Comitê CT.
e) Dois mil e sete: adoção do PF à CCTOTPCDD, que estabelece a competência, para fins preventivos, do Subcomitê PTOTPCDD do Comitê ETFDCM;
f) Dois mil e nove: reconhecimento da competência do Comitê DPcD para receber petições de vítimas de violações desses direitos;
g) Dois mil e nove: aprovação pelo CN a ratificação do Primeiro PF ao PIDCP, permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no PIDCP ao Comitê DH;
h) Em Dois mil e dezessete, o Brasil ratificou o PF à CDC relativo aos procedimentos de comunicação.
2) Necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional. Ideia de um "Diálogo das Cortes", já que tanto o STF quanto os órgãos internacionais de DH cumprem a mesma missão de assegurar o respeito á dignidade humana e aos direitos fundamentais.
3) Teoria do duplo controle ou crivo de DH: reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade nacional ( STF e juízos nacionais ) e do controle de convencionalidade internacional ( órgãos de DH do plano internacional ).
P.S.:
Notas de rodapé:
* A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .
*2 A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-visa_12.html .
*3 O Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-eliminacao-da_27.html .
*4 O Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-eliminacao-da.html .
*5 o Comitê Contra a Tortura é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/01/direitos-humanos-o-combate-tortura-e.html .
*6 A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-brasil-se-compromete.html .
*7 O Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-protecao-das-pcd-no.html .
*8 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .
*9 O Comitê de Direitos Humanos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .
*10 A Convenção sobre os Direitos da Criança é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-da-crianca.html .
*11 Sobre a interpretação internacionalista dos tratados, em contraposição à interpretação nacionalista ( que cria os "tratados internacionais nacionais" ) ver Ramos, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. Sexta edição, São Paulo: Saraiva, Dois mil e dezenove.
*12 A posição de Ramos, André de Carvalho sobre o "Diálogo das Cortes" consta do voto do ministro Fachin, na Extradição número Mil trezentos e sessenta e dois. Extradição número Mil trezentos e sessenta e dois / Argentina, relator para o acórdão Ministro Teori Zawascki, julgamento finalizado em Nove de novembro de Dois mil e dezesseis.
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