sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Gestão de pessoas: o despotismo psicológico nas organizações

Será possível substituir a cenoura das recompensas monetárias e o chicote do medo por uma nova cenoura e um novo chicote, compatíveis com a nova realidade gerencial?

Afinal, por incrível que pareça, a cenoura e o chicote foram eficazes durante muito tempo. Não se descarta levianamente a tradição de longas eras. Durante os milênios em que o trabalhador e a execução do trabalho foram gerenciados, a sociedade mudou em seus fundamentos. No entanto, a gestão do trabalhador e da execução do trabalho demonstrou espantosa continuidade. Os princípios da Teoria X ( * vide nota de rodapé ) que foram aplicados à gestão do trabalhador e da execução do trabalho na construção das grandes pirâmides do Egito ainda orientam a organização do trabalhador e da execução do trabalho na moderna fábrica de produção em massa.

O melhor epigrama de Henry Ford é: "A história é disparate.". Ford foi um inovador ousado na organização do trabalho, em marketing e em economia; no entanto, na hora de gerenciar o trabalhador e a execução do trabalho, ele se mostrou prisioneiro da história e da tradição.

A maneira tradicional de gerenciar o trabalhador e a execução do trabalho permeia todas as culturas humanas. Não há grande diferença entre Ocidente e Oriente, entre a antiguidade pagã e a cristandade, entre a China e o Ocidente, entre o Peru inca e a Índia mogol. Tampouco a organização da sociedade parece fazer grande diferença.

A este respeito, Peter F. Drucker dizia que a análise marxista falhou redondamente. A fábrica e o escritório na Rússia soviética ou nos satélites soviéticos da Europa não são organizados de maneira diferente do Ocidente capitalista perverso. Todas as evidências demonstram que nem os trabalhadores são mais realizadores nem os chefes são menos chefes. O mesmo se aplica ao experimento da antiga Iugoslávia, muito mais imaginativo, de controle direto dos negócios individuais pelo trabalhador, à propriedade por cooperativas, e assim por diante.

Portanto, é conhecida a administração segundo a Teoria X ( * vide nota de rodapé ). O que colocar em seu lugar é - ou assim pelo menos parece - em grande parte adivinhação e especulação. Decerto, parece de grande sabedoria tentar manter a essência da Teoria X ( * vide nota de rodapé ), substituindo as velhas forças impulsoras do medo e do dinheiro por indutores modernos. O que é preciso, poderia argumentar-se, é encontrar o equivalente organizacional do motor a gasolina, que substituiu o cavalo, mas manteve o veículo com rodas.

Não só os gestores fazem esta pergunta. Os sindicatos trabalhistas talvez estejam ainda mais ansiosos por manter a estrutura da Teoria X ( * vide nota de rodapé ). Os sindicatos, afinal, têm interesse no relacionamento coercitivo entre capataz e servo da Teoria X ( * vide nota de rodapé ). Afinal, se não houvesse capataz, qual seria, na verdade, o papel do sindicato? Além disso, o combate à Teoria X ( * vide nota de rodapé ) é fonte de orgulho e de senso de missão para os líderes trabalhistas, que sabem como comportar-se neste contexto de oposição, nele alimentando sua retórica.

Quando jovens trabalhadores em algumas fábricas da General Motors Company ( GMC ) começaram a falar em humanizar a linha e montagem, a maior resistência não veio da administração da GMC, mas, sim, da liderança do United Automobile Workers ( UAW ), o sindicato trabalhista, que insistia em falar sobre dinheiro, pensões, repouso remunerado, intervalos na jornada - e assim por diante. Os líderes do UAW, em outras palavras, contrariavam os interesses dos próprios membros, ao apoiarem a preservação e até o fortalecimento da administração sob a abordagem da Teoria X ( * vide nota de rodapé ).

Buscar um novo conjunto de indutores para substituir os antigos vetores da cenoura e do chicote parece não só racional, mas também tentador. Esses vetores sucedâneos na verdade estão sendo oferecidos aos gestores, sob a forma de novo despotismo psicológico esclarecido.

A maioria, se não a totalidade dos autores recentes sobre psicologia industrial professaram lealdade à Teoria Y ( * vide nota de rodapé ), ao usarem termos como autorrealização, criatividade e pessoa integral. Mas, na realidade, estão falando e escrevendo sobre controle por meio de manipulação psicológica, ao que são induzidos por suas premissas básicas, ou seja, exatamente os pressupostos da Teoria X ( * vide nota de rodapé ): as pessoas são fracas, doentias e incapazes de cuidar de si mesmas. Elas são dominadas por medos, ansiedades, neuroses e inibições. Basicamente, não querem realizar, mas sim, fracassar. Portanto, querem ser controladas - não pelo medo da fome ou pelo incentivo das recompensas materiais, mas sim, pelo temor da alienação psicológica e pelo incentivo da segurança psicológica.

Peter F. Drucker dizia saber estar simplificando em demasia e metendo no mesmo saco meia dúzia de abordagens diferentes. Mas todas compartilham as mesmas premissas básicas, as da Teoria X ( * nota de rodapé ), e todas levam às mesmas conclusões. O controle psicológico pelo superior hierárquico, pelo gerente, é altruísta e de interesse dos próprios trabalhadores. Ao converter o trabalhador em servo psicológico, contudo, o gerente retém o controle como chefe.

Esta posição é iluminada, enquanto a antiga abordagem da cenoura e do chicote deve ser condenada como grosseiramente coercitiva ( e, como tal, é combatida pelos psicólogos ). Mas, ainda assim, é despotismo. Sob essa nova legitimação psicológica, a persuasão substitui o comando. Os que não se convencem pela persuasão são considerados doentes e imaturos; como tal, precisam de psicoterapia para se ajustar. A manipulação psicológica substitui a cenoura das recompensas financeiras; e a empatia, ou seja, a exploração dos medos, das ansiedades e das necessidades psicológicas dos indivíduo, substitui o velho medo de ser punido ou de perder o emprego. Essa nova versão é despotismo esclarecido. Como nas modernas organizações de hoje, a afluência e a educação  neste caso, a afluência e a educação crescentes da classe média - ameaçavam desprover o soberano da cenoura e do chicote. O déspota esclarecido dos filósofos manteria o absolutismo, substituindo os velhos meios pela persuasão, pela razão e pelo iluminismo - tudo no interesse dos súditos, evidentemente.

O despotismo psicológico, esclarecido ou não, é abuso crasso da psicologia. O principal propósito da psicologia é levar os indivíduos a se conhecerem melhor e a exercerem maior controle sobre si mesmos. Não foi à toa que as disciplinas hoje conhecidas como ciências comportamentais de início foram denominadas ciências morais e adotavam como principal preceito: "Conhece-te a ti mesmo.". Usar a psicologia para controlar, dominar e manipular outras pessoas é abuso autodestrutivo do conhecimento. Também é forma especialmente repugnante de tirania. O capataz do passado se satisfazia em controlar o corpo do escravo.

Neste texto, contudo, não há o foco nem com o uso adequado da psicologia nem com a moralidade. Mas será que a estrutura da Teoria X ( * vide nota de rodapé ) pode ser mantida por meio do despotismo psicológico? Será que o despotismo psicológico funciona?

O despotismo psicológico deveria exercer grande atração para os gestores, pois lhes acena com a promessa de poderem continuar agindo como sempre agiram. Tudo que precisam é adquirir um novo vocabulário. Isso os lisonjeia. No entanto, os gestores, mesmo lendo com avidez os livros de psicologia e participando de workshops de psicologia, relutam em experimentar a nova Teoria X ( * vide nota de rodapé ) psicológica.

Os gestores demonstram instintos saudáveis ao se mostrarem arredios. O despotismo psicológico, no âmbito organizacional, não pode funcionar melhor que o despotismo esclarecido, na esfera política, ha duzentos anos - e pela mesma razão. Ele exige gênio universal por parte do suserano. Caso se dê ouvidos aos psicólogos, os gestores terão de conhecer tidos os tipos de pessoas. Precisarão dominar todos os tipos de técnicas psicológicas. Deverão demonstrar empatia em relação a todos os subordinados. Terão de compreender uma infinidade de estruturas de personalidade, de necessidades psicológicas e de problemas inconscientes. Em outras palavras, precisarão ser oniscientes. Porém, a maioria dos gestores já acha difícil demais saber tudo o que precisam saber sobre as respectivas áreas de especialização, seja tratamento de calor, contabilidade de custos ou programação da produção.

E esperar que numerosas pessoas tenham carisma - qualquer que seja o significado do termo - é absurdo especial é reservado para muito poucos.

Sem dúvida, os gestores precisam saber mais sobre os seres humanos. Devem, ao menos, saber que os seres humanos se comportam como seres humanos, e o que isso implica.

Acima de tudo, como a maioria dos gestores precisa saber muito mais sobre si mesmos, pois a maioria dos gestores são extrovertidos, não introvertidos. No entanto, qualquer gestor que tente praticar o despotismo psicológico, não importa de quantos seminários sobre psicologia tenham participado, muito em breve se tornará sua primeira vítima. Este gestor logo cometerá erros crassos. Este gestor, muito rapidamente, comprometerá o próprio desempenho.

A relação de trabalho precisa basear-se no respeito mútuo. O despotismo psicológico é basicamente insolente - muito mais desdenhoso que a Teoria X ( * vide nota de rodapé ) tradicional. Ele não assume que as pessoas sejam preguiçosas e resistentes ao trabalho, mas pressupõe que o gestor é saudável, enquanto todos os demais são doentes; presume que o gestor é forte, ao passo que todo mundo é fraco; acredita que o gestor é sábio enquanto os outros são néscios. Considera que o gerente está certo e que os subordinados estão errados. Essas são as premissas da arrogância parva.

Acima de tudo, os gerentes-psicológicos solaparão a própria autoridade. Sem dúvida, necessita-se de insights psicológicos, de ajuda e de aconselhamento. Precisa-se do curador de almas e do confortador de aflitos. Mas a relação curador e paciente, de um lado, e superior e subordinado, de outro, são diferentes e mutuamente exclusivas. Ambas têm a própria integridade. A integridade do curador está na subordinação dele próprio às necessidades da tarefa comum. Em ambas as relações há necessidade de autoridade. O gestor que considera as necessidades pessoais dos subordinados, como, por exemplo, de afeição, em vez das necessidades objetivas da tarefa, os principais determinantes do que deve ser feito, não só é um mau gestor; além disso, também não inspirará confiança em ninguém. Tudo o que fazem gestores deste tipo é destruir a integridade do relacionamento e, em consequência, o respeito por sua pessoa e por sua função.

O despotismo psicológico iluminado, ao exigir uma oferta ilimitada de gênios universais para posições gerenciais e ao confundir a autoridade e a função do curador com a autoridade e a função do gestor, não cumprirá o que promete: preservar a Teoria X ( * vide nota de rodapé ), ao mesmo tempo que finge substituí-la.

Mas, então, o que pode funcionar?

Não é simplesmente a Teoria X ( * vide nota de rodapé ) de McGregor. O gestor precisa, de fato, assumir com a Teoria Y ( * vide nota de rodapé ) que há pelo menos um grande número de pessoas na força de trabalho que quer realizar. Do contrário, há pouca esperança. Felizmente, as evidências oferecem forte apoio a esta suposição. Os gestores ainda precisam aceitar as altas demandas em relação a si mesmos, em termos de sociedade e competência. Mas os gestores não podem assumir, como assume a Teoria Y ( * vide nota de rodapé ), que as pessoas trabalharão para realizar, bastando para tanto que tenham a oportunidade de agir assim. Precisa-se de mais - muito mais  - para que mesmo as pessoas mais fortes e mais saudáveis aceitem o peso da responsabilidade. A estrutura necessária não pode depender de coagir o trabalhador; tanto a cenoura quanto o chicote já não são confiáveis. Mas a estrutura também deve proporcionar aos fracos - e não apenas a eles - substitutos para a segurança do comando e da sensação de estar sendo cuidado resultantes da Teoria X ( * vide nota de rodapé ). Outras informações podem ser obtidas no livro Fator humano e desempenho, de autoria de Peter F. Drucker.

PS.: Nota de rodapé: O que são as teorias X e Y são melhor explicadas em

http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/gestao-de-pessoas-a-busca-pelo-prazer-em-trabalhar/113123

Mais em

http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/gestao-de-pessoas-o-despotismo-psicologico-nas-organizacoes/113197/     

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