quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Comércio internacional: comércio competitivo versus comércio antagonista

"Por que será que o ocidente é obcecado com as nossas exportações?", perguntaram todos os visitantes japoneses. "Os alemães exportam ainda mais, e seu superávit comercial também cresce rapidamente.". Mas existe uma diferença, embora os japoneses ignorem. Os alemães, de fato, ultrapassaram os japoneses como exportadores de bens manufaturados - somente os Estados Unidos da América ( USA ) os superam.

Mas os alemães são, também, o segundo maior importador mundial de bens manufaturados - mais uma vez, só superados pelos EUA. Os japoneses, entretanto, apenas vendem e não compram. Eles praticam adversarial trade. ester termo foi cunhado por Peter F. Drucker e significa algo como comércio internacional destrutivo ou comércio antagonista. Ao praticá-lo, o país tem por objetivo eliminar os concorrentes.

O modelo original de comércio internacional do século dezoito - aquele formulado por Adam Smith - reconhece o comércio complementar: Portugal, onde é seco e faz calor, vende vinho em troca de lã da fria e olhada Inglaterra. Cada parte compra o que não pode produzir por conta própria e vende aquilo que pode ser idealmente produzido nas condições climáticas do país. Nesta relação, não há perdedores, apenas ganhadores.

No entanto, desde meados do século dezenove, o setor que mais cresce na economia internacional tem sido o comércio competitivo entre os países desenvolvidos. As partes compram umas das outras bens semelhantes, que são capazes de produzir. Assim, os EUA são tanto o maior exportador do mundo quanto o maior importador mundial de produtos químicos. Per capita, os suíços são os maiores exportadores mundiais de ferramentas industriais e de maquinário para a indústria têxtil, mas também são os maiores importadores de ambos. A Alemanha exporta mais veículos motores ( incluindo caminhões e ônibus ) que o Japão, mas, para cada cinco veículos alemães vendidos no exterior, o país importa três. No comércio competitivo, existem perdedores: por exemplo, os fabricantes de teares dos EUA - ou a Alemanha, a Grã-Bretanha ou a Suíça - , cujo produto, tecnicamente inferior ou mais caro, está sendo empurrado para fora dos mercado por concorrentes estrangeiros mais avançados e baratos. Contudo, de modo geral, todos saem ganhando: não apenas o consumidor, mas também os concorrentes que estão sendo forçados a se concentrar naquilo que fazem de melhor, otimizando, assim, tanto os recursos quanto os retornos. Na verdade, no comércio competitivo, o concorrente estrangeiro de uma indústria costuma ser também seu melhor cliente.

No entanto, no comércio antagonista ( adversarial trade ) ambas as partes saem perdendo. De um lado, o comprador, imediatamente; do outro, o vendedor, dentro de mais ou menos uma década.

No comércio antagonista, os bens do vendedor substituem os bens produzidos pelos fabricantes do país comprador sem qualquer compra recíproca compensatória. Desta forma, não são criados mercados alternativos para os fabricantes do comprador estrangeiro, muito menos poder de compra. Como não há vendas compensatórias para os fabricantes internos do país comprador, este não consegue obter os recursos necessários para modernizar suas fábricas e processos ou para adquirir o volume de produção necessário para diminuir os custos. Portanto, no comércio antagonista, quanto maior for o sucesso do vendedor, mais a indústria e a economia produtiva do comprador se enfraquecem, em vez de se fortalecer. E, se o vendedor tiver um sucesso realmente espetacular, eventualmente destruirá a indústria do comprador. Por exemplo, em mil novecentos e setenta e quatro, havia mais de uma dúzia de fábricas de empilhadeiras nos EUA. Doze anos mais tarde, já não havia alguma sequer - nem mesmo uma montadora. O mesmo aconteceu, em grande parte, com eletrodomésticos, gravadores de vídeo e muitas outras categorias de ferramentas industriais e semicondutotes. Portanto, isto significa também que, no final, mesmo o consumidor do país comprador sai perdendo. A queda de suas receitas como produtor, isto é, em receitas, irá eventualmente mais do que anular seus ganhos como consumidor com os preços mais baixos. Os efeitos da concorrência antagonista - não importa se intencionais ou não - são notavelmente semelhantes àquilo que tanto economistas quanto advogados condenam como política predatória de preços, isto é, quando estabelecem preços tão baixos que os concorrentes acabam destruídos e se forma um monopólio.

Entretanto, no comércio antagonista, o vendedor poderá acabar perdendo até mais que o comprador - sem ter como evitar isto. O vendedor não tem defesa conta ações retaliatórias por parte do comprador. Ele não pode contra-atacar deixando de comprar: ele não compra nada. Certamente, os japoneses estão entre os melhores clientes dos EUA para produtos agrícolas e florestais. Contudo, embora o poder político dos agricultores americanos ainda seja extraordinário, as exportações americanas de produtos primários se tornaram uma parte muito pequena do total - e cada vez diminuem mais - para se consideradas um fator decisivo. Existem poucas dúvidas de que os EUA poderiam viver sem importar bens manufaturados japoneses, e a um custo bem pequeno. O mesmo poderia ser dito da Europa Ocidental. Mas o Japão, sem a exportação de produtos industriais para os americanos, teria de enfrentar uma grande depressão, com uma taxa de desemprego de duplo dígito.

No comércio antagonista, o vendedor também está fadado a ter perdas financeiras. Ele não conseguirá ser pago. Afinal, os compradores só podem pagar se tiverem uma renda, isto é, se eles próprios receberem pagamentos como vendedores. O vendedor que não compra irá descobrir, portanto, que, ao final, terá abrido mão de suas receitas, embora não se possa dizer que o outro lado irá gostar da gentileza.

O Japão, hoje, tem o maior superávit líquido de fundos do mundo - tão grande quanto qualquer coisa com que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo ( OPEP ) tenha sonhado e, em breve, ficará ainda maior. As instituições bancárias praticamente em caixa ou em valores mobiliários de curto prazo, como Títulos do Tesouro americano. Isso é muito mais do que o Japão precisa para financiar seu comércio. É tanta coisa que o Japão poderia pagar suas importações durante seis anos sem precisar ganhar um único iene com exportações. O único paralelo na história econômica é o superávit americano dos anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA eram a única grande economia do mundo em pleno funcionamento. Este superávit pode ser usado para pagar por produtos - algo que o Japão não deseja fazer - ou pode ser distribuído, como fizeram os americanos durante os anos do Plano Marshall. Pode ainda ser perdido. Os japoneses podem, naturalmente, continuar a aumentar seus superávits. Mas isto significa apenas que eles oferecerão cada vez mais crédito para clientes que jamais pagarão. E, eventualmente, contas incobráveis devem receber baixa contábil.

Até aqui, o Japão tem sido o único praticante do comércio antagonista. Não que tenha sido algo intencional, isto é certo, mas é a consequência lógica da tradicional abordagem japonesa em relação ao comércio internacional - uma abordagem, diga-se de passagem, que fazia todo sentido enquanto o país ainda tentava se recuperar, isto é, até os anos sessenta, talvez mil novecentos e sessenta e cinco ou algo em torno disto. Agora, entretanto, um vizinho, a Coreia do Sul, está deliberadamente embarcando no comércio antagonista. Se a China continental algum dia se desenvolver industrialmente, ela também - pelos monos em seu atual modelo mental - tentará se tornar apenas uma vendedora, não uma compradora, ou seja, praticará o comércio antagonista.

Alguns pequenos passos para corrigir o desequilíbrio criado pelo comércio antagonista estão sendo tomados. Não será incomum ouvir, com certa frequência, nos meses e anos á frente a expressão cotas voluntárias, mas também dumping japonês. Os japoneses, especialmente a indústria automobilística, estão rapidamente transferindo parte de sua produção para os EUA e Europa Ocidental na tentativa de neutralizar medidas antijaponesas. No entanto,  - e, diga-se, isto é algo para o qual os japoneses continuam cegos - , isto ainda é uma ação percebida como predatória no país comprador, porque substitui o fabricante nacional, a quem o comércio antagonista japonês inicialmente prejudicou ou destruiu. Transferir a produção para o país comprador - a não ser que acompanhada da compra das exportações daquele país - é, na melhor das hipóteses, uma meia-sola, ou uma solução paliativa. Mais eficaz seria um consórcio de produção, em que os fabricantes do país comprador forneçam ao vendedor como subcontratantes ou parceiros - o modo, por exemplo, como a Boeing encomendou entre trinta e quarenta por cento do trabalho de desenvolvimento e fabricação de sua nova aeronave comercial com empresas japonesas, ou como a Rolls-Royce, na Grã-Bretanha, participa do todo como a fornecedora de motores para aeronaves americanas vendidas para empresas europeias. Até aqui, contudo, os japoneses têm resistido a negócios que envolvam consórcios. Talvez eles paguem sua parte assumindo empréstimos-problema de bancos americanos junto a países em desenvolvimento - algo que começa a ser discutido em Nova Iorque e Washington, embora, por enquanto, a portas fechadas.

Entretanto, a não ser que os japoneses tomem a inciativa destas medidas, que, de uma forma ou de outra, contrabalançam as piores consequências de seu comércio antagonista - e, até aqui eles não demonstraram a menor disposição de fazê-lo, nem mesmo de reconhecer que existe um problema - , serão tomadas medidas políticas para eliminar, ou, pelo menos, limitar o comércio antagonista - e muito em breve. A Europa Ocidental já foi bem longe em tomar medidas para protegê-la, especialmente no que diz a respeito a automóveis japoneses. E os EUA certamente farão o mesmo. Até o momento, o residente tem se colocado contrário a qualquer tipo de medida protecionista. Mas será apenas necessária uma pequena turbulência na economia ou um pequeno aumento na taxa de desemprego para que o Congresso Nacional ( CN ) aprove, por ampla maioria, medidas protecionistas - e com o apoio quase unânime da opinião pública. E medidas protecionistas esperando para ser aprovadas não faltam. As novas têm de pegar senha e entrar na longa fila.

Há uma necessidade de estancar ou, pelo menos, confinar o comércio antagonista. Mas existe também o grande perigo de que as medidas a serem adotadas provoquem mais danos do que benefícios - e prejudiquem especialmente a economia e a indústria manufatureira americanas. Nenhuma das propostas em discussão hoje - por exemplo, a que está sendo analisada pela Câmara dos Deputados ( CD ) e que prevê a proibição da venda de bens manufaturados estrangeiros a não ser que tenham de trinta a quarenta por cento de nacionalização - faz a diferenciação entre o comércio antagonista e comércio competitivo. Elas são uniformemente protecionistas e penalizam todos os produtos manufaturados importados. Isto prejudicaria seriamente e, talvez, destruísse as exportações americanas para países que compram de nós, isto é, os parceiros americanos no comércio competitivo. Os europeus retaliaram imediatamente. E todas as indústrias americanas saudáveis - talvez três quartos da base industrial dos EUA - dependem das exportações para a Europa a fim de crescer e até sobreviver - de aeronaves e instrumentos analíticos, até biomedicina, farmacêuticos, computadores, produtos químicos, robôs, maquinário elétrico e software. O que é preciso é de uma medida que trate da doença degenerativa do comércio antagonista sem prejudicar os tecidos são do comércio competitivo - talvez limitando as restrições comerciais às importações de países e indústrias que não comprem de outros países desenvolvidos ( incluindo os EUA ) bens manufaturados de tipo semelhante pelo menos equivalente em valor a cinquenta ou sessenta por cento de suas exportações.

Os japoneses afirmam que não têm culpa do fato de os EUA preferirem seus produtos aos que são fabricados na indústria nacional americana, e que a força de suas exportações é o resultado de um trabalho mais intenso  que o dos outros, dedicado à produção de bens superiores em qualidade e design, com preços mais baixos e com melhores serviços. De modo geral, isto é verdade - a japão S. A. é em grande parte, fruto da imaginação ocidental. Mas isto é irrelevante. O comércio antagonista não será tolerado por muito mais tempo. Ele não foi planejado com esta intenção, ma se tornou uma política cujo objetivo é empobrecer o vizinho. E isto sempre será contraproducente. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/com%C3%A9rcio-internacional-com%C3%A9rcio-competitivo-versus-com%C3%A9rcio-antagonista .

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