segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Direitos Humanos: o direito à memória e à verdade

        O então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no uso da atribuição que lhe conferia o Artigo Oitenta e quatro, Inciso Sexto, Alínea a, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF-88 ), decretou em Vinte e um de dezembro de Dois mil e nove a aprovação do Programa Nacional de Direitos Humanos ( PNDH-3 ).

Ficou aprovado o referido Programa, em consonância com as diretrizes, objetivos estratégicos e ações programáticas estabelecidos, na forma do Anexo do referido Decreto.

O referido Programa deverá será implementado de acordo com os seguintes eixos orientadores e suas respectivas diretrizes:


1) Eixo Orientador 1: 


Interação democrática entre Estado e sociedade civil ( * vide nota de rodapé ):


a) Diretriz 1: 


Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa;


b) Diretriz 2: 


Fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática; e


c) Diretriz 3: 


Integração e ampliação dos sistemas de informações em Direitos Humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação;


2)- Eixo Orientador 2: 


Desenvolvimento e Direitos Humanos ( *2 vide nota de rodapé ):


a) Diretriz 4: 


Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável, com inclusão social e econômica, ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável, cultural e regionalmente diverso, participativo e não discriminatório;


b) Diretriz 5: 


Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento; e


c) Diretriz 6: 


Promover e proteger os direitos ambientais como Direitos Humanos, incluindo as gerações futuras como sujeitos de direitos;


3) Eixo Orientador 3: 


Universalizar direitos em um contexto de desigualdades ( *3 vide nota de rodapé ):


a) Diretriz 7: 


Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena;


b) Diretriz 8: 


Promoção dos direitos de crianças e adolescentes para o seu desenvolvimento integral, de forma não discriminatória, assegurando seu direito de opinião e participação;


c) Diretriz 9: 


Combate às desigualdades estruturais; e


d) Diretriz 10: Garantia da igualdade na diversidade;


4) Eixo Orientador 4: 


Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência ( *4 vide nota de rodapé ):


a) Diretriz 11: 


Democratização e modernização do sistema de segurança pública;


b) Diretriz 12: 


Transparência e participação popular no sistema de segurança pública e justiça criminal;


c) Diretriz 13: 


Prevenção da violência e da criminalidade e profissionalização da investigação de atos criminosos;


d) Diretriz 14: 


Combate à violência institucional, com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária;


e) Diretriz 15: 


Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas;


f) Diretriz 16: 


Modernização da política de execução penal, priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário; e


g) Diretriz 17: 


Promoção de sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa de direitos;


5) Eixo Orientador 5: Educação e Cultura em Direitos Humanos:


a) Diretriz 18: 


Efetivação das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em Direitos Humanos para fortalecer uma cultura de direitos;


b) Diretriz 19: 


Fortalecimento dos princípios da democracia e dos Direitos Humanos nos sistemas de educação básica, nas instituições de ensino superior e nas instituições formadoras;


c) Diretriz 20: 


Reconhecimento da educação não formal como espaço de defesa e promoção dos Direitos Humanos;


d) Diretriz 21: 


Promoção da Educação em Direitos Humanos no serviço público; e


e) Diretriz 22: 


Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em Direitos Humanos; e


6) Eixo Orientador 6: 


Direito à Memória e à Verdade:


a) Diretriz 23: 


Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado;


b) Diretriz 24: 


Preservação da memória histórica e construção pública da verdade; e


c) Diretriz 25: 


Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia.


A implementação do referido Programa, além dos responsáveis nele indicados, envolve parcerias com outros órgãos federais relacionados com os temas tratados nos eixos orientadores e suas diretrizes.

As metas, prazos e recursos necessários para a implementação do referido Programa serão definidos e aprovados em Planos de Ação de Direitos Humanos bianuais.

Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, serão convidados a aderir ao referido Programa.

O referido Decreto entrou em vigor na data de sua publicação, em Vinte e dois de dezembro de dois mil e nove.

Fica revogado o Decreto Quatro mil duzentos e vinte e nove de Treze de maio de Dois mil e dois.

O referido Decreto foi assinado em Vinte e um de dezembro de Dois mil e nove, Centésimo-octogésimo-oitavo ano da Independência e Centésimo-vigésimo-primeiro ano da República. Foi assinado por Luiz Inácio Lula da Silva, Tarso  Genro, Celso Luiz Nunes Amorim, Guido Mantega, Alfredo Nascimento, José Geraldo Fontelles, Fernando Haddad, André Peixoto Figueiredo Lima, José Gomes Temporão, Miguel Jorge, Edison Lobão, Paulo Bernardo Silva, Hélio Costa, José Pimentel, Patrus Ananias, João Luiz Silva Ferreira, Sérgio Machado Rezende, Carlos Minc, Orlando Silva de Jesus Junior, Luiz Eduardo Pereira Barretto Filho, Geddel Vieira Lima, Guilherme Cassel, Márcio Fortes de Almeida, Altemir Gregolin, Dilma Rousseff, Luiz Soares Dulci, Alexandre Rocha Santos Padilha, Samuel Pinheiro Guimarães Neto e Edson Santos.


Eixo Orientador 1:

 

Interação democrática entre Estado e sociedade civil ( * vide nota de rodapé ).


Eixo Orientador 2:


Desenvolvimento e Direitos Humanos ( *2 vide nota de rodapé ).


Eixo Orientador 3:


Universalizar direitos em um contexto de desigualdades ( *3 vide nota de rodapé )


Eixo Orientador 4:


Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência ( *4 vide nota de rodapé )


Eixo Orientador 5:


Educação e cultura em Direitos Humanos ( *5 vide nota de rodapé )


Eixo Orientador 6:


Direito à Memória e à Verdade


A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania. Estudar o passado, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos caracterizam forma de transmissão de experiência histórica, que é essencial para a constituição da memória individual e coletiva.

O Brasil ainda processa com dificuldades o resgate da memória e da verdade sobre o que ocorreu com as vítimas atingidas pela repressão política durante o regime de Mil novecentos e sessenta e quatro. A impossibilidade de acesso a todas as informações oficiais impede que familiares de mortos e desaparecidos possam conhecer os fatos relacionados aos crimes praticados e não permite à sociedade elaborar seus próprios conceitos sobre aquele período.

A história que não é transmitida de geração a geração torna-se esquecida e silenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram graves lacunas na experiência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória e a verdade, o País adquire consciência superior sobre sua própria identidade, a democracia se fortalece. As tentações totalitárias são neutralizadas e crescem as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios daquele período sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no cotidiano brasileiro.

O trabalho de reconstituir a memória exige revisitar o passado e compartilhar experiências de dor, violência e mortes. Somente depois de lembrá-las e fazer seu luto, será possível superar o trauma histórico e seguir adiante. A vivência do sofrimento e das perdas não pode ser reduzida a conflito privado e subjetivo, uma vez que se inscreveu num contexto social, e não individual.

A compreensão do passado por intermédio da narrativa da herança histórica e pelo reconhecimento oficial dos acontecimentos possibilita aos cidadãos construírem os valores que indicarão sua atuação no presente. O acesso a todos os arquivos e documentos produzidos durante o regime militar é fundamental no âmbito das políticas de proteção dos Direitos Humanos.

Desde os anos 1990, a persistência de familiares de mortos e desaparecidos vem obtendo vitórias significativas nessa luta, com abertura de importantes arquivos estaduais sobre a repressão política do regime ditatorial. Em dezembro de Mil novecentos e cinquenta e cinco, coroando difícil e delicado processo de discussão entre esses familiares, o Ministério da Justiça e o Poder Legislativo Federal, foi aprovada a Lei Nove mil cento e quarenta de Mil novecentos e noventa e cinco, que reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de opositores ao regime de Mil novecentos e sessenta e quatro.

Esta Lei instituiu Comissão Especial com poderes para deferir pedidos de indenização das famílias de uma lista inicial de Cento e trinta e seis pessoas e julgar outros casos apresentados para seu exame. No Artigo Quarto, Inciso Segundo, a Lei conferiu à Comissão Especial também a incumbência de envidar esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados.

Em Vinte e quatro de agosto de Dois mil e um, foi criada, pela Medida Provisória Dois mil cento e cinquenta e um, Dígito Três, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Esse marco legal foi reeditado pela Medida Provisória Sessenta e cinco, de Vinte e oito agosto de Dois mil e dois, e finalmente convertido na Lei Dez mil quinhentos e cinquenta e nove, de Treze de novembro de Dois mil e dois. Esta norma regulamentou o Artigo Oitavo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ( ADCT ) da CF-88, que previa a concessão de anistia aos que foram perseguidos em decorrência de sua oposição política. Em dezembro de Dois mil e cinco, o Governo Federal determinou que os três arquivos da Agência Brasileira de Inteligência ( ABIN ) fossem entregues ao Arquivo Nacional, subordinado à Casa Civil, onde passaram a ser organizados e digitalizados.

Em agosto de Dois mil e sete, em ato oficial coordenado pelo Presidente da República, foi lançado, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o livro-relatório "Direito à Memória e à Verdade", registrando os onze anos de trabalho daquela Comissão e resumindo a história das vítimas da ditadura no Brasil.

A trajetória de estudantes, profissionais liberais, trabalhadores e camponeses que se engajaram no combate ao regime militar aparece como documento oficial do Estado brasileiro. O Ministério da Educação e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos formularam parceria para criar portal que incluirá o livro-relatório, ampliado com abordagem que apresenta o ambiente político, econômico, social e principalmente os aspectos culturais do período. Serão distribuídas milhares de cópias desse material em mídia digital para estudantes de todo o País.

Em julho de Dois mil e oito, o Ministério da Justiça e a Comissão de Anistia promoveram audiência pública sobre "Limites e Possibilidades para a Responsabilização Jurídica dos Agentes Violadores de Direitos Humanos durante o Estado de Exceção no Brasil", que discutiu a interpretação da Lei de Anistia de Mil novecentos e setenta e nove no que se refere à controvérsia jurídica e política, envolvendo a prescrição ou imprescritibilidade dos crimes de tortura.

A Comissão de Anistia já realizou setecentas sessões de julgamento e promoveu, desde Dois mil e oito, trinta caravanas, possibilitando a participação da sociedade nas discussões, e contribuindo para a divulgação do tema no País. Até Primeiro de novembro de Dois mil e nove, já haviam sido apreciados por essa Comissão mais de cinquenta e dois mil pedidos de concessão de anistia, dos quais quase trinta e cinco mil foram deferidos e cerca de dezessete mil, indeferidos. Outros doze mil pedidos aguardavam julgamento, sendo possível, ainda, a apresentação de novas solicitações. Em julho de Dois mil e nove, em Belo Horizonte ( Estado de Minas Gerais - MG ), o Ministro de Estado da Justiça realizou audiência pública de apresentação do projeto Memorial da Anistia Política do Brasil, envolvendo a remodelação e construção de novo edifício junto ao antigo "Coleginho" da Universidade Federal de Minas Gerais ( UFMG ), onde estará disponível para pesquisas todo o acervo da Comissão de Anistia.

No âmbito da sociedade civil, foram levadas ao Poder Judiciário importantes ações que provocaram debate sobre a interpretação das leis e a apuração de responsabilidades. Em Mil novecentos e oitenta e dois, um grupo de familiares entrou com ação na Justiça Federal para a abertura de arquivos e localização dos restos mortais dos mortos e desaparecidos políticos no episódio conhecido como "Guerrilha do Araguaia". Em Dois mil e três, foi proferida sentença condenando a União, que recorreu e, posteriormente, criou Comissão Interministerial pelo Decreto Quatro mil oitocentos e cinquenta, de Dois de outubro de Dois mil e três, com a finalidade de obter informações que levassem à localização dos restos mortais de participantes da "Guerrilha do Araguaia". Os trabalhos da Comissão Interministerial encerraram-se em março de Dois mil e sete, com a divulgação de seu relatório final.

Em agosto de Mil novecentos e noventa e cinco, o Centro de Estudos para a Justiça e o Direito Internacional ( CEJIL ) e a Human Rights Watch / América ( HRWA ), em nome de um grupo de familiares, apresentaram petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ( CIDH ), denunciando o desaparecimento de integrantes da "Guerrilha do Araguaia". Em Trinta e um de outubro de Dois mil e oito, a CIDH expediu o Relatório de Mérito Noventa e um / Zero oito, onde fez recomendações ao Estado brasileiro. Em Vinte e seis de março de Dois mil e nove, a CIDH submeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, requerendo declaração de responsabilidade do Estado brasileiro sobre violações de direitos humanos ocorridas durante as operações de repressão àquele movimento.

Em Dois mil e cinco e Dois mil e oito, duas famílias iniciaram, na Justiça Civil, ações declaratórias para o reconhecimento das torturas sofridas por seus membros, indicando o responsável pelas sevícias. Ainda em Dois mil e oito, o Ministério Público Federal em São Paulo propôs Ação Civil Pública contra dois oficiais do exército acusados de determinarem prisão ilegal, tortura, homicídio e desaparecimento forçado de dezenas de cidadãos.

Tramita também, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que solicita a mais alta corte brasileira posicionamento formal para saber se, em Mil novecentos e setenta e nove, houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis pela prática de tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e estupro contra opositores políticos, considerando, sobretudo, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a insuscetibilidade de graça ou anistia do crime de tortura.

Em abril de Dois mil e nove, o Ministério da Defesa, no contexto da decisão transitada em julgado da referida ação judicial de Mil novecentos e oitenta e dois, criou Grupo de Trabalho para realizar buscas de restos mortais na região do Araguaia, sendo que, por ordem expressa do Presidente da República, foi instituído Comitê Interinstitucional de Supervisão, com representação dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, para o acompanhamento e orientação dos trabalhos. Após três meses de buscas intensas, sem que tenham sido encontrados restos mortais, os trabalhos foram temporariamente suspensos devido às chuvas na região, prevendo-se sua retomada ao final do primeiro trimestre de Dois mil e dez.

Em maio de Dois mil e nove, o Presidente da República coordenou o ato de lançamento do projeto Memórias Reveladas, sob responsabilidade da Casa Civil, que interliga digitalmente o acervo recolhido ao Arquivo Nacional após dezembro de Dois mil e cinco, com vários outros arquivos federais sobre a repressão política e com arquivos estaduais de quinze unidades da federação, superando cinco milhões de páginas de documentos ( www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br ) .

Cabe, agora, completar esse processo mediante recolhimento ao Arquivo Nacional de todo e qualquer documento indevidamente retido ou ocultado, nos termos da Portaria Interministerial assinada na mesma data daquele lançamento. Cabe também sensibilizar o Legislativo pela aprovação do Projeto de Lei Cinco mil duzentos e vinte e oito de Dois mil e nove, assinado pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que introduz avanços democratizantes nas normas reguladoras do direito de acesso à informação.

Importância superior nesse resgate da história nacional está no imperativo de localizar os restos mortais de pelo menos cento e quarenta brasileiros e brasileiras que foram mortos pelo aparelho de repressão do regime ditatorial. A partir de junho de Dois mil e nove, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República planejou, concebeu e veiculou abrangente campanha publicitária de televisão, internet, rádio, jornais e revistas de todo o Brasil buscando sensibilizar os cidadãos sobre essa questão. As mensagens solicitavam que informações sobre a localização de restos mortais ou sobre qualquer documento e arquivos envolvendo assuntos da repressão política entre Mil novecentos e sessenta e quatro e Mil novecentos e oitenta e cinco sejam encaminhados ao Memórias Reveladas. Seu propósito é assegurar às famílias o exercício do direito sagrado de prantear seus entes queridos e promover os ritos funerais, sem os quais desaparece a certeza da morte e se perpetua angústia que equivale a nova forma de tortura.

As violações sistemáticas dos Direitos Humanos pelo Estado durante o regime ditatorial são desconhecidas pela maioria da população, em especial pelos jovens. A radiografia dos atingidos pela repressão política ainda está longe de ser concluída, mas calcula-se que pelo menos cinquenta mil pessoas foram presas somente nos primeiros meses de Mi novecentos e sessenta e quatro; cerca de vinte mil brasileiros foram submetidos a torturas e cerca de quatrocentos cidadãos foram mortos ou estão desaparecidos. Ocorreram milhares de prisões políticas não registradas, cento e trinta banimentos, quatro mil, oitocentos e sessenta e duas cassações de mandatos políticos, uma cifra incalculável de exílios e refugiados políticos.

As ações programáticas deste eixo orientador têm como finalidade assegurar o processamento democrático e republicano de todo esse período da história brasileira, para que se viabilize o desejável sentimento de reconciliação nacional. E para se construir consenso amplo no sentido de que as violações sistemáticas de Direitos Humanos registradas entre Mil novecentos e sessenta e quatro e Mil novecentos e oitenta e cinco, bem como no período do Estado Novo, não voltem a ocorrer, nunca mais.


Diretriz 23: 


Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado.


Objetivo Estratégico I:


Promover a apuração e o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo Artigo Oitavo do ADCT da CF-88, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.


Ação Programática:


a)Designar grupo de trabalho composto por representantes da Casa Civil, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, para elaborar, até abril de 2010, projeto de lei que institua Comissão Nacional da Verdade, composta de forma plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos, para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período mencionado, observado o seguinte:

 O grupo de trabalho será formado por representantes da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, do presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei no 9.140/95 e de representante da sociedade civil, indicado por esta Comissão Especial;

 Com o objetivo de promover o maior intercâmbio de informações e a proteção mais eficiente dos Direitos Humanos, a Comissão Nacional da Verdade estabelecerá coordenação com as atividades desenvolvidas pelos seguintes órgãos:

 Arquivo Nacional, vinculado à Casa Civil da Presidência da República;

 Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça;

 Comissão Especial criada pela Lei no 9.140/95, vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República;

 Comitê Interinstitucional de Supervisão instituído pelo Decreto Presidencial de 17 de julho de 2009;

 Grupo de Trabalho instituído pela Portaria no 567/MD, de 29 de abril de 2009, do Ministro de Estado da Defesa;

 No exercício de suas atribuições, a Comissão Nacional da Verdade poderá realizar as seguintes atividades:

 requisitar documentos públicos, com a colaboração das respectivas autoridades, bem como requerer ao Judiciário o acesso a documentos privados;

 colaborar com todas as instâncias do Poder Público para a apuração de violações de Direitos Humanos, observadas as disposições da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979;

 promover, com base em seus informes, a reconstrução da história dos casos de violação de Direitos Humanos, bem como a assistência às vítimas de tais violações;

 promover, com base no acesso às informações, os meios e recursos necessários para a localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos;

 identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de Direitos Humanos, suas ramificações nos diversos aparelhos do Estado e em outras instâncias da sociedade;

 registrar e divulgar seus procedimentos oficiais, a fim de garantir o esclarecimento circunstanciado de torturas, mortes e desaparecimentos, devendo-se discriminá-los e encaminhá-los aos órgãos competentes;

 apresentar recomendações para promover a efetiva reconciliação nacional e prevenir no sentido da não repetição de violações de Direitos Humanos.

 A Comissão Nacional da Verdade deverá apresentar, anualmente, relatório circunstanciado que exponha as atividades realizadas e as respectivas conclusões, com base em informações colhidas ou recebidas em decorrência do exercício de suas atribuições.


Diretriz 24: 


Preservação da memória histórica e construção pública da verdade.


Objetivo Estratégico I:


Incentivar iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários.


Ações programáticas:


a)Disponibilizar linhas de financiamento para a criação de centros de memória sobre a repressão política, em todos os Estados, com projetos de valorização da história cultural e de socialização do conhecimento por diversos meios de difusão.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura; Ministério da Educação


b)Criar comissão específica, em conjunto com departamentos de História e centros de pesquisa, para reconstituir a história da repressão ilegal relacionada ao Estado Novo (1937-1945). Essa comissão deverá publicar relatório contendo os documentos que fundamentaram essa repressão, a descrição do funcionamento da justiça de exceção, os responsáveis diretos no governo ditatorial, registros das violações, bem como dos autores e das vítimas.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Educação; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura


c) Identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos, suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade, bem como promover, com base no acesso às informações, os meios e recursos necessários para a localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos.             

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Casa Civil da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República


d)Criar e manter museus, memoriais e centros de documentação sobre a resistência à ditadura.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República


e)Apoiar técnica e financeiramente a criação de observatórios do Direito à Memória e à Verdade nas universidades e em organizações da sociedade civil.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Educação


f) Desenvolver programas e ações educativas, inclusive a produção de material didático-pedagógico para ser utilizado pelos sistemas de educação básica e superior sobre graves violações de direitos humanos ocorridas no período fixado no Artigo Oitavo do ADCT da CF-88.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Educação; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura; Ministério de Ciência e Tecnologia


Diretriz 25: 


Modernização da legislação relacionada com promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia.


Objetivo Estratégico I:


Suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre Direitos Humanos.


Ações Programáticas:


a)Criar grupo de trabalho para acompanhar, discutir e articular, com o Congresso Nacional, iniciativas de legislação propondo:

 revogação de leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações;

 revisão de propostas legislativas envolvendo retrocessos na garantia dos Direitos Humanos em geral e no direito à memória e à verdade.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República


b)Propor e articular o reconhecimento do status constitucional de instrumentos internacionais de Direitos Humanos novos ou já existentes ainda não ratificados.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores


c) Fomentar debates e divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios públicos não recebam nomes de pessoas identificadas reconhecidamente como torturadores.             

Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Casa Civil da Presidência da República; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República


d)  Acompanhar e monitorar a tramitação judicial dos processos de responsabilização civil sobre casos que envolvam graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no Artigo Oitavo da ADCT da CF-88.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça


P.S.:


Notas de rodapé:


* Mais detalhes do eixo orientador I - Interação democrática entre Estado e sociedade civil - em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-intera%C3%A7%C3%A3o-democr%C3%A1tica-entre-o-estado-e-a-sociedade-civil-prevista-em-lei .


*2 Mais detalhes do eixo orientador II - Desenvolvimento e Direitos Humanos - em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-desenvolvimento-econ%C3%B4mico-direcionado-ao-pleno-exerc%C3%ADcio-dos-dh .


*3 Mais detalhes do eixo III - Universalização de DH em contexto de desigualdades - em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-universaliza%C3%A7%C3%A3o-dos-dh-num-contexto-de-desigualdades .


*4 Mais detalhes do eixo IV - Garantia de acesso à justiça e combate à violência - em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-garantia-do-acesso-%C3%A0-justi%C3%A7a-e-o-combate-%C3%A0-viol%C3%AAncia .


*5 Mais detalhes do eixo V - Educação e cultura em DH - em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-educa%C3%A7%C3%A3o-e-a-cultura-em-dh .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-direito-%C3%A0-mem%C3%B3ria-e-%C3%A0-verdade .

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