Incialmente, no período colonial no Brasil, buscou - se a conversão do indígena ao catolicismo, partindo da premissa de que se tratava de se selvagens, ainda em estágio inferior, que deveriam ser civilizados e transformados em cristãos .
Administrador Cláudio Márcio Araújo da Gama ( registrado no Conselho Regional de Administração de Santa Catarina sob o número Vinte e quatro mil seiscentos e setenta e três ), de chapéu, então Secretário - Geral do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Santa Catarina ( CEDH / SC ) com indígenas em Florianópolis - SC, em 2022. Foto: Divulgação.É de época colonial o início do instituto do indigenato, fundado no Alvará Régio de Mil seiscentos e oitenta e na Lei de Seis de junho de Mil setecentos e cinquenta e cinco, que consiste no reconhecimento do direito primário e congênito do indígena á terra tradicionalmente ocupada, pois são os seus naturais senhores. Esse direito originário é distinto e independente dos direitos de propriedade e posse do direito civil. O desenvolvimento da doutrina do indigenato coube a João Mendes da Silva, que diferenciou o direito dos povos indígenas às terras por eles ocupadas ( título adquirido congenitamente, pela própria existência ) do direito da ocupação não indígena, que depende de ser legitimada por meio de títulos adquiridos . Além do jus possessionis ( direito de posse, poder sobre a coisa ), o indígena tem também o jus possidendi ( direito à posse ), fruto do seu direito originário á terra ( * vide nota de rodapé ) .
Em que pese esse reconhecimento pelo colonizador português dos direitos territoriais indígenas, a prática foi marcada pela expulsão dos indígenas de suas terras e por atos de violência contra as comunidades indígenas que não se submetiam. A Coroa portuguesa apoiava a ação armada dos colonos contra os indígenas resistentes e, por meio da Carta Régia de Dois de dezembro de Mil oitocentos e oito, foram declaradas como devolutas as terras adquiridas em lutas contra os índígenas nas chamadas " Guerras Justas ". Ao final da dominação colonial portuguesa no Brasil, a população indígena sofreu dramática redução em seu número .
Já no império, a política de assimilação dos indígenas ao cristianismo continuou, tendo sido determinada, no Ato Adicional de Mil oitocentos e trinta e quatro à Constituição de Mil oitocentos e vinte e quatro, a competência das Províncias para o fomento da " catequese e civilização " dos indígenas ( Artigo Onze, Parágrafo Quinto ) . Por outro lado, pela Lei de Vinte e sete de outubro de Mil oitocentos e trinta e um, foi revogada a Carta Régia de Mil oitocentos e oito, impedindo - se a servidão dos indígenas, mas considerando - os equivalentes aos órfãos a reclamar tutela ( a tutela orfanária dos indígenas ) .
A Constituição de Mil oitocentos e noventa e um foi particularmente danosa, tanto pela omissão em regular a matéria indígena, mas especialmente por permitir a transferência de quase totalidade das terras devolutas para os Estados ( Artigo Sessenta e quatro ) . As terras devolutas consistem em terras que não se encontram afetada a qualquer patrimônio - público ou privado - , originalmente reguladas pelo Artigo terceiro da Lei número Seiscentos e um de Dezoito de setembro de Mil oitocentos e cinquenta ( A " Lei de Terras " do Império ) . Os Estados, então aproveitaram esse dispositivo constitucional para iniciar processo de acelerada titulação a particulares de terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas ( ou seja, não seriam propriamente terras devolutas ) .
Foi na República Velha que foi editado o primeiro marco no tratamento jurídico republicano aos indígenas, o Decreto número Oito mil e setenta e dois, de Vinte de julho Mil novecentos e dez, que criou o Serviço de Proteção aos Indígenas e Localização de Trabalhadores nacionais ( SPI ), logo depois exclusivamente focado na matéria indígena . Seu diretor foi Cândido Rondon ( bisneto de indígenas ), depois conhecido como Marechal Cândido Rondon, cujas expedições ao oeste do território brasileiro e busca de relacionamento pacífico com os indígenas, o tornaram célebre ( *2 vide nota de rodapé ) .
O Código Civil ( CC ) de Mil novecentos e dezesseis decidiu que os " silvícolas " ( termo da época - *3 vide nota de rodapé ) eram relativamente incapazes e submetidos ao regime de tutela, que só cessaria na medida de sua adptação à sociedade não indígena ( Artigo Sexto, Inciso Sexto ) . O Decreto número Cinco mil quatrocentos e oitenta e quatro, de Vinte e sete de junho de Mil novecentos e vinte e oito, consagrou a substituição da antiga tutela civilista ( orfanológica ), em uma regime tutelar de natureza pública pelo SPI ( Artigos Quarto e Quinto ) ( *4 vide nota de rodapé ). a Lei número Quatro mil cento e vinte e um / Mil novecentos e sessenta e dois alterou o CC de Mil novecentos e dezesseis e inseriu o Parágrafo Único no Artigo Sexto, determinando - se que os indígenas ficariam " sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país " .
No plano constitucional, a Constituição de Mil novecentos e trinta e quatro foi a primeira a regular os direitos e as terras dos indígenas ( novamente utilizando o termo da época " silvícolas " ) . Tal Constituição de Mil novecentos e trinta e quatro ( e depois com os Artigos Cento e cinquenta e quatro da Constituição de Mil novecentos e sessenta e sete e Artigo Duzentos e dezesseis da Constituição de Mil novecentos e quarenta e seis ), ficou estabelecida a propriedade da União sobre as terras ocupadas pelos indígenas. Conforme já reconhecido por Tribunais brasileiros, consequentemente, " os títulos dominiais concedidos antes da Constituição de Mil novecentos e trinta e quatro foram atingidos pela nulidade superveniente da norma do seu Artigo Cento e vinte e nove. As terras ocupadas pelos indígenas que, sob o regime da Constituição de Mil oitocentos e noventa e um, integravam o patrimônio coletivo indígena, passaram, com a Constituição de Mil novecentos e trinta e quatro, ao domínio da União " ( ApC Mil novecentos e noventa e nove . 01.000.22.8900, Relatora Selene Maria de Almeida, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Diário da Justiça de Dezesseis de fevereiro de Dois mil e um ) . Ainda a Constituição de Mil novecentos e trinta e quatro fixou a competência privativa da União para legislar sobre incorporação dos indígenas à comunhão nacional .
Já a Constituição de Mil novecentos e sessenta e sete determinou que as terras ocupadas pelo indígenas ( na época o termo utilizado era " silvícolas " ) integrariam os bens da união ( Artigo Quarto, Inciso Quarto ), o que, teoricamente, impediria a prática, desde a Constituição de Mil oitocentos e noventa e um, de governos estaduais concederem ilícita titulação a particulares de terras notoriamente habitadas por indígenas . Além disso, a Constituição de Mil novecentos e sessenta e sete assegurou aos indígenas a posse permanente das terras que habitam e reconheceu o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes ( Artigo Cento e oitenta e seis ) . Com a Emenda Constitucional ( EC ) número Um, de Mil novecentos e sessenta e nove, foi declarada a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos indígenas, sem que os ocupantes tivessem direito a ação ou indenização contra a União ( Artigo Cento e noventa e oito, Parágrafos Primero e Segundo ) . A proteção foi ampliada na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), que passou a utilizar a terminologia indígena ou índios .
Em Mil novecentos e sessenta e sete, foi extinto o SPI e criada a Fundação nacional do Índio ( FUNAI ), pela Lei número Cinco mil trezentos e setenta e um, em plena ditadura militar. De acordo com a lei, cabe à FUNAI estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista, baseada nos princípios de
1) respeito à pessoa do indígena,
2) respeito às instituições,
3) respeito às comunidades tribais;
4) garantia à posse permanente das terras que habitam,
5) garantia ao usufruto exclusivo aos recursos naturais .
Em Mil novecentos e setenta e três, foi editada a Lei número Seis Mil e um, denominada " Estatuto do Índio ", que, apesar de mencionar nominalmente a preservação da cultura indígena, possuía objetivo de integração dos indígenas na " comunhão nacional " ( Artigo Primeiro ) . Buscou - se, assim, impor aquilo que era denominado integração harmoniosa dos indígenas, mas se consistia em um verdadeiro processo de assimilação, pelo qual a condição de indígena era transitória, devendo ser sbstituída pela condição de indígena plenamente integrado. Por isso, a Lei número Seis mil e um classifica os indígenas em
1) isolados ( aqueles sem contato intermitentes com a sociedade não indígena ) e
2) em vias de integração ( aqueles com contatos intermitentes com sociedade não indígena ) e
3) integrados ( por indígena integrado, a lei considera os " incorporados á comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura " ) .
Há hoje, intenso debate na doutrina e na jurisprudência sobre a recepção 9 ou não ) de diversos dispositivos do Estatuto de Índio em face da CF - 88, que adotou parâmetros e princípios diferentes na regulação da matéria indígena .
P.S.:
Notas de rodapé:
* Villares, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, Dois mil e nove, Páginas Setenta e seis, Cento e três e Cento e quatro.
*2 Em Dezessete de fevereiro de Mil novecentos e cinquenta e seis, o território do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia, em homenagem a Rondon. Em Mil novecentos e oitenta e um, o território foi transformado em Estado .
*3 A identificação dos povos indígenas é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-dos.html .
*4 Anjos Filho, Rogério Nunes dos. Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas: alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de Mil novecentos e oitenta e oito. In: Dantas, Miguel Calmon; Cunha Júnior, Dirley da; Tavares, André Ramos et al. ( Organizadores ) . Desafios do constitucionalismo brasileiro. Salvador: JusPodvn, Dois mil e nove, Páginas Duzentos e quarenta e três a Duzentos e noventa e cinco .
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