terça-feira, 9 de abril de 2024

Direitos Humanos: as informações sobre as pessoas em poder do Estado e o habeas data

A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) prevê, no seu Título Segundo, direitos e garantias fundamentais. Por garantias fundamentais, entendem - se os instrumentos, inseridos na CF - 88, que asseguram e promovem os direitos fundamentais. Entre essas garantias, há ações constitucionais, também chamada de remédios constitucionais, que possuem natureza híbrida: representam ações regidas pelo Direito Processual, mas, ao mesmo tempo, são inseridas na CF - 88 e desempenham a função de proteger direitos fundamentais .


Há oito ações constitucionais: o habeas corpus ( * vide nota de rodapé ), mandado de segurança ( *2 vide nota de rodapé ), mandado de injunção ( *8 vide nota de rodapé ), o habeas data ( direito do cidadão de acesso a informações que o Estado tem a respeito daquele ), a ação popular ( *9 vide nota de rodapé ), a ação civil pública ( *10 vide nota de rodapé ) e ainda o direito de petição ( *11 vide nota de rodapé ) . Neste texto, será detalhado o habeas data. Os demais direitos fundamentais serão detalhados em outros textos.


Habeas data


Conceito e origem - O habeas data consiste em garantia fundamental que assegura o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,  constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e também serve para refiticação de dados, quando não se prefira fazê - lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo ( Artigo quinto, Inciso Setenta e dois da CF - 88 ) . Essa parte final do dispositivo constitucional demonstra que há a via ordinária como alternativa . É inovação da CF - 88, inspirado nas Constituições de Portugal e da Espanha, e que visa a proteger o direito à autodeterminação informativa . Sua instituição foi uma ruptura com o passado de arquivos secretos da Ditadura e perseguição política . Não se trata simplesmente de assegurar o direito à informação e combater a " cultura do biombo " dos bancos de dados de entes públicos ou de caráter público, mas também de permitir que o interessado possa retificar as informações, controlando sua veracidade . Em Mil novecentos e noventa e sete, foi editada a Lei número Nove mil quinhentos e quatro que regulamentou o habeas data, após anos de utilização analógica da Lei de mandado de segurança ( *2 vide nota de rodapé ) .


Objeto - Cabe habeas data para assegurar o conhecimento e eventual retificação de informação do titular, garantindo, em benefício de pessoa física ou jurídica diante de bancos de dados públicos ou de caráter público :


1) o direito de acesso aos dados e registros existentes;

2) o direito de retificação das informações errôneas; e

3) direito de complementação dos dados insuficientes ou incompletos.


Considera - se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações . A Lei número Nove mil quinhentos e sete / Mil novecentos e noventa e sete fixou o objeto do habeas data ( HD ) para o seguinte tripé:


1) obter,

2) corrigir e

3) anotar ( incluir ) contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mais justificável ( caso típico de inclusão de anotação sobre existência de pendência judicial ) .


Diferença com o direito à certidão ( mandado de segurança - *2 vide  nota de rodapé ) - No caso do direito à obtenção de certidões ( Artigo Quinto, Inciso Trinta e quatro, Alínea b ) ou mesmo o direito á informação de interesse particular ou geral ( Artigo Quinto, Inciso Trinta e três ), a garantia fundamental apta a proteger tais direitos é o mandado de segurança e não do HD .  No mesmo sentido, o HT não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo, cabendo mandado de segurança ( HD número Noventa - Agravo Regimental, relatora Ministra Ellen Grace, julgado em Dezoito de fevereiro de Dois mil e dez, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Dezenove de março de Dois mil e dez ) .


Legitimidade ativa e passiva - Pode impetrar HD o pretenso titular do direito à autodeterminação informativa. Consequentemente, o HD não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do Inciso Setenta e dois, do Artigo Quinto da CF - 88, sua impetração deve ter por objetivo " assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante " ( HD número Oitenta e sete - Agravo regimental, Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em Vinte e cinco de novembro de Dois mil e nove, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Cinco de fevereiro de Dois mil e dez ) . No polo passivo, a Lei número Nove mil quinhentos e quatro / Mil novecentos e novecentos e noventa e sete adotou mesmo modelo do mandado de segurança ( *2 vide nota de rodapé ) , sendo a Autoridade Coatora o agente que detém a informação e o Requerido ( que poderá recorrer ) o sujeito de direito a quem pertencem os registros ou dados. Esse sujeito de direito pode ser público ou privado: o critério será a disponibilização da informação ao público. Assim, considera - se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária dar informações . Por isso, decidiu o Supremo Tribunal Federal ( STF ) que o Banco do Brasil 9 BB ) é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de HD uma vez que mantinha os dados pleiteados pelo impetrante para seu uso privativo ( STV, recurso Extraordina´rio número Cento e sessenta e cinco mil trezentos e quatro, Relator Octávio Gallotti, julgado em Doze de outubro de Dois mil, Plenário, Diário da Justiça de Quinze de dezembro de Dois mil ) .


Trâmite - A Lei número Nove mil quinhentos e quatro / Mil novecentos e noventa e sete prevê uma fase administrativa e uma fase judicial. A fase administrativa ( ou prejudicial ) consiste no pedido das informações para conhecimento e eventual retificação ou complementação ao órgão detentor. Caso haja recusa ou atendimento imperfeito do pedido, é que surge o interesse  de agir para a impetração do DH. Por isso, a petição inicial deverá ser instruída com prova da recusa ao acesso às informações, ou do decurso de mais de Dez dias sem decisão , ou ainda da recusa em fazer - se a retificação ou do decurso de mais de Quinze dias, sem decisão e, finalmente, da recusa em fazer - se o complemento de dados ou anotação . Nesse sentido, a Súmula número Dois do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) : " não cabe o HD ( conforme, Artigo Quinto Inciso Setenta e dois, Alínea a da CF - 88 ) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa ", O rito do HD é similar ao do mandado de segurança ( *2 vide nota de rodapé ) : há o impetrante e a autoridade coatora e não se admite instrução probatória. O HD não serve para corrigir aquilo que for controverso: eventual necessidade de dilação probatória exigirá o uso das ações ordinárias .


Competência - A autoridade coatora é essencial para definir competência judicial . A competência do Supremo Tribunal Federal ( STF ) é para: HD contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados 9 CD ) e do Senado Federal ( SF ), do Tribunal de Contas da União ( TCU ), do Procurador - Geral da República ( PGR ) e do próprio STF; cabe ao STJ julgar HD : contra atos de Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas ou do próprio STJ; os Tribunais Regionais Federais ( TRF ) julgam HD contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; e, finalmente, os tribunais estaduais julgam HD segundo o disposto na Constituição do Estado ( observados os casos já previstos pela CF - 88 ); e o juiz estadual, para os casos restantes .   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito ao habeas corpus, o contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em : https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-de-locomocao.html


*2 O direito ao mandado de segurança, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em : https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-liquido-e.html .


*3 O direito à nacionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-visa-reduzir.html .

*4 O direito à cidadania, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em : https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/08/direitos-humanos-cidadania-plena-versus.html .


*5 Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado. Décima - sexta edição. São Paulo: Saraiva, Dois mil e doze, Página Mil e cinquenta e três .


*6 Erga omnes: para com todos; o que é válido contra todos. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis.


*7 ex nunc : a partir de agora. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis. Página Cento e quarenta e seis .


*8 O direito ao mandado de injunção, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-falta-de.html


*9 O direito à ação popular, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-meio-ambiente-e-acao.html .


*10 O direito à ação civil pública, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-ministerio-publico-e.html .


*11 O direito de petição, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em : https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-acesso-justica-e-o.html .

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