Apesar de não ser uma convenção especificamente voltada aos direitos dos povos indígenas, a Convenção da Organização das Nações Unidas ( ONU ) para a Educação, a Ciência e a Cultura ( UNESCO - sigla em inglês ) sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais ( CPPDEC ) ( * vide nota de rodapé ) é importante para a temática, pois consagra o dever dos Estados de proteger a diversidade cultural e respeitar a cultura indígena. Foi celebrada em paris ( Capital da França ), em Vinte de outubro de Dois mil e cinco, ratificada pelo Brasil em Dezesseis de janeiro de Dois mil e sete e incorporada internacionalmente pelo Decreto número Seis mil cento e setenta e sete, de Primeiro de agosto de Dois mil e sete. Possui, em Dois mil e vinte, Cento e quarenta e oito Estados partes.
Secretário-Geral do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Santa Catarina, Adm. Cláudio Márcio Araújo da Gama ( Segundo em pé à direita ) com indígenas em Florianópolis. Foto: Divulgação.
Inicialmente, pode-se definir cultura como o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida, artes, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de uma comunidade ( *2 vide nota de rodapé ).
Os direitos culturais são reconhecidos como parte da gramática dos Direitos Humanos, conforme consta no Artigo Vinte e sete da Declaração Universal dos DH ( DUDH ) ( *3 vide nota de rodapé ) ( "Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade" ), bem como do Artigo Quinze do Pacto Internacional dobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ( PIDESC ) ( *4 vide nota de rodapé ) ( "Os Estados Partes do presente PIDESC reconhecem a cada indivíduo o direito de ( ... ) participar da vida cultural" ).
Atualmente, a defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos:
1) proteção e promoção do direito à cultura, associando os direitos culturais á inclusão;
2) proteção da circulação dos bens culturais, tema que interessa à Organização Mundial do Comércio ( OMC ) e separa os Estados Unidos da América ( EUA ) ( interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood ) de outros Estados ( como França, interessada na restrição de acesso a mercados, para proteger os produtos culturais produzidos em francês );
3) proteção da produção cultural ( bens e expressões culturais ).
A diversidade cultural revela-se pelas formas originais e plurais de identidades dos mais diversos grupos que integram a espécie humana. Ademais, estas formas plurais e originais de expressões culturais não são estanques e interagem, gerando, por sua vez, intercâmbios inesperados e inovações criativas. Nasce a chamada "interculturalidade", que consiste no fenômeno da existência e interação equitativa de diversas culturas, assim como na possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo.
Por isto, a diversidade cultural é indispensável para a humanidade, tendo sido considerada pela CPPDEC de Dois mil e cinco patrimônio comum da humanidade, devendo ser defendida para benefício das gerações presentes e futuras. Por sua vez, a diversidade cultural, ao florescer em um ambiente de democracia, tolerância, justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas, é indispensável para a paz e a segurança no plano local, nacional e internacional.
Com a globalização, o gigante fluxo de bens e serviços entre os Estados impacta fortemente as formas diversas que a cultura adquiriu nas comunidades humanas, existindo o risco de homogeneização e perda da diversidade pela conquista de mercado dos produtos culturais mais baratos e acessíveis pela sua escala de produção global. O exemplo mais conhecido é o do cinema norte-americano, cujos altíssimos custos de produção - que gera a indiscutível e superior qualidade técnica dessa indústria cinematográfica - são diluídos pelo avanço nos mercados de países terceiros. Nasce um círculo vicioso difícil de ser rompido: a superioridade técnica conquista mercados globais que, por sua vez, financiam maior superioridade técnica, o que torna quase impossível a entrada de novos atores nesse mercado.
No caso das populações indígenas, a CPPDEC reconhece a importância dos conhecimentos tradicionais como fonte de riqueza material e imaterial, e sua contribuição positiva para o desenvolvimento ( *5 vide nota de rodapé ) sustentável ( *6 vide nota de rodapé ), o que impõe a necessidade de sua adequada proteção e promoção.
Por isto, a CPPDEC visa a - nesse cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico - preservar a diversidade das expressões culturais, possuindo os oito princípios seguintes:
1) Princípio do respeito aos DH. Para a CPPDEC, a diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os DH, tais como a liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais.
2) Princípio da soberania. De acordo com a Carta da ONU ( *7 vide nota de rodapé ) e com os princípios do Direito Internacional ( DI ), os Estados têm o direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seus respectivos territórios.
3) Princípio da igualdade e idêntica dignidade entre todas as culturas. A proteção da diversidade das expressões culturais pressupõe o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as culturas, incluindo as dos povos indígenas.
4) Princípio da cooperação. Para a CPPDEC, a cooperação internacional deve permitir a todos os países, em particular os países em desenvolvimento, criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural - incluindo as indústrias culturais, sejam elas nascentes ou estabelecidas - nos planos local, nacional e internacional.
5) Princípio da complementaridade entre os aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento. A cultura é um dos motores fundamentais do desenvolvimento. Assim, os aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus aspectos econômicos, e os indivíduos e povos têm o direito fundamental ( *8 vide nota de rodapé ) de dele participarem e se beneficiarem.
6) Princípio do desenvolvimento sustentável. A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades, sendo condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras.
7) Princípio do acesso equitativo. O acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios de expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo.
8) Princípio da abertura e do equilíbrio. Ao adotarem medida para favorecer a diversidade das expressões culturais os Estados buscarão promover, de modo apropriado, a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em conformidade com os objetivos perseguidos pela CPPDEC.
Finalmente, de acordo com a CPPDEC, os Estados devem encorajar indivíduos e grupos sociais a criar, produzir, difundir, distribuir suas próprias expressões culturais, e a elas ter acesso, conferindo a devida atenção às circunstâncias e necessidades especiais da mulher, assim como dos diversos grupos sociais, incluindo as pessoas pertencentes às minorias e povos indígenas.
Em Dois mil e dezesseis, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Quatro mil novecentos e oitenta e três, promovida pelo Procurador-Geral da República ( PGR ) contra a Lei estadual número Quinze mil duzentos e noventa e nove de Dois mil e treze, do Estado do Ceará, que regulamentava a "vaquejada" como prática desportiva e cultural naquele Estado. Para o relator Ministro Marco Aurélio, a obrigação do Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, deve observar, contudo, o disposto no Artigo Duzentos e vinte e cinco, Inciso Se´timo, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade ( *9 vide nota de rodapé ). Citou o Relator os laudos técnicos juntados pelo PGR, pelos quais ficam atestadas "as consequências nocivas á saúde dos bovinos decorrentes da tração forçada na cauda ou até a avulsão desta, resultando no comprometimento da medula espinhal, e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental". Assim, para o Relator, " [ a ] nte os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, tem-se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas". Para o Ministro Dias Toffoli ( vencido ), a vaquejada é uma atividade esportiva e festiva, que pertence à cultura do povo, devendo ser respeitada. Quanto à crueldade com os animais envolvidos, o Ministro Toffoli sustentou que há técnica, regramento e treinamento diferenciados, o que torna a atuação exclusiva de vaqueiros profissionais. Contudo, para o Relator ( seguido pela maioria dos Ministros ), "a crueldade intrínseca á vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da CF - 88" - ADI número Quatro mil novecentos e oitenta e três, relator Ministro Marco Aurélio, julgada em Dezesseis de dezembro de Dois mil e dezesseis, publicada no Diário da Justiça eletrônico ( DJe ) de Vinte e sete de abril de Dois mil e dezessete ).
Antes do julgamento deste STF, foi editada a Lei número Treze mil trezentos e sessenta e quatro, de Vinte e nove de novembro de Dois mil e dezesseis, que elevou o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, á condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial ( para reforçar a posição daqueles que defenderam, como o Ministro Toffoli, a prevalência do direito à cultura ).
Em Seis de junho de Dois mil e dezessete, foi promulgada a Emenda Constitucional ( EC ) número Noventa e seis, que acrescentou o parágrafo Sétimo ao Artigo Duzentos e vinte e cinco da CF - 88, determinando que não serão consideradas cruéis as "práticas desportivas que utilizam animais, desde que sejam manifestações culturais". De acordo com o texto da EC Noventa e seis, lei posterior deve assegurar o bem-estar dos animais envolvidos ( *10 vide nota de rodapé ).
Quadro sinótico
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
Contexto
1) Tratado ratificado e incorporado internamente.
2) A cultura consiste no conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida, artes, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de uma comunidade ( ver Declaração do México sobre Políticas Culturais ).
3) A defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos:
a) proteção e promoção do direito à cultura, associando os direitos culturais à inclusão;
b) proteção da circulação dos bens culturais, assunto que interessa à Organização Mundial do Comércio ( OMC ) e separa os Estados Unidos da América ( EUA ) ( interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood ) de outros Estados ( como França, emprenhada na restrição de acesso a mercados, para proteger os produtos culturais produzidos em francês );
c) proteção da produção cultural ( bens e expressões culturais ).
Objetivo: Visa - no atual cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico - a preservar a diversidade das expressões culturais.
Essência da Convenção
1) Impacta na formatação dos direitos culturais.
2) A diversidade cultural revela-se pelas formas originais e plurais de identidade dos mais diversos grupos que integram a espécie humana.
3) A diversidade cultural é indispensável para a humanidade, tendo sido considerada pela Convenção de Dois mil e cinco patrimônio comum da humanidade.
4) Contém oito princípios que regulam a proteção da diversidade cultural.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A promoção e a proteção da diversidade cultural no Brasil, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*2 Ver Declaração do México sobre Políticas Culturais, da UNESCO de Mil novecentos e oitenta e dois.
*3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também conhecida como Declaração de Paris é melhor detalhada em:
*4 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
*5 O direito ao desenvolvimento, no contexto dos Direitos Humanos, é melhore detalhado em:
*6 O direito a um meio ambiente equilibrado, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*7 A Carta da Organização das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, é melhor detalhada em:
*8 A diversidade terminológica, referente aos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:
*9 "Artigo Duzentos e vinte e cinco. Todos têm direito aos maio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações: ( ... ) Inciso Sétimo - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."
*10 Artigo Duzentos e vinte e cinco, Parágrafo Sétimo: Para fins do disposto na parte final do Inciso Sétimo do parágrafo Primeiro deste Artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem amimais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o Paraágrafo Primeiro do Artigo Duzentos e quinze desta CF - 88, ressalvadas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentada por Lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos".
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