O jusnaturalismo é uma corrente do pensamento jurídico que defende a existência de um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo Estado ( direito posto ). Na seara dos Direitos Humanos ( DH ), é possível identificar uma visão justaturalista já na Antiguidade ( * vide nota de rodapé ), simbolizada na peça de teatro Antígona de Sófocles ( do ano Quatrocentos e vinte e um Antes de Cristo, parte da chamada Trilogia Tebana ) ( *2 vide nota de rodapé ). A personagem principal da peça, Antígona, recusa-se a obedecer as ordens do rei, afirmando que as leis dos homens não podem sobrepor-se às leis eternas dos deuses.
Na Idade Média ( *3 vide nota de rodapé ), o jusnaturalismo é incentivado pela visão religiosa de São Tomás de Aquino, para quem a lex humana deve obedecer a lex naturalix, que era fruto da razão divina ( *4 vide nota de rodapé ), mas perceptível ao homem. No plano internacional, Hugo Grócio, considerado um dos fundadores do Direito Internacional e iniciador da teoria do direito natural moderno, sustentava, no Século Dezesseis, a existência de um conjunto de normas ideais, fruto da razão humana. Fica aqui o limite aos direitos positivados, pois o direito dos legisladores humanos só seria válido quando compatível com os mandamentos daquela lei imutável e eterna ( *5 vide nota de rodapé ).
Nos Séculos Dezessete Dezoito, a corrente jusnaturalista de Grócio impõe a consagração da razão e laicidade das normas de direito natural. Os iluministas, em especial Locke e Rousseau ( *6 vide nota de rodapé ), fundam a corrente do jusnaturalismo contratualista, que aprofunda o racionalismo e o individualismo. A razão é fonte de direitos inerentes ao ser humano, afirmando-se a prevalência dos direitos dos indivíduos em face do Estado, ou direitos de primeira geração ( *7 vide nota de rodapé ). Esta supremacia dos DH é fundada em um contrato social realizado por todos os indivíduos na comunidade humana, que impõe a proteção destes direitos e limita o arbítrio do Estado. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão ( DDHC ), documento marcante desta visão dos DH, de Mil setecentos e oitenta e nove ( *8 vide nota de rodapé ), estabelece que "o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais ( *9 vide nota de rodapé ) e imprescritíveis" de todo ser humano. Na visão do contratualismo liberal de direito natural, os DH são direitos atemporais, inerentes á qualidade de homem de seus titulares ( *10 vide nota de rodapé ). Para mencionar um exemplo deste legado teórico, cite-se a primeira afirmação da longeva Declaração Universal dos Direitos Humanos ( DUDH ) de Mil novecentos e quarenta e oito ( *11 vide nota de rodapé ), pela qual todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, o que é assemelhado ao escrito por Locke ( os homens são "livres, iguais e independentes por natureza" - *12 vide nota de rodapé ) e a frase inicial de Rousseau no clássico Do contrato social, na qual afirmou que o homem nasceu livre ( *13 vide nota de rodapé ).
O traço marcante da corrente jusnaturalista ( de origem religiosa ou contratualista ) de DH é o seu cunho metafísico, pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem, oriundo de Deus ( escola de direito natural moderno ). Consequentemente, o ser humano é o titular de direitos que devem ser assegurados pelo Estado em virtude tão somente de sua condição humana, mesmo em sobreposição às leis estatais. O direito de resistência é um exemplo desta irresignação da corrente jusnaturalista com os direitos postos pelo Estado. Por isto, as primeiras Declarações de Direitos ( Virgínia, de Mil setecentos e setenta e seis - *14 vide nota de rodapé - e Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão - de Mil setecentos e oitenta e nove - *8 vide nota de rodapé ) reconhecem o DH de resistência à opressão ( *15 vide nota de rodapé ) A referida DUDH ( *11 vide nota de rodapé ) também fez menção, no seu Preâmbulo, ao direito à rebelião contra a tirania e á opressão.
Para determinados autores, os DH seriam, então os equivalentes contemporâneo dos direitos naturais. para Maritain ( *16 vide nota de rodapé ) e outros, os DH são consequência da afirmação dos ideais jusnaturalistas ( *17 vide nota de rodapé ). Apesar da sua influência sentida até hoje nos contemporâneos diplomas normativos internacionais de DH, o jusnaturalismo sofreu pela falta de comprovação de direitos inerentes à natureza do homem. Pelo contrário, em relação à própria revelação, pela razão humana, do conteúdo dos DH, há de se recordar a existência de variados conteúdos de tais direitos, a depender dos valores de cada contexto histórico. A história mostra que os DH são direitos conquistados, sendo até possível que um direito consagrado seja, após, retirado do catálogo de direitos protegidos.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A contribuição da Antiguidade na construção dos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*2 A contribuição da cultura das civilizações antigas na construção dos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*3 O legado da Idade Média aos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-legado-da-idade-m%C3%A9dia-aos-dh .
*4 O legado judaico-cristão aos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
*5 Casella, Paulo Borba. Direito internacional no tempo moderno de Suarez a Grócio. São Paulo: Atlas, Dois mil e treze.
*6 As ideias políticas de Locke e Rousseau que contribuíram na construção dos Direitos Humanos são melhor detalhadas em:
*7 As classificação dos Direito Humanos por gerações é melhor detalhada em:
*8 As declarações de direitos e suas ambiguidades são melhor detalhadas em:
*9 A diversidade da terminologia utilizada para se referir aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*10 Vieira de Andrade, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de Mil novecentos e setenta e seis. Coimbra: Almedina, Mio novecentos e oitenta e três, Página Quatorze.
*11 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ( DUDH ) é melhor detalhada em:
*12 Locke, John. Segundo Tratado sobre governo civil e outros escritos ( entre Mil seiscentos e oitenta e nove e Mil seiscentos e noventa ). Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Terceira edição. Petrópolis / Rio de Janeiro: Vozes, Dois mil e um, em especial Página Centro e trinta e nove ( Capítulo Oitavo - Do início das sociedades políticas ).
*13 Rousseau, Jean Jacques. Do contrato social ( de Mil setecentos e sessenta e dois ). Tradução de Mário Pugliesi e Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, Mil novecentos e noventa e seis.
*14 A Declaração de Direitos de Virgínia de Mil setecentos e setenta e seis é melhor detalhada em:
*15 Em especial os Artigos Terceiro e Segundo da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.
*16 A crítica de Maritain ao formalismo ideológico que orientou a Declaração Universal dos Direitos do Homem ( DUDH ) da Organização das Nações Unidas ( ONU ) é melhor detalhada em:
*17 Maritain, Jacques. Les drooits de l'homme et la loi naturel. Paris: Paul Hartmann Éditeur, Mil novecentos e quarenta e sete; Finnis, John. Natural law and natural rights. Oxford: Clarendon Press, Mil novecentos e oitenta e nove.
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