terça-feira, 22 de outubro de 2019

Sociedade de organizações: a administração como um órgão consultivo

O segredo mais bem guardado da administração de empresas é que a primeira aplicação sistemática da teoria da administração e de seus princípios não aconteceu em um empreendimento empresarial ( business enterprise ). Ocorreu no setor público. A primeira aplicação sistemática e deliberada dos princípios da administração nos Estados Unidos da América ( EUA ) - implementada com inteira consciência de que se tratava de uma aplicação da administração - foi a reorganização do Exército dos EUA, encabeçada por Lihu Root, secreta´rio de Guerra do Presidente Teddy Roosevelt. Apenas alguns anos mais tarde, em mil novecentos e oito,apareceu o primeiro gerente da cidade ( em Staunton, Virgínia ), como resultado da aplicação consciente de princípios de administração, então uma novidade, como a separação do que eram políticas ( tratadas no âmbito político entre aqueles que foram eleitos para a Câmara dos Deputados ) do que era administração ( tratada de forma profissional e não política, com responsabilização gerencial ). Aliás, o gerente da cidade era o primeiro executivo a ser chamado deste modo em qualquer lugar: gerente era um termo desconhecido mesmo nas palavras. Frederick W. Taylor.

Taylor é considerado o pai da administração, um polêmico engenheiro mudou a face do mundo dos negócios ao elaborar diversos estudos que tinham por objetivo ajudar as empresas a encontrar eficiências nos movimentos dos trabalhadores, economizando tempo nas linhas de produção das fábricas. Henry Ford, por exemplo, foi um dos que colocaram suas teorias em práticas.

Taylor, por exemplo, seu eu famoso testemunho diante do Congresso americano, em mil novecentos e onze, jamais usou o termo, mas falou em proprietários e seus ajudantes. E, quando perguntaram a Taylor o nome uma organização que efetivamente praticasse "administração científica", ele não mencionou uma empresa, e sim a Mayo Clinic. Esta instituição médica sem fins lucrativos, com vários espalhados pelos EUA, especializada em doenças de difícil tratamento por seus métodos inovadores e eficazes.

Trinta anos mais tarde, o gerente de cidade Luther Gulick aplicou os princípios da administração à organização de um governo federal que havia crescido ficado fora de controle nos anos do New Deal. Somente em mil mil novecentos e cinquenta e mil novecentos e cinquenta e um, isto é, mais de dez anos depois, conceitos e princípios semelhantes foram sistematicamente aplicados em um empreendimento empresarial de forma semelhante: a reorganização da General Eletric Company ( GE ) após a empresa ter crescido além de sua estrutura organizacional anterior, que era puramente funcional.

Hoje, certamente, a administração é usada com intensidade tanto nas empresas quanto na administração pública - talvez mais nesta última. Dentre as nossas instituições, talvez a que tenha mais consciência dos princípios da administração sejam as Forças Armadas, seguidas de perto pelos hospitais. Há setenta anos, os então novos consultores de administração consideravam clientes potenciais apenas as empresas. Hoje, metade dos clientes de uma típica consultoria de administração são órgãos públicos: instituições de governo, forças Armadas, escolas e universidades, hospitais, museus, associações profissionais e instituições comunitárias, como os Escoteiros ou a Cruz Vermelha.

E, cada vez mais, os que têm uma formação avançada em Administração de Negócios, os MBAs, são os candidatos preferenciais para carreiras em administração de cidades, museus de arte e na Secretaria de Orçamento e Finanças ( SOF ) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ( MPOG ), que depois da última reforma administrativa ficou dentro da estrutura do Ministério da Economia ( ME ), do governo federal no Brasil, por exemplo.

No entanto, a maioria das pessoas ainda entende ter ouvido o termo administração de negócios quando, na verdade, ouve ou lê a palavra administração. Livros de administração geralmente vendem mais que todos os outros livros de não ficção nas listas de best-sellers; no entanto, as críticas são normalmente publicadas na seção de negócios. Uma após as outras, as escolas de graduação em negócios ( graduate business schools ) mudam seu nome para escola de administração de negócios ( Master of Musiness Administratios ), ou MBA. Livros de administração, sejam livros-texto para uso em aula na universidade ou destinados ao leitor em geral, tratam principalmente de negócios, com exemplos e estudos de caso.

Mas existe uma explicação simples para o fato de haver um entendimento do termo administração de negócios quando o escrito ou falado é administração. O empreendimento empresarial não foi a primeira instituição a ser administração a ser administrada. Tanto a universidade moderna quanto o exército moderno se anteciparam ao moderno empreendimento empresarial em cerca de meio século. Ambos surgiram logo depois das Guerras Napoleônicas. Com efeito, o primeiro, o primeiro CEO de uma instituição moderna foi o chefe de gabinete do Exército prussiano pós-napoleônico, um cargo desenvolvido entre mil oitocentos e vinte e mil oitocentos e quarenta. Tanto em espírito quanto em estrutura, a nova universidade e o novo exército representaram uma forte quebra de paradigma em relação a seus antecessores. Mas as duas instituições esconderam isto - de forma deliberada - usando as mesmas denominações, mantendo os ritos e cerimônias e, especialmente, preservando a posição social da instituição e de seus líderes.

No entanto, ninguém poderia ter confundido o novo empreendimento empresarial, quando surgiu no terceiro quarto do século dezenove, com uma continuação da velha e tradicional empresa de negócio - o escritório de registros, consistindo de dois irmãos já idosos e um atendente, que aparecem de forma proeminente nos livros de Charles Dickens, publicados nos anos mil oitocentos e cinquenta e mil oitocentos e sessenta, e em várias outras obras literárias do século dezenove, incluindo Buddenbrooks, de Thomas Mann, publicado em mil novecentos e seis.

Para início de conversa, o novo empreendimento empresarial - as ferrovias de longa distância, da forma como se desenvolveram nos EUA após a Guerra Civil, o Banco Universal, da forma como foi criado na Europa, ou nos trustes, como a U.S.Steel, criada por J.P.Morgan nos EUA no começo do século vinte - não era tocado pelos proprietários. Na verdade, não havia proprietários; estes empreendimentos tinham apenas acionistas. Legalmente, a nova universidade ou o novo exército eram as mesmas instituições que sempre haviam sido, desde o começo dos tempos. Mudaram apenas boa parte de seu caráter e de sua função. Mas, para acomodar o novo empreendimento empresarial, uma persona legal nova e diferente deveria ser inventada: a corporação. Um termo bem mais preciso é o francês Société Anonyme, o coletivo anônimo, do qual ninguém é dono, ou seja, uma sociedade aberta aos investimentos de qualquer pessoa. A propriedade compartilhada é, por necessidade, separada do controle e da gestão e facilmente divorciada de ambos. E, na nova corporação, o capital é fornecido por um número grande, geralmente bem grande, de outsiders, cada qual com direito a uma minúscula fração do todo e com nenhum tendo necessariamente interesse ou qualquer responsabilidade - uma novidade total - na condução da empresa.

Esta nova corporação, esta nova Société Anonyme, esta nova Aktiengesellschaft, não poderia ser explicada bienalmente uma reforma, que era como a nova universidade, o novo exército e o novo hospital se apresentavam. Isto era, claramente, uma genuína inovação. E esta inovação logo começou a gerar novos empregos - em primeiro lugar, para o proletariado urbano, que estava em acelerado crescimento, mas logo também para as pessoas com formação educacional - e rapidamente passou a dominar a economia. Aquilo que, nas instituições antigas, poderia ser explicado como diferentes procedimentos, regras ou regulações nas novas instituições logo se tornou uma nova função: administração, um novo tipo de trabalho. Então, isto passou a demandar a elaboração de estudos, exigiu atenção e gerou controvérsia.

Contudo, ainda mais extraordinário e sem precedentes foi o posicionamento desta novidade na sociedade. Foi a primeira nova instituição autônoma na sociedade. Foi a primeira instituição autônoma em centenas de anos, a primeira a criar um poder central que estava dentro da sociedade, embora fosse independente do governo central que estava dentro da sociedade, embora fosse independente do governo central do Estado Nacional. Isto foi uma ofensa, uma violação de tudo o que no século dezenove era considerado ( e que os cientistas políticos do século dezenove ainda consideram ) lei da história e, francamente, um escândalo.

Por volta de mil oitocentos e sessenta, um dos principais cientistas sociais à época, o inglês Sir Henry Maine, em seu livro Ancient Law, cunhou a expressão do status ao contrato para se referir ao progresso da história. Poucas frases se tornaram tão populares e tão largamente aceitas quanto esta.

Apesar disto, na mesma época em que Maine proclamou que a lei da história exige a eliminação de todos os centros de poder autônomos da sociedade, o empreendimento empresarial surgiu. E, desde o começo, era, claramente, um centro de poder dentro da sociedade e nitidamente autônomo.

Para muitos contemporâneos, isto era, compreensivelmente, um evento totalmente não natural e que anunciava uma monstruosa conspiração. O primeiro grande historiador social que os EUA produziram, Henry Adams, tinha, sem dúvida, esta visão. Seu importante livro, Democracy, escrito durante o mandato do Presidente Grant, retrata o novo poder econômico como intrinsecamente corrupto e que, por sua vez, corrompe também o processo político, o governo  a sociedade. O irmão de Henry, Brooks Adams, algumas décadas mais tarde, se aprofundou no tema em um dos livros políticos mais populares já publicado nos EUA, The degeneration of the democratic dogma.

Da mesma forma, o economista John R. Commons - o cérebro por trás do movimento progressivo de Wisconsin, seu estado natal, pai da maioria das reformas que, mais tarde, se tornaram as inovações políticas e sociais do New Deal, e, por fim, mais não menos importante, normalmente considerado o pai do sindicalismo das empresas nos EUA - também bateu basicamente na mesma tecla. Ele dizia que a culpa pelo empreendimento empresarial era de uma conspiração protagonizada pelos advogados, o que levava a uma interpretação equivocada da décima-quarta emenda da Constituição, segundo a qual era outorgada à corporação a mesma personalidade legal de um indivíduo.

Do outro lado do Atlântico, na Alemanha, Walter Rathenau - ele próprio o bem-sucedido executivo principal de uma das novas corporações gigantes ( e que, mais tarde, se tornou uma das primeiras vítimas do terror nazista, tendo sido assassinado em mil novecentos e vinte e dois, quando era ministro das Relações Exteriores da Nova República de Weimar ) - igualmente acreditava que o empreendimento empresarial era algo radicalmente novo, incompatível com as teorias políticas e sociais prevalentes e, com toda certeza, um grave problema social.

No Japão, Shibusawa Eiichi, que havia abandonado uma promissora carreira no governo, nos anos mil oitocentos e setenta, para construir um país moderno por meio da fundação de empresas, também enxergava no empreendimento empresarial algo inteiramente novo e particularmente desafiador. Ele tentou abandá-lo com uma infusão em ética confuciana ( * vide nota de rodapé ). As grandes empresas japonesas, ao se desenvolverem após a Segunda Guerra Mundial, o fizeram segundo a visão de Shibusawa.

Em todas as partes do mundo, o novo empreendimento empresarial foi igualmente entendido como uma inovação radical e perigosa. Na Áustria, por exemplo, Karl Lueger, o pai-fundador dos partidos cristãos, até hoje dominam a política do continente europeu, foi eleito prefeito lorde de Viena, em mil oitocentos e noventa e sete, com uma plataforma política que defendia o honesto e honrado pequeno empreendedor - o dono de loja e o artesão - contra a diabólica e ilegítima corporação. Alguns anos mais tarde, um obscuro jornalista italiano, Benito Mussolini, ascendeu no cenário político nacional denunciando a corporação desalmada.

E assim, com muita naturalidade, talvez até inevitavelmente, a preocupação nos primórdios dos grandes empreendimentos empresariais da década de mil oitocentos e setenta, está claro que a administração diz respeito a todas as instituições sociais. Nos últimos cento e quarenta anos, cada importante função social se incrustou nas grandes organizações administradas. O hospital de mil oitocentos e setenta ainda era o lugar para onde os pobres iam para morrer. Já em mil novecentos e cinquenta, o hospital se transformara em uma das organizações mais complexas, exigindo uma administração de extraordinária competência. Os sindicatos em países desenvolvidos são administrados, hoje, por uma equipe de gerentes, e não pelos políticos que aparecem nominalmente em sua direção. Mesmo a grande universidade do ano mil e novecentos ( e as maiores, naquela época, tinham apenas cinco mil alunos ) ainda era relativamente simples, com um corpo docente de, no máximo, algumas centenas de indivíduos, com cada professor dando aulas dentro de sua especialidade. Hoje, elas se tornaram altamente complexas - com alunos de graduação pós-graduação e doutorado - , com institutos de pesquisa e bolsas oferecidas pelo governo e pela indústria e, cada vez mais, com uma superestrutura administrativa. E, nas modernas Forças Armadas, a questão básica é até onde a administração é necessária e até que ponto isto interfere na liderança - sendo que a administração está aparentemente vencendo este confronto.

A identificação da administração como se fosse a empresa, portanto, não pode mais se sustentar. Embora os livros-texto e estudos ainda mantenham um pesado foco naquilo que se passa nas empresas - e, tipicamente, as revistas cujo título têm a palavra management ( administração ), por exemplo, a Management Today, britânica, ou a alemã Management Magazin, tratam principalmente, se não exclusivamente, do que acontece nos empreendimentos empresariais - , a administração se tornou um órgão universal que permeia toda a sociedade moderna.

Isto porque a sociedade moderna se tornou uma sociedade de organizações. Os indivíduos que se enquadram no que os teóricos políticos e sociais ainda consideram a norma se tornaram uma pequena minoria: aqueles que vivem em sociedade diretamente e por conta própria, sem qualquer intervenção intermediária à qual estejam filiados. A maioria das pessoas em países desenvolvidos é de empregados de uma organização. São indivíduos que extraem seu meio de vida da receita coletiva de uma organização. São indivíduos que extraem seu meio de vida da receita coletiva de uma organização; enxergam oportunidades de carreira e de sucesso principalmente dentro de uma organização; e definem seu status social, em grande parte, a partir da hierarquia de uma organização. Cada vez mais, especialmente nos EUA, a única maneira pela qual um indivíduo poderá ganhar o suficiente para adquirir uma pequena propriedade é por meio de um fundo de pensão, isto é, sendo membro de uma organização.

E cada uma destas organizações, por sua vez, para funcionar, depende de uma administração. A administração é o que faz com que uma organização não seja uma turba. É um órgão eficaz, integrador e que dá vida à organização.

Em uma sociedade de organizações, administrar se torna uma função social-chave, e a administração, o órgão consultivo, determinante e diferencial da sociedade. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

* P.S.:

Nota de rodapé:

A filosofia de Confúcio é melhor detalhada em

https://administradores.com.br/artigos/%C3%A9tica-a-interdepend%C3%AAncia-a-sinceridade-e-conf%C3%BAcio .

Mais em:

https://administradores.com.br/artigos/sociedade-de-organiza%C3%A7%C3%B5es-a-administra%C3%A7%C3%A3o-como-um-%C3%B3rg%C3%A3o-consultivo e

https://smartplacecoworking.com.br/blog/2019/11/08/sociedade-de-organizacoes-a-administracao-como-um-orgao-consultivo/ .

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